sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

ADORAÇÃO OU SUPERSTIÇÃO


Um evento histórico e cuja fenomenologia impacta a fé, é o relato da condenação dos três companheiros de exílio de Daniel, profeta, em Babilônia, no tempo do domínio de Nabucodonozor, conforme descrito em Daniel 3.  Sugiro a leitura do capítulo inteiro, para que você possa inteirar-se dos detalhes desta reflexão.

O que mais me surpreende nesse texto é a contextualização oferecida pelo impasse e contraste entre a verdadeira adoração, vista na confissão dos três hebreus, e a superstição imposta pelo rei, na forma da adoração à imagem de 27 metros que mandou erguer em sua própria honra. O texto expõe para nós a acentuada diferença que reside em ser um adorador ou um supersticioso bajulador de divindade, de uma confissão com cores religiosas.

Confissão significa declarar o que pertence ao íntimo pessoal. Mas também significa homologar uma citação, algo declarado por outrem, e é neste contexto que nós, evangélicos, a entendemos e praticamos, porque confessamos uma fé baseada na Revelação que Deus deu a respeito de Si Mesmo, e como tal, confissão implica em adoração.

O conceito superstição tem dois sentidos que lhe são atribuídos e dos quais o depreendemos. O sentido profano, encontrado nos dicionários, vai atribuir ao vocábulo a designação de um fenômeno místico como crendice popular; e o sentido bíblico, pelo qual o apóstolo Paulo o apontou como sendo algo próximo à Verdade, mas não procedente dela nem com ela condizente, porém suficiente para caracterizar a religiosidade do homem ou o fenômeno religioso que consiste na resposta humana ao que é transcendental ou metapsíquico, mas baseada ou motivada pelo medo ou ignorância. Esse é o sentido que se pode atribuir ao vocábulo grego (deissidáimon) que o apóstolo empregou em Atenas, conforme registra Atos 17, quando discursava com os gregos no Areópago.

Em face destas conceituações, impõe-se que entendamos que a confissão não autoriza nem reconhece a superstição, uma vez que esta apenas é um arremedo da Verdade, ou uma forma anormal de religiosidade.

Logo, pela mesma via conceitual, podemos estabelecer parâmetros de práticas evangélicas que, embora validadas pelo vulgo porque populares, comuns, longe estão de atender ao caráter da confissão, por estarem exclusivamente comprometidas com o caráter da superstição.

Nosso texto histórico do confronto confissional dos três heróis hebreus, serve como pano de fundo e referencial diferenciador do que devemos ter como adoração e aquilo que denuncia a natureza da superstição.

O próprio texto nos mostra que a superstição não produz espontaneidade no adorador. Ele não adora por admiração, mas por causa do que o deus oferece ou por medo de ser punido caso não adore ou obedeça. Ela convence através de fórmulas, aparatos, fenômenos ou ameaças, como no caso da fanfarra promovida pelo rei. Contudo a resposta que obtém não é adoração, e sim bajulação.

A superstição impõe rituais para ser cumprida, observada, e então seduz pelo visual e ruído, porque está baseada na visibilidade, ao passo que a adoração ocorre em “Espírito e em verdade”. O propósito da superstição por meio desses recursos é impressionar e cativar pelos sentidos físicos espicaçados.

No texto em questão, a superstição estabeleceu um culto sob regras impostas; deu visibilidade ao objeto da adoração; adulterou a adoração para adulação. Nela, os adoradores apenas acediam irracionalmente ao que estava prescrito, como quem faz repetição sem conteúdo ou sem compromisso com o conteúdo de um credo ou reza decretado por terceiros. A superstição era motivada pela fanfarra que somada à ordem expressa produzia histeria de agrupamento.

A adoração, apresentada pelos três heróis da fé, trazia como seu objeto o Deus Invisível; seu culto era espontâneo e movido por paixão racional e sem barganhas, ou seja, o Deus adorado O seria, mesmo que não provesse livramento ou resposta, porque o adorador estava comprometido com o que Ele é, não com o que Ele pode fazer. Algo que nos lembra a experiência do apóstolo Paulo: “Eu sei em Quem tenho crido” (II Tm. 4:8).

A superstição abre mão da inteligência e sabedoria, do racional, da capacidade inquiridora do homem.  A adoração não. Paulo já definiu há muito o caráter do supersticioso deste século ao dizer: “O deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos para que não lhes resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo” (II Co.4:4). Isto não significa dizer que os supersticiosos sejam analfabetos, indoutos. Muito pelo contrário, a Bíblia os tem como “sábios deste mundo”. Porque não se trata de cultura, mas de sabedoria, e a sabedoria é de caráter espiritual e não cultural ou acadêmico. A cultura é temporal, mundana e nas coisas espirituais geralmente é “tapada”, seu entendimento fica de fora. A cultura dá ferramentas à sabedoria, mas não a cria nem sustenta.

Os efeitos da superstição duram um só momento e sobrevivem apenas durante o prazo da memória emotiva. São instáveis e carregados de fenomenalismo. A adoração não promete, porque ela está comprometida com a Pessoa do Adorado.

Ocorrem-me alguns desdobramentos de práticas cúlticas hoje que servem de base para discriminarmos a que categoria pertencem: superstição ou adoração.

Sempre que um adorador evangélico recorre a “recursos” técnicos para se fazer ouvir por Deus, como marchar nas praças públicas com verbalizações de conquista e poder ou alardeando verbetes de intimidação contra os poderes espirituais, estamos diante de um exercício próprio à superstição. Em Éfeso, nos dias do apóstolo Paulo em que entrou na cidade dominada pela superstição da deusa Diana, o alarde era feito pelos pagãos, não pelos cristãos (Atos 19:34).

Uma outra prática muito comum nos círculos evangélicos atuais é a determinação de dias seqüenciados de oração, contabilizados (geralmente em torno de números místicos como sete, nove ou vinte e um), muito próximo a um sincretismo com as novenas romanistas, imposto ao adorador sob pena de “perder” a bênção pretendida caso interrompa a seqüência. Esta superstição, porque imposta e desprovida de verdade, ainda é denunciada pela intencionalidade capciosa de atrair o adorador ao templo e comprometer sua espiritualidade por essa via.

Há ainda, dentre tantas outras formas de superstição evangélica, um corolário de precauções e preocupações com os poderes das trevas, que envolve desde o medo quanto ao que pronunciar, ver e ouvir, quanto ao adquirir figuras, obras de arte ou similares que resguardem um histórico obscuro, sobre o que estabelece-se o risco do adorador “descuidado” ficar sob influência de alguma maldição ou passível dela, tornando-se escravo psíquico dentro de uma liberdade para a qual Cristo nos chamou. Tento imaginar essa gente acompanhando Paulo em Atenas, enquanto ele percorria os templos e nichos do panteão grego.

A superstição pervarde a prática do jejum com excessos e nuances de sacrifícios típicos do Velho Testamento, ou mesmo comprometendo-a com ascetismo próprio ao cultuador medieval;  e ainda pervarde a contribuição financeira, que longe de ser sementeira espontânea e abundante, torna-se regida por ameaças de legalismo da fé, ou sofre sedução para barganha com Deus, com vistas a bom sucedimento temporal. Hoje, maioria das vezes, ofertar cumpre um compromisso obscuro e místico. Dá-se para receber e pelo medo de perder. Dá-se para um lugar e não para uma causa. Dá-se por imposição e ameaça, quase um saque forçado, mas não expressão de gratidão adoradora.

A adoração é o móvel de uma expressão livre, admirada, movida pelo amor a Deus, e amor de Deus. É racional, biblicamente consistente, e fruto da visão que a Palavra de Deus passa dEle, e não do imaginário do adorador. Ela produz emoção, algumas vezes, mas jamais depende ou emerge dela, ou nela sequer subsiste. Não negocia com propostas, nem se deixa seduzir por elas, do tipo promessas de culto.   Porque é feita em “Espírito e em verdade”, prescinde de lugar, forma e tempo ( João 4:20-23).

A adoração crê e espera sem nada ver, sem buscar sinais ou sinalizações que lhe dêem suporte para crer, porque a fé vê o invisível (Hebreus 11:27) e espera o que ninguém vê (Hebreus 11:1). Ela sabe que “esperamos o que não vemos” e por isso com paciência o esperamos, ou seja, abre mão da temporalidade, porque espera num Deus que é Eterno. Isto lança longe a superstição porque esta depende totalmente dos sentidos físicos, para subsistir.

A adoração não bajula, não adula. Ela busca a Deus como o seu objeto, para além do fato do que Ele pode fazer; busca-O não porque Ele faz, e O adora ainda que Ele nada faça, tal como disse Jó e o provaram aqueles três jovens na fornalha ardente.

Ainda chamo a sua atenção para o fato de que, no tocante ao que mais nos pode ensinar a atitude adoradora daqueles três homens, bem do âmbito do caráter e promessa do Deus adorado, Ele Se manifestou em meio à aflição deles, e ali ficou com eles, de maneira tal que o ímpio o viu e se surpreendeu. Algo que nos recorda a experiência de Moisés na sarça ardente do Sinai, quando via um fogo que ardia mas não consumia a sarça, como se aí estivesse a gênesis da promessa que estaria dizendo: “Estarei com ele na angústia”  ou como se ainda dissesse: “O que ocorre com você tem tudo para lhe destruir mas não destrói, porque Eu estou no meio do que lhe acontece”. O Deus adorado participa da vida do seu adorador, envolve-Se no seu contexto, cumprindo a Palavra em Jó que diz: “Ao aflito Ele livra por meio da sua aflição”.
Acresça-se o fato que, dada a presença de Deus, o fogo que veio para destruir, libertou, porque queimou as cordas que prendiam os três rapazes. Ao saírem do fogo, saem somente os três, como se o quarto homem, o Senhor, por entender da aflição, não necessitasse sair dela.

Às vezes penso que, bem da essência de verdadeiros adoradores, aqueles três moços não teriam saído da fornalha se o rei não os tivesse chamado para fora, porque ali dentro, eles estavam na presença do Senhor, em Sua companhia.  Os supersticiosos buscam apenas livramento da aflição, pois só entendem de pedir. Mas os adoradores aprendem, como já disse o poeta, que onde Cristo está, ali é céu, ainda que seja uma fornalha sete vezes mais aquecida.

Deus lhe conceda um ano de renovado espírito de adorador cristão.

Pr. Cleber Alho