“Vocês mesmos são a nossa carta, escrita em nosso coração, conhecida e lida por
todos. Vocês demonstram que são uma carta de
Cristo...escrita não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de corações humanos. – II Coríntios 3: 2 e 3.
Alguém já disse, em
cima da declaração de Paulo neste texto, que aí está o quarto evangelho: a vida do cristão, crente em
Jesus e firmado na graça que vem por Sua obra consumada e glorificada. Pode ser
que haja quem veja nessa ótica
um excesso, abuso de conceituação por exagero. Mas olho para o texto e ele me
diz que não. Quando o apóstolo
diz que somos uma carta de Cristo, ele não diz que cada um é uma carta, mas que todos juntos o são, logo, individualmente somos... o quê? Capítulos? Parágrafos?
Algo semelhante, dependendo do tamanho de mensagem que nossa vida passa. Mas o
ponto em questão é que ao nos comparar a uma carta, e esta de
Cristo, ele nos coloca acima da inscrição da Lei de Moisés, quando equipara a produção daquela mensagem a esta: “escrita... não em tábuas de pedra, mas em tábuas de coração humano”.
E é então que devemos debruçar-nos sobre a beleza profunda dessa metáfora e seu comprometimento.
Paulo está afirmando que
o trabalho que o dedo de Deus fez no Sinai escrevendo os mandamentos da Lei, ou
seja, expressão de Sua vontade e revelação de Sua justiça e santidade, o Espírito de Deus faz em nossos corações. Ele
escreve uma mensagem que aponta, recomenda nosso discipulado, nos mesmos termos
em que os Mandamentos recomendavam a Lei.
Mas vai além, quando o apóstolo nos informa que na condição de
cartas vivas, somos cartas de Cristo. Por cartas vivas ele está metaforizando a idéia de que nossa mensagem silenciosa, pregada com
nossas vidas, mais que com palavras, é eloquente, porque ele
afirma que nessa posição, a mensagem que nossas vidas passam é conhecida por todos os homens. Mais: é lida por todos eles,
enquanto cumprimos o nosso viver.
Há quem pense e reduza a mensagem ao conceito de que por conhecer e ler essas
cartas-mensagens, os homens estão como fiscais, atentos à nossa vida. Não! Ninguém
está atento! Observe que o
mesmo apóstolo já havia nos ensinado que o “deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos para que não obedeçam ao Evangelho”, e também afirmou que somos para eles como “aqueles que nada são, ou loucos, ou desprezíveis”. E na pele, vivenciamos isso muitas vezes. É
certo que tais conceitos precários são experimentados apenas pelos cristãos que andam na Verdade.
Diferente daqueles que o são porque pertencem a algum núcleo confessional-evangélico, apenas. Portanto, em que consistiria ser
conhecido e lido como carta? É onde assumimos que somos cartas silentes. Vidas
através das quais o Senhor
está imprimindo Sua mensagem
de amor, de conscientização, de justiça e retidão que fala aos sentidos dos demais. Como o texto
afirma que os que nos lêem
são todos os homens, logo, somos
lidos por crentes e incrédulos.
Somos cartas vivas para nossos irmãos em Cristo também. Mensagem silente, porque não se resume em fazer
proclamações. Isto é muito fácil. Mas vivê-las. E isto não é nada fácil.
Penso em algumas cartas seladas, fechadas, rebeldes. Cartas que ousam ditar
a Deus o que pretendem que Ele escreva em suas vidas. São os triunfalistas, que
só pretendem ser mensageiros de uma vida próspera, e esta é uma mensagem que comunica algo somente aos ambiciosos, enfatuados, que
desesperadamente querem via a fé a magia do bom sucesso
com nome de bênção. Mas nada comunicam aos
desafortunados, aos que choram, aos enlutados, sofridos, desesperançados neste
brasil de desempregos, de lares rompidos, de enfermos terminais perambulando
abandonados nas filas do SUS. Nada têm para comunicar aos
aflitos, nem aos que mesmo tendo algo e bem sucedidos, precisam de Deus por conta
das dores e do abandono em seus próprios pecados.
Penso nas cartas cuja mensagem desvia filhos da retidão, de dentro dos
próprios lares, pelo que lêem em seus pais crentes. Cônjuges escandalizados com o(a) parceiro(a)
cristão cuja forma de viver é
eivada de ansiedade, de
legalismo, de queixas e murmurações; de contradições ao fazerem acusações e exigências nas quais se
condenam por sua maneira reprovável ou apenas litúrgica,
de viver.
Penso também
naquelas cartas, e sei que é a elas que o apóstolo se refere, quando diz que são vidas que recomendam seus
discipuladores. Cartas cuja existência se inscreve na sua
experiência existencial misericordiosa, na generosidade, capacidade de
ver, ouvir e sentir o outro. Cartas que choram com os que choram e sorriem com
os que sorriem. Cartas altruístas, em cuja realização do devir, também está o ser adorador, grato e desviar-se do mal. Essas
cartas estão abertas, como corações servos, para deixar o Espírito de Deus escrever nelas aquilo que Ele
sabe que outros precisam conhecer e ler. Cartas que comunicam quanto Deus é confiável e como podemos depender dEle na condição de
Seus filhos.
As cartas podem dizer muitas coisas. Boas ou ruins. O fato é que somos tido por tais cartas.
O fato também é que o Espírito de Deus continua escrevendo aquilo que Ele
precisa que seja lido. Mas atentemos: Ele não escreve em cartas seladas, que
estão fechadas em si mesmas. Ele escreve em cartas abertas, cartas que vivem no
meio dos demais homens. Ele escreve a mensagem que nós não pretendemos, e mais: nunca uma mensagem que vá
na contramão da Carta Revelacional de Deus, as Escrituras,
ou que a contradigam. Nunca uma mensagem que seja falsa promessa ou que seja
uma novidade revelacional, porque não haverá jamais outro
fundamento; nada mais será acrescido
ao que já está posto.
Atentemos: Estamos sendo lidos. Qual mensagem nossa maneira de viver está
comunicando aos que não lerão a Bíblia, ou só o farão para conferir o que nossa vida diz, a começar dentro de nossos próprios lares?