terça-feira, 29 de setembro de 2015

PORTAL DO MISTÉRIO



"...ó, Deus, tem misericórdia de mim, pecador!  - Lucas 18:13

Aí está uma oração sui-gêneris, citada por Jesus como evidência de um coração pobre em espírito, diante do Deus a quem recorre sob consciência de seu ser miserável.  Desponta nela a beleza do apelo: "Tem misericórdia!" Parece que este é um brado que ribomba diante do trono de Deus. Ele entende disso: misericórdia. A maior expressão da misericórdia de Deus está na encarnação do Verbo Divino que culminou com a morte na Cruz. Ali Ele era cada um de nós, e a favor de todos nós.

Mas não é a oração do publicano por si só que nos chama a atenção, e sim também o contraste de conteúdos entre esta oração e a do fariseu que perto dele se jactava diante do Deus Santo acerca de sua justiça religiosa. Os dois oravam, e Jesus chama a atenção para a disparidade de significados nos conteúdos dessas orações, deixando claro que somente o publicano encontrou resposta ao seu clamor.

Isso nos leva a pensar no grande mistério que a oração encerra. Penso nela como o portal do mistério, porque ela é ponto de partida no contato entre o homem e Deus, seja na súplica por socorro, numa confissão, adoração, independentemente da forma. E nas formas variadas damos conteúdo às nossas orações.

É um mistério por si mesma porque, dentre as celebrações espirituais, a oração é aquela que já vem subscrita. A seu respeito ouvimos máximas revelacionais desta monta:
"Antes de clamarem, eu responderei; ainda estarão falando, e eu os ouvirei" - Isaías 65: 24;
 "Antes mesmo que a palavra me chegue à língua, tu já  a conheces inteiramente, Senhor". - Salmos 139:4;
"E quando orarem, não fiquem sempre repetindo a mesma coisa, como fazem os pagãos. Eles pensam que por muito falarem serão ouvidos. Não sejam iguais a eles, porque o seu Pai sabe do que vocês precisam, antes mesmo de o pedirem". - Mateus 6: 7 e 8;
"...pois não sabemos como orar, mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis". - Romanos 8:26;
"Àquele que é capaz de fazer infinitamente mais do que tudo o que pedimos ou pensamos, de acordo com o seu poder que atua em nós..." - Efésios 3:20.

E é por conta de tais revelações que se estabelece o mistério. Há quem leia estes textos e decida que não é necessário orar nem dizer coisa alguma, muito menos pedir. Acresça-se a isso o fato de que a Bíblia afirma ainda que é Deus Quem opera em nós tanto o querer quanto o realizar, e faz isso segundo o Seu poder que em nós opera. Mas, prefiro entender, à luz do que disse Paulo: "Orem sem cessar" (I Tessalonicenses 5:17) e também Jesus: "Vocês, orem assim..." (Mateus 6:9), e à luz dos fatos históricos na Bíblia que narram a igreja fazendo contínua oração por Pedro enquanto este se encontrava preso, Josué orando e Deus parando a rotação da terra à voz de sua oração, que este mistério impenetrável mas perfeitamente observável deve ser o contínuo exercício de nossa confissão de dependência ao Deus que Se revela como nossa suficiência em Cristo Jesus. Ademais, é exortação apostólica que "façamos orações por todos os homens", onde valem: "súplicas", "intercessões" e "ações de graças" (I Timóteo 2:1).

Mas também é fato para observação que nossa oração, à luz do que disse Jesus em Mateus 6 e Paulo em Romanos 8, não pode ter a pretensão de dizer a Deus o que fazer e como fazer.

Creio ter sido essa a situação daquele publicano apontado por Jesus. Não ousava sequer levantar seus olhos, quanto mais dizer a Deus o que fazer. Parece-me que ele havia chegado ao bico da encruzilhada de sua trajetória na vida, e então optou pelo conteúdo mais sábio de uma oração: "Ó, Deus, tem misericórdia de mim!"

Com efeito, na missão de interceder por outros, muitas vezes sou levado a uma situação incógnita: o que dizer a Deus, quando devo orar por alguém recalcitrante, obsessivo ou cujos motivos são sombrios? Então decido por investir no conteúdo da sábia oração do publicano e apenas rogar por misericórdia. Exatamente porque mais que em qualquer outra circunstância, nesta cumpre-se mais depressa a verdade apontada pelo apóstolo: "Não sabemos orar como convém".

E para favorecer o conteúdo, a súplica por misericórdia investe na direção da sabedoria, porque a Palavra afirma: "...a misericórdia triunfa sobre o juízo" (Tiago 2:13); "As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; novas são cada manhã..." (Lamentações 3: 22 e 23).

Pois foi o próprio Senhor, que estando atento às orações, afirmou: "...eu quero misericórdia, e não o sacrifício" (Oséias 6:6).

Na própria palavra "misericórdia" está a síntese de toda a necessidade e realidade da pessoa humana diante de Deus. Então cabe rogar: "Ó, Deus, tem misericórdia de mim, pecador!

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Horama Hagya



Horama Hagya
(Visão Santa)

(Todas as citações foram extraídas da Bíblia de Jerusalém)


No meu sonho, alguém não humano, por conta de todas as suas formas e dimensões (um anjo), aproximava-se de mim e me afirmava que estava me levando ao lugar em que eu O veria. Eu sabia que ele falava de Jesus. Em meu coração formou-se um tumulto de emoções pululantes: expectativa, deleite prévio, nervosismo e curiosidade __ Por onde Ele viria? Como o faria? __ e mais importante: __ Como seria Ele?
Perscrutando meu imaginário da fé, dava-me conta das miríades de imagens que meu córtex retinha, nutridas por incontável número de pinturas e símbolos, e também via o sonho do coração que ora e faz a contemplação pela fé: Ora Ele apareceria como um homem branco, alto, cabelos e barba longos, vestes talares, olhar penetrante e sereno; ora como um jovem maduro de pele tisnada de sol, rosto marcado pela vida e de olhar perdido na distância. Noutro momento havia a reserva deixada a um canto: um homem com o semblante da profecia? (Isaías 53): homem de dores, sem nenhuma formosura para que O desejássemos. Ou o glorioso dominador de Apocalipse 1 e 19, com o rosto resplandecente como o sol? Ah! Essa visão era a menos pretendida, porque sem poder fitar o sol natural no seu esplendor, como eu veria o rosto dAquele que é chamado de O Sol da Justiça?
A essa altura, perdido em pensamentos e imagens mentais, eu deixara de ouvir meu acompanhante que me dizia: Segue bem rente a mim até o local onde vou parar. Esse será o lugar do seu encontro.
E lá estava eu. De repente, sozinho. Nada nem ninguém além de mim e de minha sombra ao sol daquela manhã brilhante. Foi-se o anjo; fiquei eu, somente. Comecei a olhar. Para a direita, para a esquerda. Voltei-me e olhei atrás: nada. Depois o campo que era vasto e vazio à frente. E foi nessa amplidão do campo à frente que pensei vislumbrar uma figura humana caminhando em minha direção e crescendo, como se corresse. Pensei: “É o anjo, de volta. Acenei. Gritei: __ Ei! Estou aqui! Onde você foi? __ Quem sabe ele se perdera de mim! Mas a figura, agora bem nitidamente humana, se aproximava mais e mais, sem dar resposta. O brilho do sol no horizonte impedia uma visão clara e discernível do seu rosto. E à medida em que o caminhante apressado enchia mais o meu campo visual com sua presença, eu me apercebia de suas dimensões físicas. Não. Não era o anjo. Tinha minha estatura, mais ou menos, e o anjo era grande, muito grande. Este era outro homem, que nem eu. Muito humano, pela maneira de andar e agitar os braços, na pressa. Mas vinha em minha direção, com efeito!
Estando cada vez mais próximo, agora eu percebia que ele vinha até mim. Olhava-me; sorria. E comecei a ficar confuso: parecia outro eu. Outro de mim. Como era parecido! Cada vez mais parecido comigo! Cada vez mais era como um reflexo meu em movimento como num grande espelho à minha frente.
Mais perto; mais perto! Cada vez mais! Agora eu o via quase que perfeitamente. Ali vinha um homem que só não podia ser eu mesmo por estar diante de mim e ser bem mais jovem do que eu.
Já podia ver mais e claramente. Aquele era outro eu, com sensível alteração: rosto perfeito, olhos ternos, felizes, e um olhar que parecia falar, dizendo: Eu te amo!
Chegou junto. Olhou-me nos olhos e disse: Sou Eu! Eu que falo contigo! Não vês que Sou Eu Mesmo?
Meus lábios se moveram sozinhos, e me ouvi balbuciando, perplexo: __ Senhor meu, e Deus meu!
Atirei-me a Seus pés. Caí em pranto, mas meu choro adorava-O como num cântico profundo e doce.
Quanto tempo fiquei prostrado, não sei, mas cônscio de Sua presença.
Acordei. Ah! Onde está Ele? Para onde foi?
Quero dormir outra vez!!
A realidade me envolveu de todo. Eu estava acordado, de uma vez e para sempre. Sem tardar, os pensamentos me assaltaram: __ Mas como podia Se parecer comigo? Por quê? Não sou eu que terei de ser semelhante a Ele? Não é isso o que diz a Palavra: ´Tal como Ele é nós seremos?
No entanto, Aquele outro era simplesmente perfeito. Um outro eu, absolutamente perfeito!
Então entendi: "Não é Ele que se parece comigo.  Hoje sou Sua imagem deformada em minha vida adâmica. Naquele Dia entenderei o sentido da Palavra que afirma:       '... depois conhecerei como sou conhecido' (I Coríntios 13:12c); 'E, assim como trouxemos a imagem do homem terrestre, assim também traremos a imagem do homem celeste (I Coríntios 15:49).
...nEle fostes ensinados a remover o vosso modo de vida anterior o homem velho, que se corrompe ao sabor das concupiscências enganosas e a renovar-vos pela transformação espiritual da vossa mente, e revestir-vos do Homem Novo, criado segundo Deus, na justiça e santidade da verdade (Efésios 4: 21-24).
E nós todos que, com a face descoberta, refletimos como num espelho a glória do Senhor, somos transfigurados nessa mesma imagem, cada vez mais resplandecente, pela ação do Senhor, que é Espírito (II Coríntios 3:18).
...vós vos desvestistes do homem velho com as suas práticas e vos revestistes do novo, que se renova para o conhecimento segundo a imagem do seu Criador. Aí não há mais grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro, cita, escravo, livre, mas Cristo é tudo em todos (Colossenses 3:11).
Sim, em Cristo existimos nós, os que nEle cremos, e seremos aperfeiçoados. Ele é nossa humanidade elevada à perfeição.