Enquanto
O levavam, tomaram um certo Simão de Cirene, que vinha do campo, e
impuseram-lhe a cruz para levá-la atrás de Jesus. – Lucas
23:26
Este
personagem, citado em cada um dos evangelhos sinóticos, tornou-se notável por
este episódio sui-generis. Era de Cirene, importante cidade ao norte da África
onde residiam muitos judeus e prosélitos do judaísmo. Era conhecido e estava
residindo em Jerusalém, pois os textos se referem ao que poderia ser seu
trabalho, como um homem do campo, e citam seus dois filhos como se fossem
conhecidos por todos: Alexandre e Rufo.
Simão
será lembrado para sempre como o homem que aliviou o sofrimento do Senhor
levando por ele a cruz na qual seria morto. Somente João nos informa que Jesus
carregou a própria cruz, donde se deduz que a certo momento comprometeram o
cireneu a ajudá-Lo porque não suportava mais seu peso.
Um
ponto de realce reside no fato de que momentos antes, um outro Simão que vivia
tão próximo, abandona Jesus à sua própria sorte. Este, que sequer O conhecia,
aproxima-se e toma Sua cruz.
Penso
ser importante ocuparmos nosso lugar junto àquele Simão naquele momento, que
voltando-se do campo, talvez cansado, tenha se juntado à turba barulhenta que
formava o cortejo rumo ao Gólgota. Quem sabe curioso para ver quem seriam os
três condenados à morte sob a égide de Roma, ou por ser aquele seu único
caminho de regresso à casa. Acontece que estava lá, e com certeza aproximou-se
do condenado ferido, o único ultrajado por conta da tortura previamente
sofrida. Mas, desafortunadamente, aproximou-se mais do que deveria.
Penso
no que pode ter-lhe ocorrido, ao colocar o pesado madeiro sobre os ombros.
Sabia que levava a haste vertical que receberia o corpo do desconhecido
condenado. Mas longe estava dele saber que prefigurava cada um de nós,
substituído pelo Filho de Deus naquele patíbulo, para receber o juízo divino
sobre o pecado de todos, e operar a redenção por Sua morte.
Penso
também no fato de que sob tal peso ele pode ter sentido angústia e até raiva de
si mesmo, por ter se aproximado tanto, a ponto de estar à mão para ser usado
pela soldadesca romana. Mas agora, sob imposição, nada mais restava a fazer senão
carregar o madeiro até o alto da elevação. Como consolo restava pensar que
Outro seria pregado nele, e sua missão encerraria quando lá chegasse.
Mas
é essa aproximação demasiada e esse adjutório forçado que nos deve ocupar a
mente sobre a narrativa do texto. Não fôra o fato de estar sob ordens da
milícia romana, o cireneu poderia ter dito: “Não. Eu nada tenho a ver com essa
cruz. Foi justamente Esse mesmo homem quem disse que ‘cada um deve levar a
própria cruz’, portanto, nada tenho que fazer aqui.”
De
fato, Jesus afirmou que devemos levar nossa cruz. E aí criou uma metáfora em
que convém pensar.
Qual
sentido damos à expressão de Cristo quando determinou: “Se alguém me segue,
leve a sua cruz”? Tornou-se um dito popular pensar no carregar a cruz como um fardo
imposto pela vida através de suas vicissitudes. A cruz assim metaforiza o que
outros dogmas pretendem como karma ou destino. Dificilmente alguém pensa em sua
“cruz” como consequencial, resultado de sementeira cuja colheita se mostra
desprazerosa e sofrida. Mas a questão em foco não é o significado subjetivo das
cruzes, e sim o fato de que uma cruz impõe-se a cada um de nós, como o patíbulo
onde nossa jornada deve ser expurgada de seus desatinos, pecados ou missão
existencial assumida.
Lembremos
que havia mais dois condenados andando sob o peso de suas próprias cruzes. O
que se depreende é que a ajuda imposta a favor de Jesus devia-se a seu estado
de extremo esgotamento físico depois do Getsêmani, noite insone e torturas
várias. A cruz tinha o mesmo tamanho para os três e o Filho de Deus passara a
vida acostumado a virar toras de madeira pesadas em função de sua profissão
temporal. No entanto, para Ele aquela cruz tornara-se pesada em excesso, devido
ao seu esgotamento. Impossível continuar a levá-la mas imprescindível fazê-lo
porque cabia cumprir-se o fim em vista: a crucificação. Aqui há uma metáfora
clara para todos nós: A cruz tem o mesmo tamanho e peso para todos. Mas alguns
de nós tornam-se fracos para ela, dadas circunstâncias adcionais, ou escassez
de forças (de sentidos diversos).
Simão
é o ajudador à mão, porque estava próximo. Chamo a atenção para o fato de que
havia uma turba formada pela soldadesca e outros homens e mulheres que até
choravam pelo Senhor em Seu sofrimento. Mas a impossibilidade de Jesus mover-Se
sob o peso da cruz, incomodou os soldados que se deram conta de que outro
deveria fazer isso por Ele, para que aquilo chegasse a termo. Então servem-se
de quem estava próximo: o cireneu.
Provavelmente
ele estava mais à mão, mais próximo que os demais observadores. Onde os
discípulos? E os mais chegados? Já citamos que dentre estes, outro Simão já
havia tomado ampla distância da cena.
No
percurso da vida sucumbimos às vezes sob fardos de dor, de erros, de
sofrimentos físicos, morais, sociais. Alguns acabam por se revelar mais fracos
que o peso imposto pela vida. Mas, por pior que estejam, precisam chegar à
consumação da jornada, ao seu próprio Gólgota. Todavia, impossível continuar,
sem o socorro de um cireneu. Onde ele está?
Ao
tomar a cruz de Cristo sobre seus ombros, Simão de Cirene sem o saber estava
cumprindo a máxima do Senhor quando disse: “Se alguém o obrigar a caminhar uma
milha, vai com ele, duas”.
Bem,
para ser um cireneu nesse momento é necessária capacidade de perceber o que ocorre
com o outro; é necessário aproximar-se tanto dele que sua cruz fique visível, à
mão; é necessário emprestar o ombro para erguer a cruz e ajudar a seguir rumo
ao Calvário. Há um imperativo apostólico que corre nessa direção: “Levem os
fardos pesados uns dos outros e, assim, cumpram a lei de Cristo” (Gálatas 6:2).
O
que ficará em registro é a memória eterna desse socorro bem presente em meio à
tribulação.
Só
servem como cireneus aqueles que vêem a possibilidade de assumir a cruz alheia
como parte da sua e com uma visão divina de cruz como cruz, não karma ou
destino
Simão
me ensina que, por constrangimento ou imposição, há sempre lugar para a cruz do
outro junto à minha, se eu perceber seus extremos e me aproximar de sua
peregrinação suficientemente, porque, de certa forma, a cruz do outro tem algo
de meu.