Vivemos um tempo
desafiador para a genuinidade da confissão evangélica, em especial no que tange
ao exercício da fé. Temos sido cercados por um corolário de novidades em termos
da práxis cristã que confunde muitos dentre os nossos irmãos. A própria
doutrina bíblica que expõe a fé que uma
vez por todas foi dada aos santos (Jd. v.3) encontra-se invadida por
conceitos distorcidos, e muitos, por conta disto, se equivocam e confundidos
acabam olhando a fé como um talismã que poderia ser usado para manipular a
manifestação do poder de Deus. Isto faz do exame escriturístico sobre a fé uma
urgência premente.
I- O Caráter da Fé Evangélica
Comecemos com
alguns argumentos bíblicos que esclarecem a fé e seu exercício, para nós.
A Origem da Fé
1- A fé é um dom
de Deus.
É bastante
avaliar isto à luz destes três textos: Judas 3 (já citado); I Coríntios 12:9 (a outro, fé, pelo mesmo Espírito...) e
Efésios 2:8 (Pois vocês são salvos pela
graça, por meio da fé, e isto não vem de
vós, é dom de Deus) .
2- O autor da fé
é Jesus
Conforme Hebreus
12:2, Jesus é O autor da fé e neste texto também somos informados de que Ele a
consuma, ou seja, Ele a conduz para um cumprimento eficaz. E quando sabemos que
a autoria da fé vem de Cristo, isto estabelece que ela não se torna resultado
de nossa resposta pessoal ao que recebemos, nem fruto de nossa experiência
cúltica, como pensam alguns, achando que o culto ou o testemunho de alguém
podem por si mesmos produzir fé em nosso coração. Antes, esses instrumentos de
que a Graça de Deus pode servir-se objetivamente, apontam-nos Cristo e Sua
obra, mas não produzem a fé que somente Ele, o Senhor por Seu Espírito Santo,
pode gerar em nosso íntimo. Cristo e só Ele é o Autor da fé.
Alimentar essa fé
que nos foi dada, é tarefa nossa, daí lermos Romanos 10:17 que nos exorta a
esse respeito. A partir daí também podemos entender por que encontramos em
ocasiões diversas Jesus elogiando ou repreendendo os homens quanto ao trato que
deram à sua fé, usando expressões como: homens
de pequena fé, ou: mulher, grande é a
tua fé.
O Compromisso da Fé
A fé tem um
compromisso que está acima das perspectivas imediatas do crente, conforme nos mostra
o texto de I Pedro 1: 6 e 7 (Nisso vocês
exultam, ainda que agora, por um pouco de tempo, devam ser entristecidos por
todo tipo de provação. Assim acontece para que fique comprovado que a fé que
vocês têm, muito mais valiosa do que o ouro que perece, mesmo que refinado pelo
fogo, é genuína e resultará em louvor, glória e honra, quando Jesus Cristo for
revelado). A partir deste texto,
associado ao clássico texto de Hebreus 11: 1 e 2, onde encontramos uma
definição de fé, duas coisas podemos discernir sobre a fé:
1- A fé não nos
foi dada para trazer Deus até nós, antes para aproximar-nos dEle, levar-nos a
Ele. Confira Hebreus 10: 22.
2- A fé não nos
foi dada para obtermos coisas de Deus, meramente, mas para darmos a Ele louvor
e glória, ou, em outras palavras, para que redunde no louvor de Sua glória.
Mediante a
informação de que a fé é dom de Deus e que seu autor é Cristo, entendemos que, diferentemente
do formato que alguns lhe querem dar, a fé não é uma força espiritual
personalizada no crente, como se fosse uma imanência, ou energia evangélica que
move o poder de Deus. Antes, a fé, dom de Deus, move o crente ao seu Deus. Também
entendemos à luz de Hebreus 11: 1 e 2 que ela é convicção íntima e certeza que
nos move em direção ao Invisível.
Significado moral da fé
Há um texto
único no Velho Testamento que fala sobre fé e ele se encontra em Habacuque 2:
4, vindo a se repetir no Novo Testamento em Romanos 1:17; Gálatas 3:11 e
Hebreus 10:8 – O justo pela fé viverá.
Este texto revela-nos que a fé tem um significado moral, não fictício ou
mágico. Esse significado que se traduziu por fé, é confiança, que pode ser
desdobrada ainda na idéia de entrega, ou rendição plena, para apontar o seu
sentido mais completo que é fidelidade. A palavra original que em Habacuque 2:4
foi traduzida por fé e assim passou para o Novo Testamento, tem o sentido mais
pleno de fidelidade, daí o seu significado moral, resultando no sentido de que
nossa rendição, fruto de nossa confiança no Senhor, vem a ser a medida de nossa
fidelidade a Ele. Fica mais fácil, em face disso, entender os elogios ou repreensões
do Senhor ao uso que os homens fazem da fé. Também favorece e conforta saber
que nossa fidelidade não será nunca a medida do poder de Deus, porquanto o apóstolo
Paulo ensinou que se somos infiéis, Ele
permanece fiel, porque não pode negar-Se a Si mesmo (II Tm. 2:13). Aleluia!
Alguns ficam
confusos quando pensam que a falta de fé, conforme entendem, pode impedir a
manifestação do agir de Deus. No entanto Jesus nunca falou de falta de fé como
razão de impedimento para o Seu agir, e sim, a incredulidade. Ele não tem
compromisso com incrédulos, mas com os crentes sim, fortes ou fracos na fé.
Ademais, corroborando isto devemos lembrar que em ocasiões diversas, em que Ele repreendeu a falta
de fé nos que O seguiam, o fez no momento exato em que manifestava o Seu poder
como quando acalmou a tempestade de dentro do barco. Aquele era um importante e
crítico momento em que o Senhor deixou claro que a fé estava em falta entre os
crentes que O acompanhavam. Mesmo assim Ele agiu!
A fé que nos foi
dada precisa crescer, ser alimentada, porque deve correr em direção ao alvo que
é redundar na glória de Cristo. E por isso, passa por um processo de
aprendizagem ou discipulado, conforme proposto em Hebreus 13:7 (Lembrem-se dos seus líderes, que lhes
falaram a Palavra de Deus. Observem bem o resultado da vida que tiveram e imitem a sua fé) e como também podemos inferir de Romanos 4:11
e 12 (Assim ele(Abraão) recebeu a circuncisão como sinal, como selo
da jusiça que ele tinha pela fé, quando ainda não fora circuncidado. Portanto,
ele é o pai de todos os que crêem, sem terem sido circuncidados, a fim de que a
justiça fosse creditada também a eles; e é igualmente o pai dos circuncisos que
não somente são circuncisos, mas também andam
nos passos da fé que teve nosso pai Abraão antes de passar pela circuncisão),
em especial quando menciona um caminhar nosso nessas pegadas da fé.
Esta é a razão
por que temos todo o texto que compreende Hebreus 10:35 a 12:3, passando pelo capítulo
11 inteiro, onde os baluartes da fé nos são apresentados para que com eles
aprendamos o exercício da fé genuína, daí, após uma exposição do seu testemunho
de fé, o autor de Hebreus nos lembrar que eles todos são os referenciais para
nossa caminhada de fé, que deve ser feita com os olhos fixos em Cristo, seu
Autor e Consumador (Hebreus 12:2).
II- O Exercício da Fé Adoradora
A exposição
ampla da experiência de vida de fé dos homens e mulheres de Deus tidos por testemunhas,
em Hebreus capítulo11, foi feita para nossa aprendizagem. Antes de avaliarmos essas
experiências, o que faremos no texto de Hebreus 11: 3-34, convém ressaltar um
ponto importante: É comum designarmos esses personagens como heróis da fé. Essa
é uma atribuição nossa, que incorre no risco de levar-nos a torná-los ícones
dos quais ficamos distanciados por conta de sua heroicidade, o que os eleva e
os afasta de nossas limitações e fraquezas. O perigo reside no fato de que ao
reputá-los por heróis, fazêmo-los supercrentes, ou espiritualmente capacitados,
o que justificaria nossa pequenês na fé. Não. Longe disso, a terminologia
textual exarada ao longo de Hebreus 10 a 12 é testemunha, no que se refere a eles
todos. São testemunhas, não heróis, por mais que os admiremos. E testemunha é
palavra que na língua original do Novo Testamento traduz mártir. Melhor é que
os vejamos como a Bíblia os denomina, porque assim enxergamos as fraquezas que
também os caracterizam, e isso os aproxima de nós e nos permite entender que podemos
avançar por fé, tanto quanto todos eles.
Há uma relação
dessas testemunhas que exercitaram uma fé adoradora, conforme o texto que vai de
Hebreus 11: 3 a
34. E que tipo de fé eles caracterizaram para nós? Vejamos suas pegadas. No texto
de Hebreus 11: 4-7, destacam-se três testemunhas da fé como referência de
adoradores: Abel, Enoque e Noé.
A adoração é
marcada por três pilares:
- Proveniente da
fé (Rm. 14:23 - ...tudo o que não provém
da fé é pecado);
- Feita em
espírito (Jo. 4:23 - ... os verdadeiros
adoradores adorarão o Pai em espírito...);
- Feita em
verdade (Jo. 4:23 - ...os verdadeiros
adoradores adorarão o Pai...em verdade).
Isto é o que
podemos achar nestes referenciais humanos de fé. É importante entendermos que adoração
não deve ser confundida com louvor e ato cúltico coletivo. Para que o louvor
seja adoração, necessita de ser constituído pelos elementos que caracterizam a
adoração. A adoração serve-se do louvor tal como o entendemos, mas também pode
prescindir dele. A adoração precisa ser fruto de fé, feita em espírito e em
verdade, como a Palavra de Deus estabelece. Abel, Enoque e Noé nos ensinam isso
por meio do exercício de sua fé.
Abel, o adorador por fé
Vamos a Gênesis
4:2-7 ( ...Abel tornou-se pastor de
ovelhas, e Caim, agricultor. Passado algum tempo, Caim trouxe do fruto da terra
uma oferta ao Senhor. Abel, por sua vez, trouxe as partes gordas das primeiras
crias do seu rebanho. O Senhor aceitou com agrado Abel e sua oferta, mas não
aceitou Caim e sua oferta. Por isso Caim se enfureceu e o seu rosto se
transtornou. O Senhor disse a Caim: Por que você está furioso? Por que se
transtornou o seu rosto? Se você fizer o bem, não será aceito? Mas se não o
fizer, saiba que o pecado o ameaça à porta; ele deseja conquistá-lo, mas você
deve dominá-lo). E em Abel encontramos dois movimentos da fé adoradora:
compromisso e oferta. Percebe-se a diferença entre a aproximação cúltica de
Abel e a de Caim. Os dois cultuaram. Deus Se agradou de Abel e de sua oferta.
Desagradou-Se de Caim e usou a palavra pecado como indicador do problema, e
assim identificou a forma de culto desse cultuador. Ela não consistiu numa aproximação,
antes, mais no que parece um cumprimento de normas ou seu equivalente. Depois disso
surgem no texto de Hebreus 11 as expressões: agradou a Deus e sem fé é
impossível agradar a Deus.
A fé é nosso
instrumento de aproximação. A adoração mecânica é pecado, religiosidade
insípida, não fruto de fé. Ela não leva o adorador ao objeto de sua adoração.
Ela nada oferece, porque só entende de troca, de receber. Pode até mesmo ser
fruto de vaidade religiosa. O movimento de fé em Abel ficou em memória, à
semelhança da mulher que ofereceu o ungüento do vaso de alabastro a Jesus. Foi
por meio da fé que Abel se aproximou e cultuou o seu Deus.
Enoque, o adorador em espírito
Isto fala de
intimismo e de identificação. Vamos a Gênesis 5:21-24 (Aos 65 anos, Enoque gerou Matusalém. Depois que gerou Matusalém, Enoque
andou com Deus 300 anos e gerou outros filhos e filhas. Viveu ao todo 365 anos.
Enoque andou com Deus; e já não foi encontrado, pois Deus o havia arrebatado).
Num certo momento
Enoque deixou de ser Enoque, tanto identificou-se com Deus. A fé propicia identificação:
...e não foi mais...(ARA). Como se o
texto pretendesse dizer: Quem era Enoque? Ou: Quem era Deus ou Enoque? A beleza
desponta na expressão: andou com Deus.
Quanto isso significa para nós? Andar é a expressão visível de movimentos internos
como pensar e querer. A Bíblia afirma
que Noé andava com Deus, mas quanto a Enoque, contabiliza: 300 anos! Alguém fez
esta conta.
É uma
experiência de foro íntimo, no espírito, pelo lado de dentro, paixão. Não se
diz que o testemunho de fé se deu por realizações, ganhos, conquistas. Não.
Antes, diz que ele alcançou testemunho de que agradou a Deus. Isso é adorar em espírito. E houve
trocas: Na carta de Judas somos informados de uma profecia para os tempos dos
fins, atribuída a Enoque, e isso nos faz pensar no nível dessa intimidade
alcançada, que leva Deus a confiar a um homem dos primórdios Seus segredos para
o fim dos tempos (Jd. vv.14,15). Tem tudo a ver com a promessa do Salmo 25:14 –
A intimidade do Senhor é para os que O
temem, aos quais Ele dará a conhecer os Seus segredos (ARC). Foi por meio de sua fé que Enoque andou com Deus.
Noé, o adorador em verdade
Noé creu e agiu.
Isto fala de atitude, decisão, fatos. Vamos a gênesis 6:9 e 22 (...Noé era homem justo, íntegro entre o povo
da sua época: ele andava com Deus... Noé fez tudo exatamente como Deus lhe
tinha ordenado).
Somos levados a
pensar em Noé à luz de Tiago 2: 14-18, difícil e desafiador texto aos nossos dogmas
evangélicos!
A verdade
consiste em fatos. Sua
fé operava, tinha visibilidade, obra. Porque ele creu no que lhe foi dito, ele
agiu, trabalhou, construiu, enquanto aguardava o que ouviu. Creu que haveria
dilúvio; que viriam os animais; que ele e sua casa seriam preservados. E então
agiu. A fé que opera em verdade mostra a cara do seu discurso ou confissão.
Podemos emparelhar com Noé outros, como Zaqueu, que externou mudança e agiu
nessa direção a partir de seu encontro com Cristo. Também a mulher samaritana, que
deixou seu cântaro junto à fonte, evidenciando que creu na saciedade que o
Senhor lhe prometera. E ainda Pedro, quando andou sobre as águas em direção a
Jesus. Alinhamos também Daví, diante do gigante Golias, apressando-se em ir
contra ele. Nosso texto afirma que Noé agiu por meio de sua fé.
Alcançaram bom
testemunho, e testemunho de que agradaram a Deus. Este deve ser nosso compromisso
de fé em meio a esta geração: que adora pela fé, e o faz em espírito e em
verdade.
III-O Exercício da Fé Que Se Rende
Com Abraão,
temos mais pegadas para a fé seguir em direção ao percurso de todo o trilho que
nos faculta sermos mais que vencedores, na linguagem de Paulo, apóstolo, em
Romanos 8: 37: Mas, em todas estas coisas
somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou.
Somos exortados
a percorrer esse trilho olhando para Jesus, o autor da fé, que Se ofereceu.
Então, nós nos oferecemos a Deus por meio dEle, em rendição pela fé. A relação
é com base em entrega, desprendimento, renúncia, confiança. Daí despontar
primeiramente Abraão, cujas pegadas de fé começam como:
Os passos do desamparo voluntário
Também podemos
com isso significar passos da dependência incondicional e da esperança que não cessa,
conforme se percebe a partir de Hebreus 11:8. Quando este texto usa as
expressões obedecer e dirigir-se, alusivos aos movimentos da fé do patriarca
refere-se ao texto clássico de Gênesis 12:1- 3. O que podemos ver aí? Um
tremendo desafio: tudo começa com um autodesamparar-se. Em outras palavras,
ouvir Deus ordenar a Abraão, sai da tua
terra e da tua parentela, deve ter soado como ouvi-Lo dizer : a fé em Mim tem de levá-lo a desprender-se,
soltar-se, abrir mão de suas próprias garantias. Significaria para Abraão
abrir mão de sua segurança cultural, de seu clã onde ele tinha seu espaço,
crédito, conforto, junto aos parentes que lhe davam nome. E para nós? Não
pretenderia Deus rendição semelhante dos que se achegam a Ele por meio de Jesus?
Para Abraão significava desprender-se de garantias e herança: o espaço sob seu
controle. Seria como deixar o certo e visível pelo incerto, nebuloso, obscuro,
porque representava investir num futuro não dimensionável. Representava trocar
a trilha traçada pela proposta pessoal e viável pela trilha traçada na
invisibilidade de Deus. Restaria uma só rota: confiar. E isso redunda num
movimento conhecido como obedecer.
Os passos da obediência irrestrita
No
que respeita a nós, isto deve compreender nossa disposição de deixar-nos
dirigir por Ele para além de nossa própria previsibilidade. E então desponta a
obediência como o passo seguinte, quase conseqüente, apontado em Hebreus 11:9
como peregrinar na terra prometida. Ele saiu com pouco ou nada e foi para onde
seria estrangeiro. Deus continuamente nos leva a esses movimentos de dependência
exclusiva pela fé. Vêm desafios: mudanças na casa, no emprego, desconfortos
espirituais, uma miscelânea de ocorrências que o Senhor administra, como o
espinho na carne que nos afasta de nossa segurança calcada no previsível, ou
seja, em nós mesmos. A peregrinação de Abraão é bem conhecida de todos nós: com
altos e baixos. Momentos de glória e outros de obscuridades, com enfrentamentos
e atonicidade. Em alguns momentos surgiam as questões: onde está a promessa?
Por quem se cumprirá? Contaram também as renúncias diante de Ló, que envolveram
guerras, poços escavados, subterfúgios para proteger a família. Mas por fim,
conquistou toda a jornada com altos ganhos. Mas sempre foi peregrinação, nunca
raízes. Antes um montar e desmontar de tendas. E a bênção veio, afinal, plena e
compensatória! Abraão em tudo isso aprendeu a esperar, conforme Hebreus 11:10
aponta. Porque a fé caminha no invisível, não no escuro, como informam os
textos de II Coríntios 4:18 (Assim, fixamos os olhos não naquilo que se
vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno) e Romanos
8:25 (Mas se esperamos o que ainda não
vemos, aguardamo-lo pacientemente).
Os passos da esperança perseverante
A esperança aponta para a frente e para o
alto. Em Abraão ela operou com movimentos muito significativos que podem ser
conferidos no texto de Romanos 4:18-21 (Abraão,
contra toda a esperança, em esperança
creu, tornando-se assim Pai de muitas nações, como foi dito a seu respeito:
“Assim será a sua descendência”. Sem se enfraquecer na fé, reconheceu que o seu
corpo já estava sem vitalidade, pois já contava cerca de cem anos de idade, e
que também o ventre de Sara já estava sem vigor. Mesmo assim não duvidou nem
foi incrédulo em relação à promessa de Deus, mas foi fortalecido em sua fé e
deu glória a Deus, estando plenamente convencido de que ele era poderoso para
cumprir o que havia prometido). Era
mais que esperar na mão de poder, mas no coração que o move. Era enfrentar a
realidade dos fatos mas manter-se firme ouvindo a Voz no íntimo. Sua esperança
estava na fidelidade de Deus. Então ele podia ver, pela fé, a despeito da
eloqüente e visível mensagem das circunstâncias, como nos ensina outra
testemunha, Moisés, em outra pegada da fé.
A fé vê o invisível
Lendo Hebreus
11: 23-28, nossos referenciais são encontrados em Êxodo e despontam ante nós
como os modelos da fé que vê o Invisível. A evidência maior dentre esses antigos é Moisés, o homem que via pela
fé. Moisés tinha uma lente espiritual que se sobrepunha à visão dos sentidos
físico-temporais. Esta questão de “ver pela fé” está regida por alguns
princípios bíblicos apresentados por Jesus e por Paulo, como em João 11:40 (...Não lhe falei que, se você cresse, veria
a glória de Deus?); João 20:29 (...Felizes os que não viram e creram) e
II Coríntios 5:7 (Porque vivemos por fé,
e não pelo que vemos). Penso também em Provérbios 29:18 conforme a Versão
Revista e Atualizada (Sem visão o povo
fica sem freio...).
A história
inteira da vida de fé, em Moisés, está marcada por sua visão de fé, ou que a fé
propicia, já como herança de seus pais, conforme mostra o v.23.
O texto diz que
Moisés viu o Invisível (v.27) e antes
contemplava a recompensa (v.26). Mas
sua história de vida, desde o começo está pontilhada desse movimento em
decorrência de como via. Lembram? Em
Êxodo 3 tudo começa com a visão da sarça ardente. Por ver, ele ouviu a Voz.
Depois, sabemos que construiu todo o tabernáculo a partir de um modelo que lhe foi mostrado no Monte. Tudo
começou com uma visão. E continua sendo assim.
A fé nos foi
dada para vermos, porque antes de começarmos a vivê-la, a Palavra de Deus nos
informa que éramos cegos em nossos entendimentos. A fé que vê, vem de Deus.
Usar suas lentes, é nossa resposta.
(a) Paulo viu em Damasco, e creu;
(b) João viu em Patmos, e
perseverou;
( c ) Estevão viu, durante seu
martírio, e absorveu no rosto essa visão;
(d) Tomé tentou ver com os olhos da
carne e foi repreendido;
(e) Isaías viu, e se viu e então se arrependeu;
(f) Pedro viu a glória no Monte, e esqueceu-se de si mesmo, e esta foi
também a experiência de Moisés. Porque viu, ficou fascinado. A visão de fé,
fascina.
Esqueceu Moisés
de si mesmo. A Palavra vista aqui em Hebreus 11:13 cumpre-se nele mais que em
qualquer outra testemunha de fé. Moisés começou sua carreira por uma visão e
terminou também com uma visão. Contemplou a terra, na qual não pôde entrar.
Mas dissemos que
de Deus vem a lente da fé, e nos cabe saber usá-la. É uma luta titânica contra
dois níveis que se opõem: o temporal e o espiritual. E nessa luta estamos nós.
Moisés a superou e venceu. Aprendamos com ele, através de seus movimentos:
Os verbos de
seus movimentos são plenos de significado: recusou, preferiu, considerou,
contemplou, saiu, não temeu e celebrou. Faltou o conquistou que fica subentendido no v.29. Quanta história de vida
encerram! O eixo desses movimentos está no v.26, final: contemplou. Porque viu pela fé, então:
A fé
tomou posição
É onde lemos os
verbos dos movimentos associados: recusou, preferiu e considerou. A proposta de
vida de fé, por ser no invisível, sempre vai implicar numa desinstalação que
aqui temos chamado de perda ou renúncia. Moisés não tinha pouco a
perder. Nunca o evangelho entra em nossa história buscando uma acomodação de
situações. Maioria das vezes ele força uma ruptura, ouvida nestes termos: Escolham hoje a quem servir ou: Ninguém que lança mão do arado e olha para
trás é apto para o Reino dos céus. E ainda: Vocês não podem servir a Deus e às riquezas.
A realidade,
nossos desejos e seu contexto parecem mais eloqüentes mas a vida com Deus
sempre vai nos levar a esse desafio: Tire
as sandálias de seus pés, entre descalço. Recusas, opções e avaliações são
bem vindas. A contabilidade fica de fora: considerou
(fez um balanço). Os verbos seguintes dão o novo movimento:
A fé moveu-se!
De novo o
movimento da fé eficaz! Quem vê, avança!
Moisés saiu e não temeu, porque o mover em decorrência da renúncia, comprometia,
criava enfrentamento de oposições, provocava desprazeres em outros que
perderiam algo em Moisés.
Até mesmo em
atos simples de fé isso continua acontecendo. A mulher que tomou a iniciativa
de ungir Jesus, incomodou os demais. No
caso de Moisés, Faraó ficou irado.
Sair, para
Moisés, significava enfrentar um deserto, um mar fechado e os desafios
decorrentes. Significava fechar os ouvidos para contrapropostas de acomodação
que agradassem a ambos os lados. Mas
assumir a ruptura também implicava em pisar no terreno da fé que vê acontecer,
que vivencia o poder de Deus.
A vida trouxe
opções confortáveis a alguns cristãos, que as renunciaram no auge de sua
velhice, por conta da visão de sua fé.
Penso, entre tantos, em Cornélia Tem
Boom , a holandesa dos anos 1940 que foi levada para um campo
nazista, presa por ajudar os judeus, já aos sessenta anos de idade, de onde
saiu cinco anos depois e começou um ministério internacional de pregação da
Palavra de Deus, que durou toda a sua vida, até morrer com mais de oitenta de
anos. Penso também em algumas testemunhas tão próximas a nós, em nossos dias,
que embora não tendo ido a campos distantes, se desinstalaram para viver sua
vida espiritual nos níveis da proposta divina, e sofreram e ainda sofrem perdas temporais porque experimentam a
loucura do evangelho: mais bem-aventurada
coisa é dar do que receber. E quanto conseguem ver! Sua motivação é a dificuldade dos outros, crentes ou
não-crentes, obreiros ou não. Fazem a contabilidade da fé. Já ouvi um desses
dizer: Não faço poupança em bancos. Invisto no
Reino de Deus. Nada me falta! Mas seria apenas uma questão de contemplar
pela fé, ou Moisés nos mostra que o contemplar tem algo mais? Sim, então
veremos o terceiro movimento: Perseverou e celebrou.
A Fé produz a paixão que fascina
Moisés
perseverou até que pôde celebrar e isso dentro de uma história ainda em
formação e sob enfrentamento. Mas o texto nos conta o segredo dessa visão de
fé, no v.26: Por amor de Cristo.
Sabemos que esta é uma linguagem densamente figurada quanto a Moisés. Mas não é
diferente quanto a nós hoje, crentes de 20 séculos depois de Cristo. Aquele a Quem não vendo, amamos. Quem O
contempla pela fé, O ama, e deve deixar-se apaixonar. Paulo usou muito dessa
expressão: Por amor a Cristo estou em
cadeias; o amor de Cristo nos constrange. Quê visão é essa, que apaixona?
Seria a visão que O enxerga pelo lado de dentro:
- estou aceito;
- perdoado;
-cuidado;
-
tolerado;
-
compreendido;
-protegido;
-em aliança ( acompanhado).
São expressões
próprias da fé de homens que a viveram:
Porque
o Senhor está comigo; Perto está o que me justifica; Minha alma te segue de
perto, meu corpo te almeja.
Quando os olhos
incrédulos de Tomé deram lugar aos olhos da fé, ele gritou: Senhor meu e Deus meu!
A
quem tenho eu no céu além de Ti?, o salmista perguntou. E nossos hinos
também falam dessa paixão. Ela é visão viva nas páginas da Revelação, mas se
intensifica na proporção da busca intimista, do coração que se achega em
oração, na solitude.
Por último,
devemos atentar ao texto de Hebreus 11: 29- 39.
O trecho que compreende os vv. 29 a 34 é o discurso mais cobiçado no texto da
fé perseverante de Hebreus 11. E este
trecho nos fala da
IV-Fé dos Empreendedores e Perseverantes
Muitos há que só
lêem aqui, neste trecho alvissareiro e atraente. É aqui que se entende ou se
pensa que se entende sobre heróis espirituais, heróis da fé. Quero começar advertindo quanto a duas coisas
interessantes:
1-
A sabedoria do Espírito Santo que só fez menção desses heróis após nos levar a uma longa
caminhada através dos baluartes anteriores vistos até aqui. Logo, há risco de
temeridade em ler este texto isoladamente.
2-
Depois: alguns desses heróis não foram tão heróis assim, nos termos de nossa piedade
evangélica. Sansão ( e nos lembramos de sua fraqueza por mulheres pagãs); Davi
}( e nos lembramos de suas freqüentes quedas) e Raabe (cujo ofício não era nada
santo).
Mas a fé
revelada por suas conquistas atendeu perfeitamente aos padrões aqui vistos
anteriormente. Como eles são muitos, e ainda há os lembrados sem serem citados,
que sobrecarregam a lista, apontaremos em destaque apenas alguns desses
empreendedores que bastam ao nosso exame.
Dois eventos marcos no empreendimento da fé
Vejamos Hebreus
11: 29 e 30. O Mar Vermelho e a queda de Jericó. O primeiro me fala de dependência
absoluta. Desafiador! Acredito que possa alinhar aqui o texto de I Pedro 1:13
apontando-o remotamente. O segundo me
fala de perseverança. A fé que vem de Jesus impõe estas ações, já temos visto.
E Cristo e a Igreja sempre entenderam de perseverança. Lembremos Elias no
Carmelo. Perseverar significa tirar o foco do desejo, de si, para a esperança
em Deus e Seu poder.
Os fracos heróis
Aqui estão eles:
Hebreus 11: 32 e 33. Não eram
superheróis que evidenciaram uma superfé. Nem mesmo Sansão. Eles tinham como
característica comum suas fraquezas inerentes, que por si os incapacitavam, e
ao mesmo tempo os recomendavam. Vou ilustrar com os próprios personagens
citados:
Gideão. Que bom ser ele o primeiro!
Idêntico a nós. Deus lhe disse: Vai nesta
tua força! E a força de Gideão foi vista pelo discurso do pânico: Ai, Senhor meu!
Baraque, que ganhou nome por conta de
Débora, mas era fraco.
Sansão, um portento físico, mas se o
Espírito não agisse nele, ele morria, e era carnal. Gritou desesperado, quando
se viu na iminência de morrer de sede após grande façanha.
Jefté, precipitado, temerário, mas
dependente.
Davi. Quanto a ele prefiro pensar que Deus diga de
nós o que disse dele: Varão segundo o Meu
coração.
Samuel, que às vezes via por seus
próprios olhos, somente o que era aparente, e não teve visão do fracasso de
seus próprios filhos.
E ainda podemos
tornar a citar Moisés, pois creio
que ninguém esquece quanto ele resistiu a Deus por ver sua própria
insuficiência humana para o empreendimento ao qual era desafiado. Também os
profetas: Amós e Jeremias se destacam e aqui incluo de novo Elias. Eram fracos heróis, e por isso neles o poder de Deus
se aperfeiçoou. Eram testemunhas, e isso contou na fé que lhes foi dada.
Os heróis da fraqueza
E eles aparecem
aqui, no mesmo corolário de testemunhas. A esses eu chamo de perseverantes.
Devemos vê-los nos textos de Hebreus 11: 33 e 11:34. Podemos vê-los em
situações humílimas, de onde foram exaltados porque pela fé praticaram a justiça.
Enumero: Daniel,
na cova dos leões e seus três companheiros na fornalha incandescente. Pedro na
cadeia, Paulo e Silas em Filipos, Baraque e Débora.
Por que os chamo
de os heróis da fraqueza? Porque o
texto informa isto: Da fraqueza tiraram
força. Paulo nos ensinou isto em II Coríntios 12: 9 e 10. O texto que diz: Da fraqueza tiraram força, significa que
eles tornaram-se poderosos a partir da fraqueza. Minimamente representa não que
adquiriram músculos, inverteram o processo, mas antes, que se tornaram
experientes, capacitados, treinados, habilitados.
A fé tem um
compromisso com a vitória, mas sua marcha é moral, real, não fantasiosa. Ela
não dá show. Passa pelo caminho exposto por Paulo em Romanos 8: 35 a 39. E quando encerra sua
jornada, ilustra a memória do seu confessor conforme registra Hebreus 11: 38 e
16, respectivamente: O mundo não era
digno deles; Por essa razão Deus não se envergonha de ser chamado o Deus deles,
e lhes preparou uma cidade.
Que esta fé, da
qual Jesus é o Autor e Consumador, cresça na sua vida, até o fim de sua carreira.
Amem.
Com carinho,
Pr.
Cleber Alho