quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O CRISTÃO E A FÉ GENUÍNA - O justo pela fé viverá


Vivemos um tempo desafiador para a genuinidade da confissão evangélica, em especial no que tange ao exercício da fé. Temos sido cercados por um corolário de novidades em termos da práxis cristã que confunde muitos dentre os nossos irmãos. A própria doutrina bíblica que expõe a fé que uma vez por todas foi dada aos santos (Jd. v.3) encontra-se invadida por conceitos distorcidos, e muitos, por conta disto, se equivocam e confundidos acabam olhando a fé como um talismã que poderia ser usado para manipular a manifestação do poder de Deus. Isto faz do exame escriturístico sobre a fé uma urgência premente.

I- O Caráter da Fé Evangélica

Comecemos com alguns argumentos bíblicos que esclarecem a fé e seu exercício, para nós.

A Origem da Fé

1- A fé é um dom de Deus.
É bastante avaliar isto à luz destes três textos: Judas 3 (já citado); I Coríntios 12:9 (a outro, fé, pelo mesmo Espírito...) e Efésios 2:8 (Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus) .

2- O autor da fé é Jesus
Conforme Hebreus 12:2, Jesus é O autor da fé e neste texto também somos informados de que Ele a consuma, ou seja, Ele a conduz para um cumprimento eficaz. E quando sabemos que a autoria da fé vem de Cristo, isto estabelece que ela não se torna resultado de nossa resposta pessoal ao que recebemos, nem fruto de nossa experiência cúltica, como pensam alguns, achando que o culto ou o testemunho de alguém podem por si mesmos produzir fé em nosso coração. Antes, esses instrumentos de que a Graça de Deus pode servir-se objetivamente, apontam-nos Cristo e Sua obra, mas não produzem a fé que somente Ele, o Senhor por Seu Espírito Santo, pode gerar em nosso íntimo. Cristo e só Ele é o Autor da fé.

Alimentar essa fé que nos foi dada, é tarefa nossa, daí lermos Romanos 10:17 que nos exorta a esse respeito. A partir daí também podemos entender por que encontramos em ocasiões diversas Jesus elogiando ou repreendendo os homens quanto ao trato que deram à sua fé, usando expressões como: homens de pequena fé, ou: mulher, grande é a tua fé.

O Compromisso da Fé

A fé tem um compromisso que está acima das perspectivas imediatas do crente, conforme nos mostra o texto de I Pedro 1: 6 e 7 (Nisso vocês exultam, ainda que agora, por um pouco de tempo, devam ser entristecidos por todo tipo de provação. Assim acontece para que fique comprovado que a fé que vocês têm, muito mais valiosa do que o ouro que perece, mesmo que refinado pelo fogo, é genuína e resultará em louvor, glória e honra, quando Jesus Cristo for revelado).  A partir deste texto, associado ao clássico texto de Hebreus 11: 1 e 2, onde encontramos uma definição de fé, duas coisas podemos discernir sobre a fé:
1- A fé não nos foi dada para trazer Deus até nós, antes para aproximar-nos dEle, levar-nos a Ele. Confira Hebreus 10: 22.
2- A fé não nos foi dada para obtermos coisas de Deus, meramente, mas para darmos a Ele louvor e glória, ou, em outras palavras, para que redunde no louvor de Sua glória.

Mediante a informação de que a fé é dom de Deus e que seu autor é Cristo, entendemos que, diferentemente do formato que alguns lhe querem dar, a fé não é uma força espiritual personalizada no crente, como se fosse uma imanência, ou energia evangélica que move o poder de Deus. Antes, a fé, dom de Deus, move o crente ao seu Deus. Também entendemos à luz de Hebreus 11: 1 e 2 que ela é convicção íntima e certeza que nos move em direção ao Invisível.
  
Significado moral da fé

Há um texto único no Velho Testamento que fala sobre fé e ele se encontra em Habacuque 2: 4, vindo a se repetir no Novo Testamento em Romanos 1:17; Gálatas 3:11 e Hebreus 10:8 – O justo pela fé viverá. Este texto revela-nos que a fé tem um significado moral, não fictício ou mágico. Esse significado que se traduziu por fé, é confiança, que pode ser desdobrada ainda na idéia de entrega, ou rendição plena, para apontar o seu sentido mais completo que é fidelidade. A palavra original que em Habacuque 2:4 foi traduzida por fé e assim passou para o Novo Testamento, tem o sentido mais pleno de fidelidade, daí o seu significado moral, resultando no sentido de que nossa rendição, fruto de nossa confiança no Senhor, vem a ser a medida de nossa fidelidade a Ele. Fica mais fácil, em face disso, entender os elogios ou repreensões do Senhor ao uso que os homens fazem da fé. Também favorece e conforta saber que nossa fidelidade não será nunca a medida do poder de Deus, porquanto o apóstolo Paulo ensinou que se somos infiéis, Ele permanece fiel, porque não pode negar-Se a Si mesmo (II Tm. 2:13). Aleluia!

Alguns ficam confusos quando pensam que a falta de fé, conforme entendem, pode impedir a manifestação do agir de Deus. No entanto Jesus nunca falou de falta de fé como razão de impedimento para o Seu agir, e sim, a incredulidade. Ele não tem compromisso com incrédulos, mas com os crentes sim, fortes ou fracos na fé. Ademais, corroborando isto devemos lembrar que em ocasiões diversas, em que Ele repreendeu a falta de fé nos que O seguiam, o fez no momento exato em que manifestava o Seu poder como quando acalmou a tempestade de dentro do barco. Aquele era um importante e crítico momento em que o Senhor deixou claro que a fé estava em falta entre os crentes que O acompanhavam. Mesmo assim Ele agiu!

A fé que nos foi dada precisa crescer, ser alimentada, porque deve correr em direção ao alvo que é redundar na glória de Cristo. E por isso, passa por um processo de aprendizagem ou discipulado, conforme proposto em Hebreus 13:7 (Lembrem-se dos seus líderes, que lhes falaram a Palavra de Deus. Observem bem o resultado da vida que tiveram e imitem a sua fé)  e como também podemos inferir de Romanos 4:11 e 12 (Assim ele(Abraão) recebeu a circuncisão como sinal, como selo da jusiça que ele tinha pela fé, quando ainda não fora circuncidado. Portanto, ele é o pai de todos os que crêem, sem terem sido circuncidados, a fim de que a justiça fosse creditada também a eles; e é igualmente o pai dos circuncisos que não somente são circuncisos, mas também andam nos passos da fé que teve nosso pai Abraão antes de passar pela circuncisão), em especial quando menciona um caminhar nosso nessas pegadas da fé.

Esta é a razão por que temos todo o texto que compreende Hebreus 10:35 a 12:3, passando pelo capítulo 11 inteiro, onde os baluartes da fé nos são apresentados para que com eles aprendamos o exercício da fé genuína, daí, após uma exposição do seu testemunho de fé, o autor de Hebreus nos lembrar que eles todos são os referenciais para nossa caminhada de fé, que deve ser feita com os olhos fixos em Cristo, seu Autor e Consumador (Hebreus 12:2).

II- O Exercício da Fé Adoradora

A exposição ampla da experiência de vida de fé dos homens e mulheres de Deus tidos por testemunhas, em Hebreus capítulo11, foi feita para nossa aprendizagem. Antes de avaliarmos essas experiências, o que faremos no texto de Hebreus 11: 3-34, convém ressaltar um ponto importante: É comum designarmos esses personagens como heróis da fé. Essa é uma atribuição nossa, que incorre no risco de levar-nos a torná-los ícones dos quais ficamos distanciados por conta de sua heroicidade, o que os eleva e os afasta de nossas limitações e fraquezas. O perigo reside no fato de que ao reputá-los por heróis, fazêmo-los supercrentes, ou espiritualmente capacitados, o que justificaria nossa pequenês na fé. Não. Longe disso, a terminologia textual exarada ao longo de Hebreus 10 a 12 é testemunha, no que se refere a eles todos. São testemunhas, não heróis, por mais que os admiremos. E testemunha é palavra que na língua original do Novo Testamento traduz mártir. Melhor é que os vejamos como a Bíblia os denomina, porque assim enxergamos as fraquezas que também os caracterizam, e isso os aproxima de nós e nos permite entender que podemos avançar por fé, tanto quanto todos eles.

Há uma relação dessas testemunhas que exercitaram uma fé adoradora, conforme o texto que vai de Hebreus 11: 3 a 34. E que tipo de fé eles caracterizaram para nós? Vejamos suas pegadas. No texto de Hebreus 11: 4-7, destacam-se três testemunhas da fé como referência de adoradores: Abel, Enoque e Noé.

A adoração é marcada por três pilares:
- Proveniente da fé (Rm. 14:23 - ...tudo o que não provém da fé é pecado);
- Feita em espírito (Jo. 4:23 - ... os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito...);
- Feita em verdade (Jo. 4:23 - ...os verdadeiros adoradores adorarão o Pai...em verdade).

Isto é o que podemos achar nestes referenciais humanos de fé. É importante entendermos que adoração não deve ser confundida com louvor e ato cúltico coletivo. Para que o louvor seja adoração, necessita de ser constituído pelos elementos que caracterizam a adoração. A adoração serve-se do louvor tal como o entendemos, mas também pode prescindir dele. A adoração precisa ser fruto de fé, feita em espírito e em verdade, como a Palavra de Deus estabelece. Abel, Enoque e Noé nos ensinam isso por meio do exercício de sua fé.

Abel, o adorador por fé

Vamos a Gênesis 4:2-7 ( ...Abel tornou-se pastor de ovelhas, e Caim, agricultor. Passado algum tempo, Caim trouxe do fruto da terra uma oferta ao Senhor. Abel, por sua vez, trouxe as partes gordas das primeiras crias do seu rebanho. O Senhor aceitou com agrado Abel e sua oferta, mas não aceitou Caim e sua oferta. Por isso Caim se enfureceu e o seu rosto se transtornou. O Senhor disse a Caim: Por que você está furioso? Por que se transtornou o seu rosto? Se você fizer o bem, não será aceito? Mas se não o fizer, saiba que o pecado o ameaça à porta; ele deseja conquistá-lo, mas você deve dominá-lo). E em Abel encontramos dois movimentos da fé adoradora: compromisso e oferta. Percebe-se a diferença entre a aproximação cúltica de Abel e a de Caim. Os dois cultuaram. Deus Se agradou de Abel e de sua oferta. Desagradou-Se de Caim e usou a palavra pecado como indicador do problema, e assim identificou a forma de culto desse cultuador. Ela não consistiu numa aproximação, antes, mais no que parece um cumprimento de normas ou seu equivalente. Depois disso surgem no texto de Hebreus 11 as expressões: agradou a Deus e sem fé é impossível agradar a Deus.

A fé é nosso instrumento de aproximação. A adoração mecânica é pecado, religiosidade insípida, não fruto de fé. Ela não leva o adorador ao objeto de sua adoração. Ela nada oferece, porque só entende de troca, de receber. Pode até mesmo ser fruto de vaidade religiosa. O movimento de fé em Abel ficou em memória, à semelhança da mulher que ofereceu o ungüento do vaso de alabastro a Jesus. Foi por meio da fé que Abel se aproximou e cultuou o seu Deus.

Enoque, o adorador em espírito

Isto fala de intimismo e de identificação. Vamos a Gênesis 5:21-24 (Aos 65 anos, Enoque gerou Matusalém. Depois que gerou Matusalém, Enoque andou com Deus 300 anos e gerou outros filhos e filhas. Viveu ao todo 365 anos. Enoque andou com Deus; e já não foi encontrado, pois Deus o havia arrebatado).

Num certo momento Enoque deixou de ser Enoque, tanto identificou-se com Deus. A fé propicia identificação: ...e não foi mais...(ARA). Como se o texto pretendesse dizer: Quem era Enoque? Ou: Quem era Deus ou Enoque? A beleza desponta na expressão: andou com Deus. Quanto isso significa para nós? Andar é a expressão visível de movimentos internos como  pensar e querer. A Bíblia afirma que Noé andava com Deus, mas quanto a Enoque, contabiliza: 300 anos! Alguém fez esta conta.

É uma experiência de foro íntimo, no espírito, pelo lado de dentro, paixão. Não se diz que o testemunho de fé se deu por realizações, ganhos, conquistas. Não. Antes, diz que ele alcançou testemunho de que agradou a Deus. Isso é adorar em espírito. E houve trocas: Na carta de Judas somos informados de uma profecia para os tempos dos fins, atribuída a Enoque, e isso nos faz pensar no nível dessa intimidade alcançada, que leva Deus a confiar a um homem dos primórdios Seus segredos para o fim dos tempos (Jd. vv.14,15). Tem tudo a ver com a promessa do Salmo 25:14 – A intimidade do Senhor é para os que O temem, aos quais Ele dará a conhecer os Seus segredos (ARC).  Foi por meio de sua fé que Enoque andou com Deus.

Noé, o adorador em verdade

Noé creu e agiu. Isto fala de atitude, decisão, fatos. Vamos a gênesis 6:9 e 22 (...Noé era homem justo, íntegro entre o povo da sua época: ele andava com Deus... Noé fez tudo exatamente como Deus lhe tinha ordenado).

Somos levados a pensar em Noé à luz de Tiago 2: 14-18, difícil e desafiador texto aos nossos dogmas evangélicos!

A verdade consiste em fatos. Sua fé operava, tinha visibilidade, obra. Porque ele creu no que lhe foi dito, ele agiu, trabalhou, construiu, enquanto aguardava o que ouviu. Creu que haveria dilúvio; que viriam os animais; que ele e sua casa seriam preservados. E então agiu. A fé que opera em verdade mostra a cara do seu discurso ou confissão. Podemos emparelhar com Noé outros, como Zaqueu, que externou mudança e agiu nessa direção a partir de seu encontro com Cristo. Também a mulher samaritana, que deixou seu cântaro junto à fonte, evidenciando que creu na saciedade que o Senhor lhe prometera. E ainda Pedro, quando andou sobre as águas em direção a Jesus. Alinhamos também Daví, diante do gigante Golias, apressando-se em ir contra ele. Nosso texto afirma que Noé agiu por meio de sua fé.

Alcançaram bom testemunho, e testemunho de que agradaram a Deus. Este deve ser nosso compromisso de fé em meio a esta geração: que adora pela fé, e o faz em espírito e em verdade.

III-O Exercício da Fé Que Se Rende

Com Abraão, temos mais pegadas para a fé seguir em direção ao percurso de todo o trilho que nos faculta sermos mais que vencedores, na linguagem de Paulo, apóstolo, em Romanos 8: 37: Mas, em todas estas coisas somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou.

Somos exortados a percorrer esse trilho olhando para Jesus, o autor da fé, que Se ofereceu. Então, nós nos oferecemos a Deus por meio dEle, em rendição pela fé. A relação é com base em entrega, desprendimento, renúncia, confiança. Daí despontar primeiramente Abraão, cujas pegadas de fé começam como:
   
Os passos do desamparo voluntário

Também podemos com isso significar passos da dependência incondicional e da esperança que não cessa, conforme se percebe a partir de Hebreus 11:8. Quando este texto usa as expressões obedecer e dirigir-se, alusivos aos movimentos da fé do patriarca refere-se ao texto clássico de Gênesis 12:1- 3. O que podemos ver aí? Um tremendo desafio: tudo começa com um autodesamparar-se. Em outras palavras, ouvir Deus ordenar a Abraão, sai da tua terra e da tua parentela, deve ter soado como ouvi-Lo dizer : a fé em Mim tem de levá-lo a desprender-se, soltar-se, abrir mão de suas próprias garantias. Significaria para Abraão abrir mão de sua segurança cultural, de seu clã onde ele tinha seu espaço, crédito, conforto, junto aos parentes que lhe davam nome. E para nós? Não pretenderia Deus rendição semelhante dos que se achegam a Ele por meio de Jesus? Para Abraão significava desprender-se de garantias e herança: o espaço sob seu controle. Seria como deixar o certo e visível pelo incerto, nebuloso, obscuro, porque representava investir num futuro não dimensionável. Representava trocar a trilha traçada pela proposta pessoal e viável pela trilha traçada na invisibilidade de Deus. Restaria uma só rota: confiar. E isso redunda num movimento conhecido como obedecer.

Os passos da obediência irrestrita

No que respeita a nós, isto deve compreender nossa disposição de deixar-nos dirigir por Ele para além de nossa própria previsibilidade. E então desponta a obediência como o passo seguinte, quase conseqüente, apontado em Hebreus 11:9 como peregrinar na terra prometida. Ele saiu com pouco ou nada e foi para onde seria estrangeiro. Deus continuamente nos leva a esses movimentos de dependência exclusiva pela fé. Vêm desafios: mudanças na casa, no emprego, desconfortos espirituais, uma miscelânea de ocorrências que o Senhor administra, como o espinho na carne que nos afasta de nossa segurança calcada no previsível, ou seja, em nós mesmos. A peregrinação de Abraão é bem conhecida de todos nós: com altos e baixos. Momentos de glória e outros de obscuridades, com enfrentamentos e atonicidade. Em alguns momentos surgiam as questões: onde está a promessa? Por quem se cumprirá? Contaram também as renúncias diante de Ló, que envolveram guerras, poços escavados, subterfúgios para proteger a família. Mas por fim, conquistou toda a jornada com altos ganhos. Mas sempre foi peregrinação, nunca raízes. Antes um montar e desmontar de tendas. E a bênção veio, afinal, plena e compensatória! Abraão em tudo isso aprendeu a esperar, conforme Hebreus 11:10 aponta. Porque a fé caminha no invisível, não no escuro, como informam os textos de II Coríntios 4:18  (Assim, fixamos os olhos não naquilo que se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno) e Romanos 8:25 (Mas se esperamos o que ainda não vemos, aguardamo-lo pacientemente).

Os passos da esperança perseverante

 A esperança aponta para a frente e para o alto. Em Abraão ela operou com movimentos muito significativos que podem ser conferidos no texto de Romanos 4:18-21 (Abraão, contra toda a esperança, em esperança creu, tornando-se assim Pai de muitas nações, como foi dito a seu respeito: “Assim será a sua descendência”. Sem se enfraquecer na fé, reconheceu que o seu corpo já estava sem vitalidade, pois já contava cerca de cem anos de idade, e que também o ventre de Sara já estava sem vigor. Mesmo assim não duvidou nem foi incrédulo em relação à promessa de Deus, mas foi fortalecido em sua fé e deu glória a Deus, estando plenamente convencido de que ele era poderoso para cumprir o que havia prometido).  Era mais que esperar na mão de poder, mas no coração que o move. Era enfrentar a realidade dos fatos mas manter-se firme ouvindo a Voz no íntimo. Sua esperança estava na fidelidade de Deus. Então ele podia ver, pela fé, a despeito da eloqüente e visível mensagem das circunstâncias, como nos ensina outra testemunha, Moisés, em outra pegada da fé.

A fé vê o invisível

Lendo Hebreus 11: 23-28, nossos referenciais são encontrados em Êxodo e despontam ante nós como os modelos da fé que vê o Invisível. A evidência maior dentre esses antigos é Moisés, o homem que via pela fé. Moisés tinha uma lente espiritual que se sobrepunha à visão dos sentidos físico-temporais. Esta questão de “ver pela fé” está regida por alguns princípios bíblicos apresentados por Jesus e por Paulo, como em João 11:40 (...Não lhe falei que, se você cresse, veria a glória de Deus?); João 20:29 (...Felizes os que não viram e creram) e II Coríntios 5:7 (Porque vivemos por fé, e não pelo que vemos). Penso também em Provérbios 29:18 conforme a Versão Revista e Atualizada (Sem visão o povo fica sem freio...).

A história inteira da vida de fé, em Moisés, está marcada por sua visão de fé, ou que a fé propicia, já como herança de seus pais, conforme mostra o v.23.

O texto diz que Moisés viu o Invisível (v.27) e antes contemplava a recompensa (v.26). Mas sua história de vida, desde o começo está pontilhada desse movimento em decorrência de como via. Lembram? Em Êxodo 3 tudo começa com a visão da sarça ardente. Por ver, ele ouviu a Voz. Depois, sabemos que construiu todo o tabernáculo a partir de um modelo que lhe foi mostrado no Monte. Tudo começou com uma visão. E continua sendo assim.

A fé nos foi dada para vermos, porque antes de começarmos a vivê-la, a Palavra de Deus nos informa que éramos cegos em nossos entendimentos. A fé que vê, vem de Deus. Usar suas lentes, é nossa resposta.
            (a) Paulo viu em Damasco, e creu;
            (b) João viu em Patmos, e perseverou;
            ( c ) Estevão viu, durante seu martírio, e absorveu no rosto essa visão;
            (d) Tomé tentou ver com os olhos da carne e foi repreendido;
            (e) Isaías viu, e se viu e então se arrependeu;
(f) Pedro viu a glória no Monte, e esqueceu-se de si mesmo, e esta foi também a experiência de Moisés. Porque viu, ficou fascinado. A visão de fé, fascina.

Esqueceu Moisés de si mesmo. A Palavra vista aqui em Hebreus 11:13 cumpre-se nele mais que em qualquer outra testemunha de fé. Moisés começou sua carreira por uma visão e terminou também com uma visão. Contemplou a terra, na qual não pôde entrar.

Mas dissemos que de Deus vem a lente da fé, e nos cabe saber usá-la. É uma luta titânica contra dois níveis que se opõem: o temporal e o espiritual. E nessa luta estamos nós. Moisés a superou e venceu. Aprendamos com ele, através de seus movimentos:

Os verbos de seus movimentos são plenos de significado: recusou, preferiu, considerou, contemplou, saiu, não temeu e celebrou. Faltou o conquistou que fica subentendido no v.29. Quanta história de vida encerram! O eixo desses movimentos está no v.26, final: contemplou. Porque viu pela fé, então:

 A fé tomou posição

É onde lemos os verbos dos movimentos associados: recusou, preferiu e considerou. A proposta de vida de fé, por ser no invisível, sempre vai implicar numa desinstalação que aqui temos chamado de perda ou renúncia. Moisés não tinha pouco a perder. Nunca o evangelho entra em nossa história buscando uma acomodação de situações. Maioria das vezes ele força uma ruptura, ouvida nestes termos: Escolham hoje a quem servir ou: Ninguém que lança mão do arado e olha para trás é apto para o Reino dos céus. E ainda: Vocês não podem servir a Deus e às riquezas.

A realidade, nossos desejos e seu contexto parecem mais eloqüentes mas a vida com Deus sempre vai nos levar a esse desafio: Tire as sandálias de seus pés, entre descalço. Recusas, opções e avaliações são bem vindas. A contabilidade fica de fora: considerou (fez um balanço). Os verbos seguintes dão o novo movimento:

A fé moveu-se!

De novo o movimento da fé eficaz! Quem vê, avança!

Moisés saiu e não temeu, porque o mover em decorrência da renúncia, comprometia, criava enfrentamento de oposições, provocava desprazeres em outros que perderiam algo em Moisés.

Até mesmo em atos simples de fé isso continua acontecendo. A mulher que tomou a iniciativa de ungir Jesus, incomodou os demais.  No caso de Moisés, Faraó ficou irado.

Sair, para Moisés, significava enfrentar um deserto, um mar fechado e os desafios decorrentes. Significava fechar os ouvidos para contrapropostas de acomodação que agradassem a ambos os lados.  Mas assumir a ruptura também implicava em pisar no terreno da fé que vê acontecer, que vivencia o poder de Deus.

A vida trouxe opções confortáveis a alguns cristãos, que as renunciaram no auge de sua velhice, por conta da visão de sua fé.  Penso, entre tantos, em Cornélia Tem Boom, a holandesa dos anos 1940 que foi levada para um campo nazista, presa por ajudar os judeus, já aos sessenta anos de idade, de onde saiu cinco anos depois e começou um ministério internacional de pregação da Palavra de Deus, que durou toda a sua vida, até morrer com mais de oitenta de anos. Penso também em algumas testemunhas tão próximas a nós, em nossos dias, que embora não tendo ido a campos distantes, se desinstalaram para viver sua vida espiritual nos níveis da proposta divina, e sofreram e ainda sofrem perdas temporais porque experimentam a loucura do evangelho: mais bem-aventurada coisa é dar do que receber. E quanto conseguem ver! Sua motivação  é a dificuldade dos outros, crentes ou não-crentes, obreiros ou não. Fazem a contabilidade da fé. Já ouvi um desses dizer: Não faço poupança em bancos. Invisto no Reino de Deus. Nada me falta! Mas seria apenas uma questão de contemplar pela fé, ou Moisés nos mostra que o contemplar tem algo mais? Sim, então veremos o terceiro movimento: Perseverou e celebrou.

A Fé produz a paixão que fascina

Moisés perseverou até que pôde celebrar e isso dentro de uma história ainda em formação e sob enfrentamento. Mas o texto nos conta o segredo dessa visão de fé, no v.26: Por amor de Cristo. Sabemos que esta é uma linguagem densamente figurada quanto a Moisés. Mas não é diferente quanto a nós hoje, crentes de 20 séculos depois de Cristo. Aquele a Quem não vendo, amamos. Quem O contempla pela fé, O ama, e deve deixar-se apaixonar. Paulo usou muito dessa expressão: Por amor a Cristo estou em cadeias; o amor de Cristo nos constrange. Quê visão é essa, que apaixona? Seria a visão que O enxerga pelo lado de dentro:
                        - estou aceito;
                                   - perdoado;
                                               -cuidado;
                                                           - tolerado;
                                                                       - compreendido;
                                                                                  -protegido;
                                                                                               -em aliança ( acompanhado).
São expressões próprias da fé de homens que a viveram:
            Porque o Senhor está comigo; Perto está o que me justifica; Minha alma te segue de perto, meu corpo te almeja.

Quando os olhos incrédulos de Tomé deram lugar aos olhos da fé, ele gritou: Senhor meu e Deus meu!
            A quem tenho eu no céu além de Ti?, o salmista perguntou. E nossos hinos também falam dessa paixão. Ela é visão viva nas páginas da Revelação, mas se intensifica na proporção da busca intimista, do coração que se achega em oração, na solitude.

Por último, devemos atentar ao texto de Hebreus 11: 29- 39.  O trecho que compreende os vv. 29 a 34 é o discurso mais cobiçado no texto da fé perseverante de Hebreus 11.  E este trecho nos fala da

IV-Fé dos Empreendedores e Perseverantes

Muitos há que só lêem aqui, neste trecho alvissareiro e atraente. É aqui que se entende ou se pensa que se entende sobre heróis espirituais, heróis da fé.  Quero começar advertindo quanto a duas coisas interessantes:
1-      A sabedoria do Espírito Santo que só fez menção desses heróis após nos levar a uma longa caminhada através dos baluartes anteriores vistos até aqui. Logo, há risco de temeridade em ler este texto isoladamente.
2-      Depois: alguns desses heróis não foram tão heróis assim, nos termos de nossa piedade evangélica. Sansão ( e nos lembramos de sua fraqueza por mulheres pagãs); Davi }( e nos lembramos de suas freqüentes quedas) e Raabe (cujo ofício não era nada santo).
Mas a fé revelada por suas conquistas atendeu perfeitamente aos padrões aqui vistos anteriormente. Como eles são muitos, e ainda há os lembrados sem serem citados, que sobrecarregam a lista, apontaremos em destaque apenas alguns desses empreendedores que bastam ao nosso exame.

Dois eventos marcos no empreendimento da fé

Vejamos Hebreus 11: 29 e 30. O Mar Vermelho e a queda de Jericó. O primeiro me fala de dependência absoluta. Desafiador! Acredito que possa alinhar aqui o texto de I Pedro 1:13 apontando-o remotamente.  O segundo me fala de perseverança. A fé que vem de Jesus impõe estas ações, já temos visto. E Cristo e a Igreja sempre entenderam de perseverança. Lembremos Elias no Carmelo. Perseverar significa tirar o foco do desejo, de si, para a esperança em Deus e Seu poder.

Os fracos heróis

Aqui estão eles: Hebreus 11: 32 e 33.  Não eram superheróis que evidenciaram uma superfé. Nem mesmo Sansão. Eles tinham como característica comum suas fraquezas inerentes, que por si os incapacitavam, e ao mesmo tempo os recomendavam. Vou ilustrar com os próprios personagens citados:
Gideão. Que bom ser ele o primeiro! Idêntico a nós. Deus lhe disse: Vai nesta tua força! E a força de Gideão foi vista pelo discurso do pânico: Ai, Senhor meu!
Baraque, que ganhou nome por conta de Débora, mas era fraco.
Sansão, um portento físico, mas se o Espírito não agisse nele, ele morria, e era carnal. Gritou desesperado, quando se viu na iminência de morrer de sede após grande façanha.
Jefté, precipitado, temerário, mas dependente.
Davi.  Quanto a ele prefiro pensar que Deus diga de nós o que disse dele: Varão segundo o Meu coração.
Samuel, que às vezes via por seus próprios olhos, somente o que era aparente, e não teve visão do fracasso de seus próprios filhos.
E ainda podemos tornar a citar Moisés, pois creio que ninguém esquece quanto ele resistiu a Deus por ver sua própria insuficiência humana para o empreendimento ao qual era desafiado. Também os profetas: Amós e Jeremias se destacam e aqui incluo de novo Elias. Eram fracos heróis, e por isso neles o poder de Deus se aperfeiçoou. Eram testemunhas, e isso contou na fé que lhes foi dada.

Os heróis da fraqueza

E eles aparecem aqui, no mesmo corolário de testemunhas. A esses eu chamo de perseverantes. Devemos vê-los nos textos de Hebreus 11: 33 e 11:34. Podemos vê-los em situações humílimas, de onde foram exaltados porque pela fé praticaram a justiça.
Enumero: Daniel, na cova dos leões e seus três companheiros na fornalha incandescente. Pedro na cadeia, Paulo e Silas em Filipos, Baraque e Débora.

Por que os chamo de os heróis da fraqueza? Porque o texto informa isto: Da fraqueza tiraram força. Paulo nos ensinou isto em II Coríntios 12: 9 e 10. O texto que diz: Da fraqueza tiraram força, significa que eles tornaram-se poderosos a partir da fraqueza. Minimamente representa não que adquiriram músculos, inverteram o processo, mas antes, que se tornaram experientes, capacitados, treinados, habilitados.

A fé tem um compromisso com a vitória, mas sua marcha é moral, real, não fantasiosa. Ela não dá show. Passa pelo caminho exposto por Paulo em Romanos 8: 35 a 39. E quando encerra sua jornada, ilustra a memória do seu confessor conforme registra Hebreus 11: 38 e 16, respectivamente: O mundo não era digno deles; Por essa razão Deus não se envergonha de ser chamado o Deus deles, e lhes preparou uma cidade.

Que esta fé, da qual Jesus é o Autor e Consumador, cresça na sua vida, até o fim de sua carreira. Amem.

                                   Com carinho,
                                                           Pr. Cleber Alho