segunda-feira, 24 de novembro de 2014

DE QUAL SALVAÇÃO FALAMOS?

Conhecemos textos como estes: "Salvem-se desta geração perversa!"
"Como escaparemos nós se não atentarmos para tão grande salvação?"
" Aquele que crer, será salvo..."
" Se com tua boca confessares a Jesus como Senhor, e no teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Visto que com o coração se crê para justiça, e com a boca se confessa para salvação" - Romanos 10: 9 e 10.

O verbo salvar, no Novo Testamento grego, pode ser livremente traduzido por curar. No Velho Testamento ele está presente uma infinidade de vezes, mas detém uma conotação bastante diferenciada de seu significado espiritual do Novo Testamento, assumindo a conotação de escape, livramento temporal.

Estes dois últimos sentidos para o verbo salvar e seu substantivo salvação, parecem ser os que permeiam o discurso e  confissão evangélica de grande número de crentes lotando os espaços de culto em nossos dias. Os discursos que procuram estimular a fé parecem atados a esse compromisso exaustivamente. Decorre daí um conceito temporal da idéia de salvação que afasta a fé de seu alvo e esperança numa distância abissal.

O que pode estar por detrás disso? Bem, materialização e temporalidade pragmática da vida devocional é uma razão mas não toda ela. Um exame pessoal, mais criterioso, nos leva a perceber que o crente se distancia do alvo de sua esperança na mesma proporção em que entende que usufruir benesses temporais via magias confessionais ocorre também em decorrência do fato de que o conceito salvação aponta para a eternidade, o céu, vida pós-morte, argumentos tanto distantes do pensamento humano quanto mais se pretende que esteja. Percebe-se, no entanto, que há ainda uma razão mais sensível por detrás de tudo isso: por que pensar em céu se dele pouco ou nada sabemos?

Parece formar-se um ciclo retroalimentador de dois construtos correlatos: pouco se fala do céu porque pouco se sabe dele e decorre daí o pouco ou nenhum interesse por ele.

Tenho me apercebido que a idéia de céu e eternidade está atrelada ao discurso evangélico fúnebre, a ele confinado. Não transita mais pelos púlpitos das igrejas, a não ser desta forma temática.

Pouco se ouve sobre o céu e quase nada se sabe sobre ele. Se se pretende estudar o assunto, é forçoso procurá-lo em tratados teológicos que pouco acrescentam e tanto teorizam, ou então algumas brochuras devocionais que se ocupam em especular e dizer o que os seus autores acham do tema. Nesses livros, via de regra, encontram-se conceitos derivados do sentimento piedoso do autor, tão longe da inteligência quanto comprometidos com o absurdo. Parece, num dado momento, que há escassez revelacional escriturística a respeito, o que não é verdade. O céu, ou melhor, a glorificação eterna dos salvos, sua esperança nesta era, está amplamente estabelecida nas Escrituras, de forma factível, não meramente simbólica, através de janelas da Revelação, que podemos observar e sob essa ótica, nutrir nossa fé e a esperança dela decorrente.

Importante também, num primeiro momento, é nos darmos conta do conteúdo da esperança que cobre nossa fé, via a Promessa.

O apóstolo Paulo nos lembra que " em esperança somos salvos". A salvação no contexto neotestamentário alude exclusivamente a escape de perdição espiritual, que traduz separação eterna de Deus. Toda a mensagem do Evangelho proclama que a salvação do crente redunda numa vida plena na Presença do Deus Eterno. Ou seja, o Salvador derramou Seu sangue para que os crentes estejam diante do Seu Pai Celestial. Somos informados de que com Seu sangue Jesus nos comprou para Deus, para que possamos um dia conhecê-Lo " tal como somos conhecidos". A Promessa nos fala de uma recepção calorosa, aguardada com ênfase: "Vinde, benditos de meu Pai. Possuí por herança o Reino que vos está preparado desde a fundação do mundo". Outro tanto ouvimos Jesus dizer: " na casa de meu Pai há muitas moradas. Vou preparar-vos lugar"(João 14:1), como apontando Seu anseio por nossa companhia para sempre com Ele.

Hoje temos percebido que a visão pálida de céu reduz a esperança a uma idéia diáfana, etérea, sem graça. Alguns se contentam em dizer: " O céu é onde Cristo está". Mas, isto é tudo, ou diz tudo? Atrai, de fato? Parece mais abrir espaço para um conceito utópico, sem substancialidade.

As janelas  bíblicas do céu, pelo contrário, nos falam de uma vida dinâmica, com propriedade, visibilidade, realidade que intensifica o que a vida temporal nos ensinou, guardadas as distorções da Queda que tudo sujeitou sob maldição. É assim que podemos  ouvir ou  ver o céu através dessas janelas, traduzido com valor e qualidade real para a nossa fé.

No texto mesmo da magna promessa feita por Jesus em João 14:1 já encontramos a primeira indicação de céu com sentido, propriedade, quando Jesus falando do lugar para onde ia, nos informa que estaria indo para lá a fim de nos preparar lugar, e o chamou de "moradas" na casa do Pai. A palavra por Ele empregada para se referir a morada, traduz o hebraico " ohel" que significa essencialmente habitação, palácio ou mansão. Mas a palavra empregada por João para dar significado ao que disse Jesus, assume conotação de lugar para se estar com liberdade, pertinência e intimismo, porque fala de um permanecer, como quem ocupa uma pousada. Está mais diretamente ligada à Presença ou forma de aproximação à Grande Presença, como salas ou quartos adjacentes ao salão principal. A idéia decorrente é um lugar principal que aponta a Presença de Deus Pai, repleto de pousadas ou ambientes próximos que facultam o acesso a Essa Presença ou companhia. A um só tempo inspira a idéia de lugar e posição de estar nele.

Depois temos Jesus nos apresentando em Lucas 15, na parábola do rico e de Lázaro, um vislumbre da vida pós-morte como um ambiente consciente. Salvaguardados os símbolos por Ele criados para transmitir a mensagem e sua didática quanto aos valores que os homens atribuem a esta vida e a forma com que respondem a eles, e salvaguardado o fato de que, por força de ensino simbólico, uma vez parábola, não pode ser interpretada literalmente (o que inclusive incorreria em contradições contextuais), salientam-se algumas janelas que não podem ser desprezadas, pela mesma razão por que não se pode entender a parábola literalmente. A primeira, já apontamos como vida consciente no estado pós-morte. A segunda e mais importante, reside no fato de que os personagens estão identificados como sendo as mesmas pessoas que foram antes de morrer. Isto encontra correlato no milagre da transfiguração quando dois personagens do Velho Testamento, distantes no tempo respectivamente mais de mil e mais de quinhentos anos, são vistos e identificados ao lado de  Jesus e por olhos humanos. Conquanto nesse  episódio não possamos explicar o que  levou Pedro a identificar as duas pessoas como Moisés e Elias, é fato que o texto bíblico identifica-os como tais (Mateus 17: 3 e 4). Se considerarmos que a Bíblia nos afirma que Moisés morreu e que Elias partiu em corpo para o céu, séculos depois temos um e outro lado a lado, em condições idênticas, conscientes e passíveis de identificação. Isto reforça a idéia de que a ressurreição que será o resgate do que a morte roubou, devolve a personalidade e a vida, tais como o foram. Jesus alude a isso quando defendendo a esperança da ressurreição diante dos saduceus incrédulos, toma Abraão, Isaque e Jacó, patriarcas mortos àquele tempo há mais de mil anos, como vivos e nomeados por sua identidade personal, diante de Deus.  Considerando que eternidade é um espaço atemporal, eles estão vivos e reais diante de Deus Pai.

Há uma colocação feita por Jesus que descortina outra significativa janela do céu, e esta quando Ele afirma: " Meu Pai trabalha até agora".  O céu não é lugar de repouso ou estagnação. Especialmente se tentarmos entender a que tipo de trabalho se refere Jesus, quando lemos que no sétimo dia " descansou Deus de Suas obras", e o autor de Hebreus nos fala amplamente de um " descanso" de Deus do qual haveremos de participar (Hebreus 4). Considerando-se que o céu é um estado eterno, não podemos pretender que Deus ainda vai descansar ou parar de trabalhar no " futuro". Logo, esse trabalho aponta a um dinamismo que se encaixa noutra janela, esta percebida na Última Ceia, quando Jesus tomando o cálice disse que "não beberia o fruto da videira até que bebesse o vinho novo no Reino de Deus". Para os que encontram dificuldade em entender que Ele Se refere ao fruto da videira, mesmo dizendo " vinho novo", não há novidade em entender que Cristo no corpo glorificado pegou peixe e comeu diante dos discípulos para provar que não era mero espírito, mas carne e osso, humano, de fato e de novo, pela ressurreição. Outro tanto, e aqui temos nova janela, na história de Elias lemos que o profeta em estado de exaustão é levado a comer um pão assado em brasas por um anjo. Ele come duas vezes e caminha quarenta dias e noites "com a força daquela comida". Sabemos a força que um pão produz e quanto dura o efeito de uma refeição no organismo humano. Eu me permito perguntar:  de onde veio aquele pão? Bem, se no céu nosso corpo glorificado será semelhante ao de Jesus, então comeremos como Ele comeu estando num corpo eterno. Se haverá pão e vinho, haverá trigo e uva. Parece que o céu é um lugar onde há trabalho sendo feito.

Como última janela quero pensar no fato de que o Novo Testamento afirma que Deus vai restaurar todas as coisas através de Cristo (Efésios 1:10). Isto alude à restauração de tudo que a Queda destruiu. Tanto é que Pedro nos informa que aguardamos " novos céus e nova terra nos quais habita a justiça" (II Pedro 3:13). É bom que se saiba que Pedro usou para " novos" a palavra grega que indica o novo a partir do já existente, e não um ressurgimento. É um refazer, ou restaurar, como quer Efésios 1:10. Quando pensamos que a Queda nos fechou as portas do Éden, e que esse era o espaço físico onde Deus passeava e usufruia comunhão com o casal que criou, só podemos esperar que o céu, nosso Éden, será a devolução ao estado perfeito daquele que foi amaldiçoado, concordando com isso Romanos 8:19-21: A natureza criada aguarda, com grande expectativa, que os filhos de Deus sejam revelados. Pois ela foi submetida à inutilidade, não pela sua própria escolha, mas por causa da vontade daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria natureza criada será libertada da escravidão da decadência em que se encontra, recebendo a gloriosa liberdade dos filhos de Deus.

O céu é real. Não um lugar para fantasmas santos, mas um espaço eterno, dinâmico, descrito como Casa do Pai e lugar de muitas moradas, ou na quase descrição de Paulo, um lugar real que ele pôde contemplar com seus olhos e perceber com seus sentidos, tendo sido levado até lá num arrebatamento do qual voltou para dizer que ali " ouviu coisas indizíveis, coisas que ao homem não é permitido falar" (II Coríntios 12: 4).  Sua experiência foi tanto quanto bastou para que posteriormente usasse de autoridade e certeza para dizer: " Sabemos que, se for destruída a temporária habitação terrena em que vivemos, temos da parte de Deus um edifício, uma casa eterna nos céus, não construída por mãos humanas. Enquanto isso, gememos, desejando ser revestidos da nossa habitação celestial..."(II Coríntios 5:1e2). Ele a desejava, tanto que afirmou: "Estou pressionado dos dois lados: desejo partir e estar com Cristo, o que é muito melhor" (Filipenses 1:23). Ele sabia do que falava. Ele viu e por isso podia dizer, com serenidade: "...Está próximo o tempo da minha partida. Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé. Agora me está reservada a coroa da justiça..." ( IITimóteo 4:6-8).

Devemos dar mais lugar ao céu em nossa fé. É lá que os remidos se reencontrarão
(I Tessalonicenses 4:13-17).

Estaremos juntos ali?


Com carinho, Pr. Cleber Alho