Conhecemos
textos como estes: "Salvem-se desta geração perversa!"
"Como
escaparemos nós se não atentarmos para tão
grande salvação?"
"
Aquele que crer, será salvo..."
"
Se com tua boca confessares a Jesus como Senhor, e no teu coração
creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás
salvo. Visto que com o coração se crê para justiça, e
com a boca se confessa para salvação" - Romanos 10: 9 e 10.
O verbo
salvar, no Novo Testamento grego, pode ser livremente traduzido por curar. No
Velho Testamento ele está presente uma infinidade de vezes, mas
detém uma conotação bastante diferenciada de seu
significado espiritual do Novo Testamento, assumindo a conotação
de escape, livramento temporal.
Estes
dois últimos sentidos para o verbo salvar e seu substantivo salvação,
parecem ser os que permeiam o discurso e
confissão evangélica de grande número
de crentes lotando os espaços de culto em nossos dias. Os
discursos que procuram estimular a fé parecem atados a esse compromisso
exaustivamente. Decorre daí um conceito temporal da idéia
de salvação que afasta a fé de seu alvo e esperança
numa distância abissal.
O que
pode estar por detrás disso? Bem, materialização
e temporalidade pragmática da vida devocional é
uma razão mas não toda ela. Um exame pessoal, mais
criterioso, nos leva a perceber que o crente se distancia do alvo de sua
esperança na mesma proporção em que entende que usufruir
benesses temporais via magias confessionais ocorre também
em decorrência do fato de que o conceito salvação
aponta para a eternidade, o céu, vida pós-morte,
argumentos tanto distantes do pensamento humano quanto mais se pretende que
esteja. Percebe-se, no entanto, que há ainda uma razão mais
sensível por detrás de tudo isso: por que pensar em céu
se dele pouco ou nada sabemos?
Parece
formar-se um ciclo retroalimentador de dois construtos correlatos: pouco se
fala do céu porque pouco se sabe dele e decorre daí
o pouco ou nenhum interesse por ele.
Tenho me
apercebido que a idéia de céu e eternidade está
atrelada ao discurso evangélico fúnebre, a ele confinado. Não
transita mais pelos púlpitos das igrejas, a não
ser desta forma temática.
Pouco se
ouve sobre o céu e quase nada se sabe sobre ele. Se
se pretende estudar o assunto, é forçoso procurá-lo em
tratados teológicos que pouco acrescentam e tanto
teorizam, ou então algumas brochuras devocionais que se
ocupam em especular e dizer o que os seus autores acham do tema. Nesses livros,
via de regra, encontram-se conceitos derivados do sentimento piedoso do autor,
tão longe da inteligência quanto comprometidos com o
absurdo. Parece, num dado momento, que há escassez revelacional escriturística
a respeito, o que não é verdade. O céu, ou
melhor, a glorificação eterna dos salvos, sua esperança
nesta era, está amplamente estabelecida nas
Escrituras, de forma factível, não meramente simbólica,
através de janelas da Revelação, que podemos observar e sob essa ótica,
nutrir nossa fé e a esperança dela
decorrente.
Importante
também, num primeiro momento, é nos darmos conta do conteúdo
da esperança que cobre nossa fé, via a Promessa.
O apóstolo
Paulo nos lembra que " em esperança somos salvos". A salvação
no contexto neotestamentário alude exclusivamente a escape de
perdição espiritual, que traduz separação
eterna de Deus. Toda a mensagem do Evangelho proclama que a salvação
do crente redunda numa vida plena na Presença do Deus Eterno. Ou seja, o Salvador
derramou Seu sangue para que os crentes estejam diante do Seu Pai Celestial.
Somos informados de que com Seu sangue Jesus nos comprou para Deus, para que
possamos um dia conhecê-Lo " tal como somos
conhecidos". A Promessa nos fala de uma recepção
calorosa, aguardada com ênfase: "Vinde, benditos de meu
Pai. Possuí por herança o Reino que vos está
preparado desde a fundação do mundo". Outro tanto ouvimos
Jesus dizer: " na casa de meu Pai há muitas moradas. Vou preparar-vos
lugar"(João 14:1), como apontando Seu anseio por
nossa companhia para sempre com Ele.
Hoje
temos percebido que a visão pálida de céu
reduz a esperança a uma idéia diáfana,
etérea, sem graça. Alguns se contentam em dizer:
" O céu é onde Cristo está".
Mas, isto é tudo, ou diz tudo? Atrai, de fato? Parece mais abrir espaço
para um conceito utópico, sem substancialidade.
As janelas
bíblicas do céu,
pelo contrário, nos falam de uma vida dinâmica, com propriedade, visibilidade,
realidade que intensifica o que a vida temporal nos ensinou, guardadas as
distorções da Queda que tudo sujeitou sob maldição.
É assim que podemos
ouvir ou ver o céu
através dessas janelas, traduzido com valor e qualidade
real para a nossa fé.
No texto
mesmo da magna promessa feita por Jesus em João 14:1 já encontramos a primeira indicação
de céu com sentido, propriedade, quando Jesus falando do lugar
para onde ia, nos informa que estaria indo para lá a fim de nos preparar lugar, e o
chamou de "moradas" na casa do Pai. A palavra por Ele empregada para
se referir a morada, traduz o hebraico " ohel" que significa
essencialmente habitação, palácio ou mansão. Mas
a palavra empregada por João para dar significado ao que disse
Jesus, assume conotação de lugar para se estar com
liberdade, pertinência e intimismo, porque fala de um
permanecer, como quem ocupa uma pousada. Está mais diretamente ligada à
Presença ou forma de aproximação à Grande Presença,
como salas ou quartos adjacentes ao salão principal. A idéia
decorrente é um lugar principal que aponta a Presença
de Deus Pai, repleto de pousadas ou ambientes próximos que facultam o acesso a Essa
Presença ou companhia. A um só tempo inspira a idéia
de lugar e posição de estar nele.
Depois
temos Jesus nos apresentando em Lucas 15, na parábola do rico e de Lázaro,
um vislumbre da vida pós-morte como um ambiente consciente.
Salvaguardados os símbolos por Ele criados para transmitir
a mensagem e sua didática quanto aos valores que os homens
atribuem a esta vida e a forma com que respondem a eles, e salvaguardado o fato
de que, por força de ensino simbólico,
uma vez parábola, não pode ser interpretada literalmente
(o que inclusive incorreria em contradições contextuais), salientam-se algumas
janelas que não podem ser desprezadas, pela mesma
razão por que não se pode entender a parábola
literalmente. A primeira, já apontamos como vida consciente no
estado pós-morte. A segunda e mais importante, reside no fato de que
os personagens estão identificados como sendo as mesmas
pessoas que foram antes de morrer. Isto encontra correlato no milagre da
transfiguração quando dois personagens do Velho Testamento, distantes no
tempo respectivamente mais de mil e mais de quinhentos anos, são
vistos e identificados ao lado de Jesus
e por olhos humanos. Conquanto nesse
episódio não possamos explicar o que levou Pedro a identificar as duas pessoas
como Moisés e Elias, é fato que o texto bíblico
identifica-os como tais (Mateus 17: 3 e 4). Se considerarmos que a Bíblia
nos afirma que Moisés morreu e que Elias partiu em corpo
para o céu, séculos depois temos um e outro lado a
lado, em condições idênticas, conscientes e passíveis
de identificação. Isto reforça a idéia
de que a ressurreição que será o
resgate do que a morte roubou, devolve a personalidade e a vida, tais como o
foram. Jesus alude a isso quando defendendo a esperança da
ressurreição diante dos saduceus incrédulos, toma Abraão,
Isaque e Jacó, patriarcas mortos àquele
tempo há mais de mil anos, como vivos e nomeados por sua identidade
personal, diante de Deus. Considerando
que eternidade é um espaço atemporal, eles estão
vivos e reais diante de Deus Pai.
Há
uma colocação feita por Jesus que descortina outra significativa janela
do céu, e esta quando Ele afirma: " Meu Pai trabalha até
agora". O céu não
é lugar de repouso ou estagnação. Especialmente se tentarmos
entender a que tipo de trabalho se refere Jesus, quando lemos que no sétimo
dia " descansou Deus de Suas obras", e o autor de Hebreus nos fala
amplamente de um " descanso" de Deus do qual haveremos de participar
(Hebreus 4). Considerando-se que o céu é um estado eterno, não
podemos pretender que Deus ainda vai descansar ou parar de trabalhar no "
futuro". Logo, esse trabalho aponta a um dinamismo que se encaixa noutra
janela, esta percebida na Última Ceia, quando Jesus tomando o cálice
disse que "não beberia o fruto da videira até
que bebesse o vinho novo no Reino de Deus". Para os que encontram dificuldade
em entender que Ele Se refere ao fruto da videira, mesmo dizendo " vinho
novo", não há novidade em entender que Cristo no
corpo glorificado pegou peixe e comeu diante dos discípulos
para provar que não era mero espírito,
mas carne e osso, humano, de fato e de novo, pela ressurreição.
Outro tanto, e aqui temos nova janela, na história de Elias lemos que o profeta em
estado de exaustão é levado a comer um pão
assado em brasas por um anjo. Ele come duas vezes e caminha quarenta dias e
noites "com a força daquela comida". Sabemos a força
que um pão produz e quanto dura o efeito de uma refeição
no organismo humano. Eu me permito perguntar:
de onde veio aquele pão? Bem, se no céu
nosso corpo glorificado será semelhante ao de Jesus, então
comeremos como Ele comeu estando num corpo eterno. Se haverá
pão e vinho, haverá trigo e uva. Parece que o céu
é um lugar onde há trabalho sendo feito.
Como última
janela quero pensar no fato de que o Novo Testamento afirma que Deus vai
restaurar todas as coisas através de Cristo (Efésios
1:10). Isto alude à restauração de
tudo que a Queda destruiu. Tanto é que Pedro nos informa que aguardamos
" novos céus e nova terra nos quais habita a
justiça" (II Pedro 3:13). É bom que se saiba que Pedro usou para
" novos" a palavra grega que indica o novo a partir do já
existente, e não um ressurgimento. É
um refazer, ou restaurar, como quer Efésios 1:10. Quando pensamos que a Queda
nos fechou as portas do Éden, e que esse era o espaço
físico onde Deus passeava e usufruia comunhão
com o casal que criou, só podemos esperar que o céu,
nosso Éden, será a devolução ao
estado perfeito daquele que foi amaldiçoado, concordando com isso Romanos
8:19-21: A natureza criada aguarda, com grande expectativa, que os filhos de
Deus sejam revelados. Pois ela foi submetida à
inutilidade, não pela sua própria
escolha, mas por causa da vontade daquele que a sujeitou, na esperança
de que a própria natureza criada será
libertada da escravidão da decadência
em que se encontra, recebendo a gloriosa liberdade dos filhos de Deus.
O céu
é real. Não um lugar para fantasmas santos, mas
um espaço eterno, dinâmico, descrito como Casa do Pai e
lugar de muitas moradas, ou na quase descrição de Paulo, um lugar real que ele pôde
contemplar com seus olhos e perceber com seus sentidos, tendo sido levado até
lá num arrebatamento do qual voltou para dizer que ali "
ouviu coisas indizíveis, coisas que ao homem não
é permitido falar" (II Coríntios 12: 4). Sua experiência foi tanto quanto bastou para que
posteriormente usasse de autoridade e certeza para dizer: " Sabemos que,
se for destruída a temporária
habitação terrena em que vivemos, temos da parte de Deus um edifício,
uma casa eterna nos céus, não construída por
mãos humanas. Enquanto isso, gememos, desejando ser revestidos
da nossa habitação celestial..."(II Coríntios
5:1e2). Ele a desejava, tanto que afirmou: "Estou pressionado dos dois
lados: desejo partir e estar com Cristo, o que é muito melhor" (Filipenses 1:23).
Ele sabia do que falava. Ele viu e por isso podia dizer, com serenidade:
"...Está próximo o tempo da minha partida. Combati
o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé. Agora me está
reservada a coroa da justiça..." ( IITimóteo
4:6-8).
Devemos
dar mais lugar ao céu em nossa fé. É
lá que os remidos se reencontrarão
(I
Tessalonicenses 4:13-17).
Estaremos
juntos ali?
Com
carinho, Pr. Cleber Alho