TEXTO: HEBREUS 12:5-11.
Introdução
O homem foi potencializado pelo Criador Eterno para ser pai,
desde o ato criador visto em Gênesis 1:26-28 – Na mesma medida a mulher para
ser mãe.
Via de regra entendemos o conceito pai como sendo o genitor
. Mas isso é um reducionismo do sentido real, que é mais consistente e mais
abrangente.
O conceito pai absorve e ultrapassa a idéia de ser genitor.
Para ser pai, basta ser homem, mas veremos que para fazer paternagem,ou seja,
exercer a paternidade, precisamos ser
homens de verdade.
Ser pai é a missão que nos identifica de imediato com a
essência divina, de Deus Pai, revelada em Jesus, daí termos como texto base o
texto de Hebreus acima.
Por que pai é um conceito que ultrapassa a idéia de ser
genitor?
Pai é origem, causa,
fonte. Outros conceitos derivados seriam: guia, chefe, líder, cabeça.
Daí idéias correlatas que
podem ser identificadas no discurso
popular como:
o pai da aviação;
o pai de todos;
a paternidade disso
pertence a ele;
ele é como um pai para
mim.
Pai é quem faz paternagem, não exclusivamente sobre
filhos genéticos, mas sobre a casa, o grupo como um todo. Assim é que um homem
que nunca gerou, pode ser o pai do seu povo, da sua esposa, do seu grupo de
trabalho. Um pastor ou líder espiritual pode ser o pai dos que discipula e a
quem assiste, etc.
Importante é salientar que no
plano criador de Deus, os homens foram capacitados e chamados para fazer paternagem, ainda que, como em quase tudo mais que implica na vocação divina
para o homem esta área se destaca como o ponto maior da evidência do homem
decaído longe de atender o alvo divino.
I-
Princípios
de Paternagem
O texto de Hebreus 12 nos ensina a paternagem onde Deus desponta como
padrão e modelo. Se conforme entendemos, o homem pode cumprir uma missão
divina em sua função de paternidade, Deus pretende ser conhecido como Pai no
exercício da paternagem humana. É de se esperar que, na contramão da realidade
e experiência do homem no mundo, os pais cristãos corram em direção ao centro
do modelo divino para serem aprovados em sua missão por Deus, por seus filhos e
dentro da sua geração.
Nosso texto em Hebreus aponta oito segmentos do exercício divino da
paternagem, a serem vivenciados. Pela
ordem, percebe-se que os três primeiros convergem para o amor, e que os três
seguintes emergem dele, sendo o quarto e último o resultado pretendido como
efeito final.
(a)
Palavra de ânimo dita a filhos (v.5) –
É típico da natureza divina. A palavra de ânimo é o ponto de partida,
porque ocupa-se em operar um processo de conquista. É a porta de entrada na
relação entre pai e filhos. O Deus da graça que Se revelou em Cristo,
exemplifica isto quando lemos as sete cartas às igrejas da Ásia Menor, conforme
registradas em Apocalipse 2 a 3. Cada carta dirigida a uma comunidade local
específica tinha por motivação corrigir algum tipo de desvio ou dar
encorajamento para momentos de titubeios e fraquezas. Havia sempre o que
reprovar, à exceção de uma única entre as sete. No entanto, a primeira mensagem
dirigida a cada uma, trazia uma palavra de ânimo, antes de reprovar ou atacar o
erro. Método de conquista divina. Jesus
procurou primeiro achar os valores, acendê-los, estimulá-los, antes de apontar
o erro. Este processo que o texto de Hebreus chama de palavra de ânimo pode ser muito bem entendido como palavra que produz força para a alma,
que consola, encoraja ou que alcança o centro das emoções, que motiva. A partir
daí, a paternagem cumpre o programa que a realidade compreende.
Nesta função de conquistar o pai sobressai com valores únicos, porque
longe dele está concorrer com o lugar e papel da mãe que detém sobre todo filho
a primazia, uma vez que trouxe à luz a criança que nela habitava desde sua
origem primária, e depois continua o processo de aproximação no trato materno
diuturno. O pai fica fora dessa relação simbiótica por razões óbvias. No
entanto, sua aproximação constante, o carinho oferecido na fala, no toque, nos
gestuais, persistentemente, invade e acha um lugar na mente do neonato e nos
seus afetos que se abrem para acolhê-lo, incluí-lo na triangulação da
constelação familiar. O pai encontra espaço porque fez conquista. Este método,
que Deus emprega conosco pelo trato contínuo do Seu Espírito em nosso coração
testificando de que somos Seus filhos, é o que o homem pode cumprir no
exercício de sua paternagem. Feita a conquista pela intensa oferta de amor, então o espaço está preparado
para os demais compromissos da paternidade de que Deus Se encarrega também
quanto a nos ensinar.
(b)
Disciplina
A idéia que
disciplina, a segunda palavra empregada no texto, ainda no verso 5 e se
repetindo no v.6 passa, é de estabelecer padrões, veios retos pelos quais se
possa trilhar sem desvios perigosos. Fala de tradição, marcos permanentes
calcados na experiência da vida; e ainda disciplina fala de retidão. Disciplinar é ensinar, apontar a direção
segura e firme, ensinar critérios positivos. Mas, filhos geralmente, como todos
nós no trato com Deus, se desviam da disciplina e muitas vezes de forma
afrontosa. Então a paternagem se encarrega de lançar mão de mais um processo:
(c)
Correção (repreensão)
Correção fala
de aparar arestas, cortar excessos, forçar situações que os inibem. Aponta para
o movimento que é produzido pelo pai em lugar do filho, ou seja, o pai assume
atitudes que o filho tem de incorporar. A correção é antes um aconselhamento,
um exercício do discurso, atrelado à idéia da disciplina, onde cabe
constrangimento moral, promoção de consciência que leva à tristeza. A
repreensão que a correção compreende, aponta o discurso do pai que reprova o
procedimento da disciplina desrespeitada e mostra seu desacordo, sua
desaprovação. Assume o compromisso de trazer o filho para dentro do programa da
paternagem, ou seja, para andar de acordo com a orientação paterna. A correção
deve ser feita pelo coração do pai, mais do que por sua cabeça, vontade. Algo
da decepção ou tristeza do pai deve ser percebido nela, para que o filho se dê
conta de que é amado. E isso abre espaço
para o exercício prático do amor na paternagem. A correção nos traz a idéia da tristeza segundo Deus que opera o
arrependimento. Ele sabe como produzi-la em nós.
(d)
Amar (v.6)
Lamentavelmente
por distorção de conceitos que a humanidade decaída faz, a relação distorcida
pai-filho foi incorporada na idéia que o crente faz da paternagem divina. Hoje
quando se pensa e confessa Deus na qualidade de Pai pensa-se no gracioso
doador, paternalista que sai correndo atrás dos desmandos do filho, aplainando
as falhas de suas escolhas erradas, egoístas e irresponsáveis. Quando não tanto,
condiciona-se à idéia de que Deus me ama
porque me dá coisas ou porque faz
coisas boas acontecerem comigo e impede as coisas más, ainda que frutos de
meus erros. Longe disso, o texto de Hebreus nos ensina que o amor de Deus Pai
que a graça manifesta ultrapassa o doar,
para incluir o castigar. O texto de
Hebreus parece distoar de tudo que pensamos e praticamos quanto a amar, porque
há pais entendendo sempre que ser pai é ser paternalista com o filho, em nome
de uma graça da qual pouco entendem. Por amar, Deus nos açoita. O açoitar de
Deus dói, mas abençoa.
(e)
Castigo (impor limites) v.6
É belo
perceber que o lugar que cabe ao castigo na paternagem divina está consequente
ao amor, mesmo como exercício de amar. Açoitar ou castigar é impor limites. Ah!
Deus sabe e tem poder para fazer isso perfeitamente! Sofrer limites frustra,
humilha, dói como uma chibatada, porque anula as expectativas indevidas,
irrita, tolhe, parece comprometer com o fracasso. O homem não suporta ser
limitado por nada, mas quando Deus nos limita Ele está impedindo nossos
excessos e nos protegendo de nós mesmos. Daí parecer que nossa oração não é
ouvida ou que a resposta saiu tão errada e frustrante que mais parece do diabo
do que de um Deus que é Pai. Confundimos o amor de Deus com Sua fidelidade. Por
amar Deus nos corrige, e em Sua fidelidade nos acrescenta aquilo de que
necessitamos. Mas impor limites, tarefa hoje em franca desistência por pais que
não querem sofrer a dor de serem incompreendidos por seus filhos, projetando
neles suas próprias frustrações ou anseios, temendo vê-los sofrer, é o recurso
ainda indispensável para levar um mau comportamento à extinção. Impor limites é
negar, retirar, estreitar o espaço da libertinagem com nome de liberdade, e mesmo fazer perder posição. Como é
decorrente do exercício de amar, implica num outro conceito que Hebreus mostra
em Deus fazendo paternagem:
(f)
Tratar (v.7)
A idéia de
sermos tratados como filhos atende também ao cuidar, prover, acolher, nutrir
como as aves aos filhotes no ninho. Tratar não se limita a tempo, espaço ou
circunstâncias. Um pai é pai para sempre, mesmo quando seu filho atinge
autonomia pela maturidade plena. O tratar se manifesta em primeiro plano
suprindo necessidades, mas continua mesmo quando elas não mais existem na sua edição
primária. Um olhar e uma palavra dita a seu tempo, que acolhe e orienta, que
apóia e consola, são maneiras indispensáveis e imorredouras do tratar. As
marcas do trato ficam indeléveis. Um pai senil, no extremo de sua vida, ainda é
lembrado no coração do filho de quem cuidou. O toque da mão e das palavras
gravam-se mais que a memória de realizações via dádivas ou benefícios. Filhos
há que lembram saudosistas do trato dos pais, não pelo que deles receberam,
porque as circunstâncias impediram concessões, mas pelo desejo visto no olhar
frustrado e amoroso de um pai que gostaria de ter suprido ou de suprir, ficando
tolhido por suas limitações. Esse desejo marca mais que sua realização efetiva.
Tratar alude à
idéia de tomar nos braços, curar, aconchegar.
(g)
Inclusão nos conteúdos personais (10)
Ainda
decorrente do amor na paternagem, todo o processo visa gerar no filho que
cresce, mas cuja gestação continua no útero da paternidade, as marcas da
origem, do padrão. As marcas da personalidade do pai. A Bíblia mostra através
de centenas de gerações a memória de pais sendo evocada pelos observadores dos
seus filhos, netos, bisnetos e etc.
Filho de Abraão, filho de Isaque, filho de
Jacó...
A inclusão nos
conteúdos personais que o verso 10 sinala para nós como disciplina para o nosso bem, para que participemos da Sua santidade,
atende à sabedoria paterna que sabe que as marcas da experiência da vida vão
produzir no filho segurança e honra. O filho deve ser criado para ser uma
replicação do pai, mas isso aponta o comprometimento desse pai que opera a
paternagem visando o resultado supremo:
(h)
Promover justiça e paz – o resultado esperado.
Justiça fala
de retidão. Ensinar a justiça significa garantir a segurança e dignidade do
filho por toda a sua vida, e havendo retidão na vida haverá paz, paz com Deus e
com seu semelhante. A falta de
partenagem verdadeira resulta em filhos desprovidos de senso de honra, de
justiça, de dignidade, e portanto operando uma vivência sem paz e segurança
para si e ao seu redor.
II-
Paternidade
ou Paternalidade?
Quando a paternagem atende a esse padrão visto,
então ela opera a paternidade¸ que é
positiva, moral.
No entanto,
nossa tendência carnal e passional é confundir paternidade com paternalidade.
Onde fica a
diferença?
-Ser paterno é cumprir a missão
de pai;
-Ser paternal é arremedar isso de
forma política, irresponsável e com permissividades ou ausência de caráter
definido, até mesmo terceirizando a função a outros. Este conceito é negativo e
seus resultados são invariavelmente danosos.
Temos exemplos clássicos na
Bíblia de heróis de Deus que confundiram paternidade
com paternalidade e pagaram alto
preço por isso:
-Eli, sumossacerdote de
Israel que em nome de seu ministério
negligenciou o cuidado com seus filhos, que lhe foram por tropeço e vergonha em
Israel, e por isso Deus os matou.
-Samuel, profeta, seguindo na
reedição de seu pai postiço, Eli, também não transmitiu aos seus filhos seus
valores pessoais, e eles lhe foram por vergonha e reprovação diante de Deus e
do povo.
-Daví, o pior caso – Daví se revelou um pai que não estabelecia
limites. Não deu conta de fazer paternagem. A história da vida conturbada de
seus filhos parece apontar sua ausência paterna, talvez também repetindo sua
própria experiência, quando Samuel tendo ido à casa de Jessé para ungir dentre
seus filhos um rei para Israel, ele, o caçula Daví não foi incluído no séquito
selecionado por seu pai diante de Samuel, porque estava esquecido em algum
lugar entre as ovelhas. Daví na sua função de pai cometeu injustiças e pagou
caro preço por elas. Mesmo seus netos o sucederam mal no trono, ficando longe
do padrão do seu governo reto e temente a Deus.
Outro tanto, temos nomes que
despontam reputados como pais sem jamais terem gerado filhos. É o caso de
Elias, profeta, pai para com Eliseu e para com a viúva de Sarepta.
Eliseu mesmo, seguindo nos passos
de seu espiritual Elias, foi pai para com os reis de Israel, a mulher sunamita e o povo em geral. É a respeito dos dias que
criou-se um ditado em Israel: Meu pai,
meu pai! Carros de Israel e seus cavaleiros!
- O salmo 103: 13 nos afirma que
Deus se compadece como um pai (padece junto) e porque sabe ( se inteira ) de nossa estrutura e fragilidade.
A paternidade de Deus foi posta à
prova, na tentação de Jesus como descrita em Mateus 4:1-11. Ali vemos Jesus sendo tentado a duvidar da
paternidade divina em áreas em que o tentador pretendia que ele, como filho,
forçasse o Pai a ser paternal, e não paterno. Jesus defende a paternidade
divina, negando-Se a provar seu Pai operando sobre atitudes temerárias do
filho, conforme as propostas do tentador.
Conclusão
Lembremos a parábola dos dois
filhos em Lucas 15:11-32.
Dois filhos em conflito. O pai desponta como compassivo, acolhedor e
apaziguador.
Não troca seu discurso, mesmo
quando ouve o filho mais velho se referindo ao mais jovem como sendo este teu
filho, em lugar de dizer meu irmão.
O pai o corrige quando diz: Este teu irmão estava morto e voltou a
viver.
Este pai mantém sua posição de
pai quando o filho o abandona. Não corre o caminho que o filho escolhe, mas
espera, e quando este volta ao lar, o acolhe e perdoa, correndo ao seu encontro
para diminuir as distâncias que o filho estabeleceu. E acolhendo-o celebra a
vida.
Nem sempre, nem todos tivemos a
felicidade de sermos fruto de uma paternagem real, por fraqueza de nossos pais
humanos. Podemos curar isso em nós, e dar uma nova edição a seus efeitos para
não incorrermos em repetição
inconsciente. Para isso temos o Espírito de Deus que habita o coração dos que
crêem e temos Sua Palavra que nos ensina.
Pr. Cleber Alho