segunda-feira, 25 de agosto de 2014

PAI E PATERNIDADE

TEXTO: HEBREUS 12:5-11.

Introdução
O homem foi potencializado pelo Criador Eterno para ser pai, desde o ato criador visto em Gênesis 1:26-28 – Na mesma medida a mulher para ser mãe.

Via de regra entendemos o conceito pai como sendo   o genitor . Mas isso é um reducionismo do sentido real, que é mais consistente e mais abrangente.
O conceito pai absorve e ultrapassa a idéia de ser genitor. Para ser pai, basta ser homem, mas veremos que para fazer paternagem,ou seja, exercer a paternidade, precisamos ser homens de verdade.
Ser pai é a missão que nos identifica de imediato com a essência divina, de Deus Pai, revelada em Jesus, daí termos como texto base o texto de Hebreus  acima.
Por que pai é um conceito que ultrapassa a idéia de ser genitor?
Pai é origem, causa, fonte. Outros conceitos derivados seriam: guia, chefe, líder, cabeça.
Daí idéias correlatas que  podem ser identificadas no discurso  popular como:
o pai da aviação;
o pai de todos;
a paternidade disso pertence a ele;
ele é como um pai para mim.

Pai é quem faz paternagem, não exclusivamente sobre filhos genéticos, mas sobre a casa, o grupo como um todo. Assim é que um homem que nunca gerou, pode ser o pai do seu povo, da sua esposa, do seu grupo de trabalho. Um pastor ou líder espiritual pode ser o pai dos que discipula e a quem assiste, etc.
Importante é salientar que no plano criador de Deus, os homens foram capacitados e chamados para fazer paternagem, ainda que, como em quase tudo mais que implica na vocação divina para o homem esta área se destaca como o ponto maior da evidência do homem decaído longe de atender o alvo divino.



I-                    Princípios de Paternagem
O texto de Hebreus 12 nos ensina a paternagem onde Deus desponta  como  padrão e modelo. Se conforme entendemos, o homem pode cumprir uma missão divina em sua função de paternidade, Deus pretende ser conhecido como Pai no exercício da paternagem humana. É de se esperar que, na contramão da realidade e experiência do homem no mundo, os pais cristãos corram em direção ao centro do modelo divino para serem aprovados em sua missão por Deus, por seus filhos e dentro da sua geração.
Nosso texto em Hebreus aponta oito segmentos do exercício divino da paternagem, a serem vivenciados.  Pela ordem, percebe-se que os três primeiros convergem para o amor, e que os três seguintes emergem dele, sendo o quarto e último o resultado pretendido como efeito final.
(a)    Palavra de ânimo dita a filhos (v.5) –
É típico da natureza divina. A palavra de ânimo é o ponto de partida, porque ocupa-se em operar um processo de conquista. É a porta de entrada na relação entre pai e filhos. O Deus da graça que Se revelou em Cristo, exemplifica isto quando lemos as sete cartas às igrejas da Ásia Menor, conforme registradas em Apocalipse 2 a 3. Cada carta dirigida a uma comunidade local específica tinha por motivação corrigir algum tipo de desvio ou dar encorajamento para momentos de titubeios e fraquezas. Havia sempre o que reprovar, à exceção de uma única entre as sete. No entanto, a primeira mensagem dirigida a cada uma, trazia uma palavra de ânimo, antes de reprovar ou atacar o erro. Método de conquista divina.  Jesus procurou primeiro achar os valores, acendê-los, estimulá-los, antes de apontar o erro. Este processo que o texto de Hebreus chama de palavra de ânimo pode ser muito bem entendido como palavra que produz força para a alma, que consola, encoraja ou que alcança o centro das emoções, que motiva. A partir daí, a paternagem cumpre o programa que a realidade compreende.
Nesta função de conquistar o pai sobressai com valores únicos, porque longe dele está concorrer com o lugar e papel da mãe que detém sobre todo filho a primazia, uma vez que trouxe à luz a criança que nela habitava desde sua origem primária, e depois continua o processo de aproximação no trato materno diuturno. O pai fica fora dessa relação simbiótica por razões óbvias. No entanto, sua aproximação constante, o carinho oferecido na fala, no toque, nos gestuais, persistentemente, invade e acha um lugar na mente do neonato e nos seus afetos que se abrem para acolhê-lo, incluí-lo na triangulação da constelação familiar. O pai encontra espaço porque fez conquista. Este método, que Deus emprega conosco pelo trato contínuo do Seu Espírito em nosso coração testificando de que somos Seus filhos, é o que o homem pode cumprir no exercício de sua paternagem. Feita a conquista pela intensa  oferta de amor, então o espaço está preparado para os demais compromissos da paternidade de que Deus Se encarrega também quanto a nos ensinar.


(b)   Disciplina
A idéia que disciplina, a segunda palavra empregada no texto, ainda no verso 5 e se repetindo no v.6 passa, é de estabelecer padrões, veios retos pelos quais se possa trilhar sem desvios perigosos. Fala de tradição, marcos permanentes calcados na experiência da vida; e ainda disciplina fala de retidão.  Disciplinar é ensinar, apontar a direção segura e firme, ensinar critérios positivos. Mas, filhos geralmente, como todos nós no trato com Deus, se desviam da disciplina e muitas vezes de forma afrontosa. Então a paternagem se encarrega de lançar mão de mais um processo:
(c)    Correção (repreensão)
Correção fala de aparar arestas, cortar excessos, forçar situações que os inibem. Aponta para o movimento que é produzido pelo pai em lugar do filho, ou seja, o pai assume atitudes que o filho tem de incorporar. A correção é antes um aconselhamento, um exercício do discurso, atrelado à idéia da disciplina, onde cabe constrangimento moral, promoção de consciência que leva à tristeza. A repreensão que a correção compreende, aponta o discurso do pai que reprova o procedimento da disciplina desrespeitada e mostra seu desacordo, sua desaprovação. Assume o compromisso de trazer o filho para dentro do programa da paternagem, ou seja, para andar de acordo com a orientação paterna. A correção deve ser feita pelo coração do pai, mais do que por sua cabeça, vontade. Algo da decepção ou tristeza do pai deve ser percebido nela, para que o filho se dê conta de que é amado.  E isso abre espaço para o exercício prático do amor na paternagem. A correção nos traz a idéia da tristeza segundo Deus que opera o arrependimento. Ele sabe como produzi-la em nós.

(d)   Amar (v.6)
Lamentavelmente por distorção de conceitos que a humanidade decaída faz, a relação distorcida pai-filho foi incorporada na idéia que o crente faz da paternagem divina. Hoje quando se pensa e confessa Deus na qualidade de Pai pensa-se no gracioso doador, paternalista que sai correndo atrás dos desmandos do filho, aplainando as falhas de suas escolhas erradas, egoístas e irresponsáveis. Quando não tanto, condiciona-se à idéia de que Deus me ama porque me dá coisas ou porque faz coisas boas acontecerem comigo e impede as coisas más, ainda que frutos de meus erros. Longe disso, o texto de Hebreus nos ensina que o amor de Deus Pai que a graça manifesta  ultrapassa o doar, para incluir o castigar.  O texto de Hebreus parece distoar de tudo que pensamos e praticamos quanto a amar, porque há pais entendendo sempre que ser pai é ser paternalista com o filho, em nome de uma graça da qual pouco entendem. Por amar, Deus nos açoita. O açoitar de Deus  dói, mas abençoa.
(e)   Castigo (impor limites) v.6
É belo perceber que o lugar que cabe ao castigo na paternagem divina está consequente ao amor, mesmo como exercício de amar. Açoitar ou castigar é impor limites. Ah! Deus sabe e tem poder para fazer isso perfeitamente! Sofrer limites frustra, humilha, dói como uma chibatada, porque anula as expectativas indevidas, irrita, tolhe, parece comprometer com o fracasso. O homem não suporta ser limitado por nada, mas quando Deus nos limita Ele está impedindo nossos excessos e nos protegendo de nós mesmos. Daí parecer que nossa oração não é ouvida ou que a resposta saiu tão errada e frustrante que mais parece do diabo do que de um Deus que é Pai. Confundimos o amor de Deus com Sua fidelidade. Por amar Deus nos corrige, e em Sua fidelidade nos acrescenta aquilo de que necessitamos. Mas impor limites, tarefa hoje em franca desistência por pais que não querem sofrer a dor de serem incompreendidos por seus filhos, projetando neles suas próprias frustrações ou anseios, temendo vê-los sofrer, é o recurso ainda indispensável para levar um mau comportamento à extinção. Impor limites é negar, retirar, estreitar o espaço da libertinagem com nome de liberdade,  e mesmo fazer perder posição. Como é decorrente do exercício de amar, implica num outro conceito que Hebreus mostra em Deus fazendo paternagem:
(f)     Tratar (v.7)
A idéia de sermos tratados como filhos atende também ao cuidar, prover, acolher, nutrir como as aves aos filhotes no ninho. Tratar não se limita a tempo, espaço ou circunstâncias. Um pai é pai para sempre, mesmo quando seu filho atinge autonomia pela maturidade plena. O tratar se manifesta em primeiro plano suprindo necessidades, mas continua mesmo quando elas não mais existem na sua edição primária. Um olhar e uma palavra dita a seu tempo, que acolhe e orienta, que apóia e consola, são maneiras indispensáveis e imorredouras do tratar. As marcas do trato ficam indeléveis. Um pai senil, no extremo de sua vida, ainda é lembrado no coração do filho de quem cuidou. O toque da mão e das palavras gravam-se mais que a memória de realizações via dádivas ou benefícios. Filhos há que lembram saudosistas do trato dos pais, não pelo que deles receberam, porque as circunstâncias impediram concessões, mas pelo desejo visto no olhar frustrado e amoroso de um pai que gostaria de ter suprido ou de suprir, ficando tolhido por suas limitações. Esse desejo marca mais que sua realização efetiva.
Tratar alude à idéia de tomar nos braços, curar, aconchegar.
(g)    Inclusão nos conteúdos personais (10)
Ainda decorrente do amor na paternagem, todo o processo visa gerar no filho que cresce, mas cuja gestação continua no útero da paternidade, as marcas da origem, do padrão. As marcas da personalidade do pai. A Bíblia mostra através de centenas de gerações a memória de pais sendo evocada pelos observadores dos seus filhos, netos, bisnetos e etc.
Filho de Abraão, filho de Isaque, filho de Jacó...  
A inclusão nos conteúdos personais que o verso 10 sinala para nós como disciplina para o nosso bem, para que participemos da Sua santidade, atende à sabedoria paterna que sabe que as marcas da experiência da vida vão produzir no filho segurança e honra. O filho deve ser criado para ser uma replicação do pai, mas isso aponta o comprometimento desse pai que opera a paternagem visando o resultado supremo:
(h)   Promover justiça e paz – o resultado esperado.
Justiça fala de retidão. Ensinar a justiça significa garantir a segurança e dignidade do filho por toda a sua vida, e havendo retidão na vida haverá paz, paz com Deus e com seu semelhante.  A falta de partenagem verdadeira resulta em filhos desprovidos de senso de honra, de justiça, de dignidade, e portanto operando uma vivência sem paz e segurança para si e ao seu redor.
II-                  Paternidade ou Paternalidade?
Quando a paternagem atende a esse padrão visto, então ela opera a paternidade¸ que é positiva, moral.
No entanto, nossa tendência carnal e passional é confundir paternidade com paternalidade.
Onde fica a diferença?
-Ser paterno é cumprir a missão de pai;
-Ser paternal é arremedar isso de forma política, irresponsável e com permissividades ou ausência de caráter definido, até mesmo terceirizando a função a outros. Este conceito é negativo e seus resultados são invariavelmente danosos.
Temos exemplos clássicos na Bíblia de heróis de Deus que confundiram paternidade com paternalidade e pagaram alto preço por isso:
-Eli, sumossacerdote de Israel  que em nome de seu ministério negligenciou o cuidado com seus filhos, que lhe foram por tropeço e vergonha em Israel, e por isso Deus os matou.
-Samuel, profeta, seguindo na reedição de seu pai postiço, Eli, também não transmitiu aos seus filhos seus valores pessoais, e eles lhe foram por vergonha e reprovação diante de Deus e do povo.
-Daví, o pior caso –  Daví se revelou um pai que não estabelecia limites. Não deu conta de fazer paternagem. A história da vida conturbada de seus filhos parece apontar sua ausência paterna, talvez também repetindo sua própria experiência, quando Samuel tendo ido à casa de Jessé para ungir dentre seus filhos um rei para Israel, ele, o caçula Daví não foi incluído no séquito selecionado por seu pai diante de Samuel, porque estava esquecido em algum lugar entre as ovelhas. Daví na sua função de pai cometeu injustiças e pagou caro preço por elas. Mesmo seus netos o sucederam mal no trono, ficando longe do padrão do seu governo reto e temente a Deus.
Outro tanto, temos nomes que despontam reputados como pais sem jamais terem gerado filhos. É o caso de Elias, profeta, pai para com Eliseu e para com a viúva de Sarepta.
Eliseu mesmo, seguindo nos passos de seu espiritual Elias, foi pai para com os reis de Israel, a mulher sunamita  e o povo em geral. É a respeito dos dias que criou-se um ditado em Israel: Meu pai, meu pai! Carros de Israel e seus cavaleiros!
- O salmo 103: 13 nos afirma que Deus se compadece como um pai (padece junto) e porque sabe ( se inteira ) de nossa estrutura e fragilidade.
A paternidade de Deus foi posta à prova, na tentação de Jesus como descrita em Mateus 4:1-11. Ali vemos Jesus sendo tentado a duvidar da paternidade divina em áreas em que o tentador pretendia que ele, como filho, forçasse o Pai a ser paternal, e não paterno. Jesus defende a paternidade divina, negando-Se a provar seu Pai operando sobre atitudes temerárias do filho, conforme as propostas do tentador.

Conclusão
Lembremos a parábola dos dois filhos em Lucas 15:11-32.
Dois filhos em conflito.  O pai desponta como compassivo, acolhedor e apaziguador.
Não troca seu discurso, mesmo quando ouve o filho mais velho se referindo ao mais jovem como sendo  este teu filho, em lugar de dizer meu irmão.  O pai o corrige quando diz: Este teu irmão estava morto e voltou a viver.
Este pai mantém sua posição de pai quando o filho o abandona. Não corre o caminho que o filho escolhe, mas espera, e quando este volta ao lar, o acolhe e perdoa, correndo ao seu encontro para diminuir as distâncias que o filho estabeleceu. E acolhendo-o celebra a vida.

Nem sempre, nem todos tivemos a felicidade de sermos fruto de uma paternagem real, por fraqueza de nossos pais humanos. Podemos curar isso em nós, e dar uma nova edição a seus efeitos para não  incorrermos em repetição inconsciente. Para isso temos o Espírito de Deus que habita o coração dos que crêem e temos Sua Palavra que nos ensina.

Pr. Cleber Alho