Procure vir logo ao meu
encontro, pois Demas, amando este mundo, abandonou-me e foi para Tessalônica... (II Tm 4:10).
Eu
desejaria poder acrescentar ao seu nome os títulos de que comumente faço uso quando me dirijo a discípulos diletos, como Filemon, Epafras, Timóteo. Mas, quanto a você, a esta altura da jornada,
permito-me apenas usar do diminutivo afetivo do seu nome, por conta dos muitos
anos de convívio e luta no Senhor. Porém olho pela janela do tempo, e vejo no Demas que restou,
aquele antigo Demétrio que chegou a mim
inconverso, vacilante e inquiridor da nova doutrina que chegava à sua cidade. Demétrio converteu-se no Demas
amigo, íntimo, companheiro. Lembra? Eu
me referia a você como colaborador, ou seja,
alguém que trabalha junto, um apóstolo. Foi assim que entenderam os irmãos de Colossos quando lhes escrevi, citando-o, e também Filemon. E reconheço que você foi companheiro, de fato, porque participou do grupo de
conforto e apoio durante esta minha última etapa da prisão. Mas a situação foi ficando cada vez mais crítica por aqui, eu sei. Cada julgamento me condenava mais e
começava a pôr em risco a integridade de cada um de vocês. Bem, devo informá-lo que há dois meses, três meses após sua desistência, fui efetivamente
condenado. O tempo de minha partida está próximo. De todos os
companheiros, só Lucas está comigo, e aguardo a resposta de Timóteo à minha carta, na esperança de poder revê-lo e a Marcos, antes que me vá. Os demais também partiram: Crescente, Tíquico, Tito, porém estes partiram sob minha
orientação, para levarem notícias minhas ao povo e prestar-lhes assistência na fé. Você, no entanto, me abandonou. Desertou.
Quando me
vi só com Lucas, descobri que ele não representava muito para as autoridades romanas durante o
processo, como testemunha de defesa. Apontei o nome de Alexandre, o funileiro
famoso que havia aberto sua casa à Igreja, mas Alexandre deu mau
ou falso testemunho a meu respeito e isso pesou muito contra mim. Ele causou-me
muitos males. O problema de Alexandre é com o Senhor. Mas o seu, é comigo. Não o acuso de nada, mas
registro meu profundo pesar por sua frustrante derrocada. E escrevo apenas para
salientar a você que sua queda não me pegou de surpresa.
Embora seu
intenso envolvimento no meu ministério, desde o início de sua experiência na fé, Demas, eu percebia que uma parte fundamental de sua alma
permanecia com você, intocável pelo Espírito Santo: seu amor ao
dinheiro. A renúncia não achou lugar para ele. Apesar de todo ensino e advertências, você se mostrava resistente. A
preocupação com ganhar, e mais ainda: não perder, era em você uma obsessão, tão doentia que me fazia temer
pela possibilidade de crescer e enguli-lo inteiro.
Quantas
vezes você procrastinou quanto a sair e
envolver-se em paragens distantes, mesmo atraído pelos testemunhos dos que o precediam! Fazia planos e às vezes quase me convencia de que por fim iria
desprender-se e ser de fato um homem do Reino e para o Reino, mas você conseguia sempre, na última hora, cercar-se de situações que lhe serviam de desculpas para não avançar.
Doía-me vezes sem conta, perceber quanto você se demorava a liberar recursos diante de necessidades óbvias do povo à nossa volta, ainda quando
outros dentre nós, menos aprovisionados, davam
sacrificialmente e com alegria, do que tinham, a favor dos que necessitavam.
Nessa área, o máximo onde você se aventurava era quanto a
mim, provendo sustento e companhia. Mas fechava-se para os demais. Você estava sempre em guarda, protegendo-se do risco de ser
avassalado pela necessidade alheia, sempre comedido, avaliando os riscos de
perder e as possibilidades de ganhos. O que eu entendia? Investir no meu
apostolado aliviava sua consciência da avareza e eu não representava risco de usurpação. Mas não havia espontaneidade. Longe
de você estava a generosidade! E você sabia o que eu ensinava: a avareza é idolatria. Muitas vezes fiquei convencido de que seu
pequeno empenho, era uma forma de negociar com nosso Senhor, místicamente, supersticiosamente, para garantir seus ganhos
ou evitar perdas. Isto jamais lhe foi ensinado.
Em suma,
escrevo para dizer exatamente isso: as raízes do mal nunca foram
arrancadas de dentro de você e por fim medraram e fizeram
crescer a árvore do fascínio por este mundo, este século, com seus brilhos, brinquedos, diversões e cobiças. E o arrastaram para lá, de onde de fato você nunca saiu, mas apenas
afastou-se por um tempo, onde sua crise religiosa quase convenceu. Mas seu
lugar é no mundo, para onde você voltou.
Sinto
muito, Demas. Você chegou perto mas não conseguiu ver que o brilho, o aroma, as cores, o prazer e
a honra do lado de cá, não apenas são maiores, mas eternas, porque
são resíduos da majestade dEle e são vividas nEle e com Ele. Você não quis vê-las, porque seus olhos fitavam os brilhos de baixo. Era
demais arriscar.
Estou
partindo, Demas, para minha cidadania real e eterna. Guardei a fé. Olho para a frente com entusiasmo e sem medo. Com honra.
Você também partirá. Não estarei por perto para ver seu medo e vergonha; nem para
poder dar-lhe suporte. E o pior: enquanto eu estiver me satisfazendo da presença do Senhor, você estará amargando as más memórias do que deixou para trás.
Seu amor
pelo mundo, provado no abandono da carreira apostólica, serve como prova de que você jamais saiu dele. Logo, não pode haver quanto a você, certeza de nada: faltam os sinais da graça. Temo que você esteja perdido, e por conta
da dúvida a única forma que encontro para me despedir de você é: adeus!
Paulo,
o velho.
Cada um de nós
conhece um Demas em algum lugar, ou tem algo dele por dentro.
Pastor Cleber.