sexta-feira, 14 de junho de 2013

TRÊS PILARES DOS PRIMÓRDIOS DA FÉ.

Na história da Igreja (Atos dos Apóstolos) três homens assomam como elementos-chave na sua expansão, embora a narrativa do livro não se ocupe deles por longos trechos, como o faz com Pedro e Paulo. Esses homens são Estevão, Barnabé e Cornélio.

Estevão é o ponto de partida da dispersão da Igreja que começa sua missão histórica de descentralização para a diáspora que atende ao IDE de Jesus. A partir da morte ou martírio de Estevão, a Igreja começa a sofrer uma perseguição que a põe a caminho para levar outros ao CaminhoÉ interessante observar que a causa da morte de Estevão gira em função de sua pregação ser entendida como ferindo os fundamentos da confissão judaica, porque o acusavam de pregar contra o templo ( Atos 6:14). Quando o tribunal religioso, a inquisição sacerdotal judaica, exigiu que ele se pronunciasse em sua defesa, Estevão encerra seu longo discurso, com ousadia, provando biblicamente a secundarização do templo, que eles reputavam como o marco visível de sua religião. Então o matam.
           
Barnabé emerge como o homem que introduz Paulo, o perseguidor dos dispersos, agora convertido, para dentro da Igreja, assumindo-o como convertido e servo de Cristo. E mais: coloca-se companheiro daquele que se assume tendo como sinal de seu chamado, um compromisso missionário, vocacional, para os gentios, outro ponto crítico para a tolerância da fé judaica, e que custou a Paulo tanta perseguição.

Cornélio é a porta pela qual a Igreja, representada por Pedro, passa para recepcionar o novo povo, aqueles em quem Deus quer cumprir a  promessa feita no início de tudo a Abraão: Em ti serão benditas todas as famílias da terra. E Cornélio, gentio, é o primeiro de um povo, com sua casa, a debandar para a fé cristã, uma vez que já vivia afeiçoado à fé judaica, na qual não recebia permissão para nada além de ser um simpatizante, sob o pomposo título de temente a Deus. Este título funcionava como uma categoria de aproximação religiosa, abaixo de um prosélito, como que tendo permissão para viver na periferia da religião dos judeus, sem circuncisão nem acesso às sinagogas, embora conhecido como homem piedoso, que cria no Deus único de Israel.

A narrativa da história de Estevão ocupa apenas dois capítulos em todo o livro de Atos. Barnabé aparece em curtos relatos nos capítulos 4, 9,11,12,13,14 e a partir do capítulo 15 não é mais mencionado. Paulo vai referir-se a ele, com cordialidade em suas epístolas de I Coríntios 9:6; Gálatas 2: 1, 9 e Colossenses 4:10. Embora, comparativamente a Paulo e Pedro, pouco citado, ele marca indelevelmente a história da Igreja. Outro tanto Cornélio ocupa apenas um capítulo do registro do livro, o capítulo 10, mas sua história fica em memória, marcante, tanto quanto suas orações diante de Deus.

Estevão, o pilar da fidedignidade

Em Estevão temos não somente o primeiro mártir mas o caráter de uma confissão inegociável, fidelidade a princípios de fé e à Verdade. Por certo, ensinando no Templo, Estevão se expunha à ira dos fundamentalistas judaicos ao repetir palavras de Jesus quando disse: Vocês estão vendo tudo isto?... Eu lhes garanto que não ficará pedra sobre pedra; serão todas derrubadas ( Mateus 24: 2). Foi quanto deve ter bastado para que os judeus enfurecidos contra o fervor com que Estevão divulgava sua fé no seu Cristo e em Seus ensinos, o acusassem e o levassem a julgamento.  Na oportunidade de discursar em sua própria defesa, ele bem poderia omitir o tópico que espicaçava, como ponto nevrálgico, a ira dos seus perseguidores: o Templo. Mas esconder sua convicção era mais impossível que temer por sua vida. Ele cria agora numa fé que ousava dizer: Deus não habita em templos feitos por mãos humanas (Atos 17: 24), mas no coração do crente, que se torna o novo templo não erguido por mãos. A convicção nesta verdade, revelou-se maior que seu apego à vida ou maior que o respeito por paixões religiosas dos seus oponentes. Estevão sabia que ele e os demais cristãos, a Igreja, eram agora o único templo para Deus. Sabia ser verdadeira a fé que afirma: Cristo é fiel como Filho sobre a casa de Deus; e esta casa somos nós (Hebreus 3:6).

O lugar que esta testemunha ocupa é próprio àqueles cuja confissão é fruto de um fundamento de fé que não negocia, nem transige com pressões externas, de qualquer ordem. É significativo que a partir da posição irremovível de uma confissão com esse porte, é que a Igreja começa a transitar e espalhar-se para atender ao que determinou o Senhor: Vocês me serão testemunhas tanto em Jerusalém quanto na Judéia e Samaria, e até aos confins da terra.




Barnabé, o pilar da koinonia

Barnabé, cujo nome aposto ao nome próprio José define o caráter de seu ministério, é descrito como aquele que consolava os irmãos, como um elo de ligação, e vai distinguir-se entre outros valores, aparecendo como esteio a Paulo, e por conta disso, como alívio para a Igreja assustada, por conta da perseguição que lhe era movida.

Barnabé destaca-se como alguém capaz de discernir caráteres, porque encontrou o Paulo de quem todos fugiam, creu no seu testemunho e atestou sua conversão. Figurava, nessa função, como o Espírito Santo, que na Trindade Divina atende à função de Consolador, e atesta nossa filiação ao Corpo de Cristo e a Deus como filhos do Pai Celestial, por meio de Jesus (Romanos 8:6). Consolador e confirmador, esse homem ocupa o lugar do baluarte, pilar, que cabe a todo crente, em todo o tempo: a função de ser espírito de refrigério para os aflitos e desamparados, e ainda, capacitando-os a confirmar o testemunho dos que crêem, levando-os ao batismo em cumprimento à Palavra do Senhor.

Barnabé também desponta como aquele que consola socorrendo, provendo, abrindo mão do que tem a favor de quem tem menos ou nada tem ( Atos 4: 36 e 37).

Cornélio, o pilar da piedade sem dogmas

O que podemos pensar à luz do texto acerca de Cornélio é o fato de que ele é o testemunho da quebra dos dogmas. Sua conversão mobiliza a Igreja de Jerusalém e rompe um dogma que poderia travar a marcha da Igreja já no seu nascedouro, repetindo nela a reclusão ou omissão do povo judeu, que na contramão da proposta divina a Abraão (Gênesis 12:3) fechou-se em si mesmo e pôs todos os outros de fora do acesso ao Deus Eterno.

Mas, além das implicações trazidas por sua conversão, a pessoa e a vida devocional de Cornélio são ainda hoje vias de enfrentamento de dogmas que a Igreja reconstruiu ou reeditou e que ainda nos afetam. Em Cornélio podemos estabelecer paralelos com grupos ou situações que se aproximam de Deus de forma semelhante, mas contrariamente às postulações que estabelecemos como ortodoxas para ditar ou creditar um adorador como sendo nosso, ou do nosso jeito.

Parecia inevitável aos judeus reconhecer em Cornélio um homem piedoso, porque o texto de Atos 10 aponta-o como alguém que era piedoso nos moldes dos dogmas judaicos, crendo num único Deus e Esse como o Deus de Israel; em função disso, distribuidor de esmolas e homem de oração, que se cercava de gente de vida piedosa, tal como prescreviam os fariseus. Mas era incircunciso, romano e ocupando as forças militares do inimigo, o opressor político do povo de Deus. Não era sequer prosélito, ou seja, um gentio que se achegou ao judaísmo aceitando seus ritos e cumprindo as datas solenes desses rituais. Mas um adorador à distância, cuja vida parecia falar mais que seus cultos, testificando do efeito destes, ou dos seus propósitos. Descobriu-se, pelo discurso de Pedro, que esse homem que sabia trazer sua casa sob os mesmos princípios de temor a Deus que regiam sua vida, estava inteirado dos fatos proféticos e políticos ocorridos nos últimos anos em Jerusalém, embora vivesse em Cesaréia. Ele sabia do ministério de Cristo e Sua morte, mas sabia históricamente, como quem lê as notícias em jornal. Necessitava da confirmação dessas coisas e de seus detalhes proféticos, ou seja, a relação delas com as profecias nas quais cria embora sem acesso aos seus ensinamentos. Pedro lhe apresenta o testemunho da ressurreição de Cristo e Cornélio crê. Mas destaca-se o fato de que antes que Pedro a ele se chegue, Deus Se havia revelado a esse homem, aprovando as ações de fé que praticava, fora das linhas ortodoxas do novo ensino do Caminho. O anjo que lhe envia e que com ele fala, é um anjo de verdade, do céu, não de um grupo ou gueto de religiosos. É um anjo tal e qual os anjos que apareceram aos primeiros cristãos, e também a Maria, Zacarias, Paulo e outros. Adorador à distância e fora das normas, estava sendo aceito e aprovado por Deus que lhe disse ter suas orações e atos de fé formando um memorial diante de Sua face santa. Deus aceitava Cornélio e sua adoração, fora dos dogmas. Vale lembrar que os primeiros cristãos estavam ainda impregnados de dogmas judaicos. Por isso mesmo, foi Cornélio o homem cuja conversão Deus usou para destruir os preconceitos religiosos de Pedro, levando-o a admitir que Ele, o Deus Eterno, tanto não fazia acepção daquele homem em deferência aos demais, quanto não o tinha por imundo, conforme os dogmas estabeleciam. Antes o tinha por um purificado. São palavras textuais de Atos 10: 28 e 34 e 11:9.  A partir da convergência de sua fé pelas vias da revelação messiânica, então Cornélio e sua casa são batizados e aceitos como filhos de Deus, integrados à Igreja do Senhor nos mesmos direitos daqueles que emergiram de uma confissão escriturística.

A conversão de Cornélio salta a nossos olhos como um grito divino de advertência à Igreja para deixar os claustros de seus separatismos e ver os buscadores de Deus como o Deus eterno os vê.  A partir de Cornélio, nenhum outro Pedro precisa passar por êxtase arrebatador de sentidos para que aceite o sentido real de Deus e cumpra sua missão de incluir os que O querem e não sabem como achá-Lo. E por saber como achá-Lo devemos pensar no evangelho puro e simples de Cristo, sem as formas humanas, com seus caprichos, determinismos e exigências que pretendem deixar antes marcas de grupos do que marcas do Reino nos filhos da salvação. 

Cornélio desponta como o convertido a partir de quem tudo mudou, que marcou a Igreja ao entrar nela, e por cuja conversão a Igreja mudou, para melhor, ou seja, para dentro da vontade divina e para fora do controle dos líderes religiosos.

Precisamos da encarnação desses perfis hoje, cada um deles, em cada um de nós: fidedignidade de um Estêvão; capacidade de koinonia a todo preço, de um Barnabé; e conversão transformadora de convertidos, de um Cornélio.


Pr. Cleber Alho

segunda-feira, 3 de junho de 2013

QUÃO COMPROMETIDOS?

...Festo interrompeu a defesa de Paulo  e disse em alta voz: “Você está louco, Paulo! As muitas letras o estão levando à loucura!”
Respondeu Paulo: “Não estou louco, excelentíssimo Festo. O que estou dizendo é verdadeiro e de bom senso. O rei está familiarizado com essas coisas, e lhe posso falar abertamente. Estou certo de que nada disso escapou do seu conhecimento, pois nada se passou num lugar qualquer. Rei Agripa, crês nos profetas? Eu sei que sim”.
Então Agripa disse a Paulo: “Você acha que em tão pouco tempo pode convencer-me a me tornar cristão?”
Paulo respondeu: “Em pouco ou em muito tempo, peço a Deus que não apenas tu mas todos os que hoje me ouvem se tornem como eu, porém sem estas algemas”.  Atos 26: 25-29.

Um rei diante do maior pregador do Evangelho, em todos os tempos. Depois de ouvir o discurso de Paulo em que ele expõe todo o propósito de Deus através de sua vida, e narra sua extraordinária experiência de conversão, Agripa se assusta, porque descobre-se sob sensações que o levaram a pensar-se à beira de converter-se ao cristianismo. E então, proclama aos ouvidos de todo um séqüito real: “Você quase me persuadiu a me fazer cristão, Paulo”.

Esta declaração de Agripa já recebeu variadas versões. Da maneira mais literal possível, Agripa teria dito: “Um pouco mais de tempo e você me convenceria a me tornar cristão”.

“Quase”. “Por tão pouco”. Estas são expressões pertinentes àquele discurso. O “tão pouco tempo” do rei Agripa está custando a ele, em nossa medida, mais de 2000 anos de oportunidade perdida!

Também mais de 2000 anos é a conta da passagem de tempo na história de um povo inteiro, os judeus, em que se cumpre a profecia de Jesus, quando lamentando sobre Jerusalém, disse: “Ah! Se tu soubesses ao menos neste tempo o que à tua paz pertence!...dias virão sobre ti em que te cercarão de trincheiras... porque não conheceste a oportunidade que Deus lhe deu” (Lucas 19: 42-44).

Por pouco, tão pouco! Disse Agripa. Quanto, de muito, ele poderia perder por “tão pouco”? Talvez aí estivesse a resposta.

Nas palavras de Paulo, uma verdade profética: “Quem dera se por pouco ou muito tu e os outros todos se tornassem como eu”.

Em outras palavras: “pouco ou muito, o importante é que você possa ser feito como eu fui feito”. Este é o sentido literal da declaração do apóstolo. É ousada a declaração. Paulo arrebata o argumento de Agripa e o transforma: “Não é decidir ser um cristão, meramente. Não se trata de passar a ser, mas ser feito, e ser feito um cristão tal como sou”.

Este é o ponto de convergência de nosso pensamento. A questão do quanto custa a alguns tornar-se um cristão nos moldes de Deus, conforme os modelos de Deus.

Perde-se muito, às vezes, por tão pouco.

Se no caso de Agripa era uma questão de mais tempo de argumentação, foram ele e Festo que interromperam o discurso e jogaram fora a oportunidade que lhes estava “por pouco”.

Foi assim com Esaú, irmão de Jacó. Por tão pouco, jogou muito, tudo fora e perdeu a bênção de Deus que lhe seria por toda a vida. Era muito, trocado por tão pouco: uma refeição, que ele julgou mais importante, mais urgente, mais substancial, que a bênção eterna de Deus sobre sua vida e de seus filhos. “De que me serve a bênção?”- Disse ele, “ se estou a ponto de morrer de fome”.
São tantos os Esaús hoje! Trocam o muito, invisível, de Deus, pelo pouco do seu imediatismo carnal e visível. Atender a uma paixão momentânea, é-lhes preferível à honra de toda uma vida na comunhão do Espírito Santo.

Às vezes o “por pouco” é uma negociata sem escrúpulos, negócios escusos. Ou o desconforto da companhia de um irmão amado, num curto tempo, uma companhia santa que impede outro tipo de relacionamento; pode ser o gastar um tempo menor ou recurso melhor com as coisas de Deus.

Às vezes é o abafar do som do chamado divino, pelo tilintar das moedas deste século. E a bênção passa, para sempre!

Há 17 anos eu ministrava sobre as vidas dos homens de Deus, modelos, como Paulo, Moisés, Abraão, Estevão, etc, num encontro de homens. Dei tempo para que eles digerissem o que ouviram e à tarde discorressem e orassem sobre o assunto. Quando voltamos a nos reunir, alguns, quebrantados, pediam aos demais que orassem por eles porque viam-se tão longe daqueles modelos, quanto mais de Cristo! Lembro então um presbítero que nessa ocasião disse: “Irmãos, não fomos chamados para sermos um Pedro, um Paulo, ou um Davi nem um Moisés. Fomos chamados para sermos o que somos. Deus não pretende tudo isso para nenhum de nós. Essa foi só a vida deles, não é para nós”.
Os anos se passaram. Observei a vida daquele irmão. Tinha um chamado, deixou-o. Atravessou crises domésticas sérias, perdeu o filho para o mundo; faliu duas vezes nos empreendimentos que tentou: loja, transportadora e outros. Teve que deslocar-se de sua cidade e família para tentar emprego em outro lugar. Precisou de ajuda para sobreviver com a família e para ter moradia, de favor. E então pensei comigo quanto ele teria amado, em dadas circunstâncias, ter a têmpera, a fé, a confiança de um Paulo que podia dizer, em circunstâncias humílimas: “Sei ter em abundância e sei ter escassez. Aprendi a viver contente em toda e qualquer situação”. Porque ele nada soube e nada aprendeu nesses tormentos. Sua fé vacilou muito, visitou a blasfêmia, arranhou o limiar da apostasia. Se tivesse chegado perto de ser um Paulo ou um Davi, teria sabido transformar seu sofrimento em conquista, crescimento, testemunho eficaz.

De outro ouvi, noutro local e ocasião: “Graças a Deus não fui chamado para ser um missionário nem para sofrer como um”. Lamentei.

A esse respeito, lembro do mesmo Paulo dizer: “Pois a vocês foi dado o privilégio de não apenas crer em Cristo, mas também de sofrer por ele”.
(Filipenses 1:29).

Perde-se tanto por tão pouco!

            Com carinho, Pr. Cleber Alho.