quarta-feira, 2 de outubro de 2013

PONTE SOBRE ÁGUAS TURVAS

Cada homem será como um esconderijo contra o vento e um abrigo contra a tempestade...  Isaías 32:2          

             Quando eu era menino, uma canção muito famosa encheu os lares do mundo todo, ora na voz de Elvis Presley, ora na voz de Paul Simon, cujo tema dizia:  ponte sobre águas turbulentas. E a canção, de uma beleza magistral, ocupava mentes e corações, anunciando sua mensagem. Há alguns anos, a moderna hinologia evangélica nos brindou com uma canção de apelo devocional intenso, onde o adorador se oferece a Deus, dizendo:... como um farol que brilha à noite, como ponte sobre as águas, como abrigo no deserto, como seta que acerta o alvo, quero ser usado, da maneira que Te agrada... Belíssimo! Mas todo o lirismo encerra uma mensagem divina, um apelo do céu ao crente, que atravessa os milênios desde os dias de Abraão até o crente de nossos dias, sobre o qual o céu se debruça na esperança de uma resposta à altura de um sonho divino.
            Nem sempre as águas são turbulentas. Maioria das vezes, são águas turvas que rolam, incessantemente. E como são turvas, não apenas águas- que por si só assustam- apavoram, porque em lhes faltando luz, transparência, intensificam sua imagem funesta, seus segredos de horror. Águas turvas nos lembram os rios turbulentos em épocas de cheia, águas negras como do Rio Negro no Amazonas, barrentas como as dos rios caudalosos, ou sujas, como as do Tietê nas cercanias e centros de São Paulo, ou as águas da Baía da Guanabara, entre outras.  Nada queremos com elas, mas temos que atravessa-las, e por isso desejamos e procuramos pontes, que nos acessem de sobre elas, ao outro lado, a uma continuidade de nosso trânsito e destino.
            Águas turvas não são aquelas que nos atraem, em canções que dizem:Leva-me para águas de descanso... ou: “águas que fluem do trono de Deus... Não. As águas turvas encerram histórias de desafetos, desatinos, angústias, aflição de espírito, perdas, pecados, traições, ruínas, mortes, doenças, flagelos pessoais: domésticos, profissionais; sonhos desfeitos, desilusões, amarguras e tantas outras tempestades da vida humana, quanto seja o tempo da história humana na terra.
Funcionam como ameaça, vorazes. São águas de impedimento a uma continuidade altaneira e sadia, bem sucedida e desejada, sonho almejado e acarinhado em oração. Águas turvas não são opção de navegação ou nada oferecem que significa prazer, quando a navegação é inevitável. Buscam-se pontes.
            As pontes, por sua vez, são escape, possibilidades, vias de acesso, livramento, segurança, garantia e coisas que tais, quando as águas interrompem o caminho. E se as águas são turvas, mais procuradas as pontes serão. Entre um barco sobre as águas, e o desvio via uma ponte, esta é preferida.  Mas algumas vezes a ponte não traz um estilo faraônico, como a ponte de Chicago ou a ponte Rio-Niterói, esta sobre águas turvas. Nem são possantes como as que oferecem travessia, ao longo das marginais do Tietê em São Paulo. E por estas, tão maciças e garantidas, atravessamos sem pensar e sem sentir. E quando as pontes não têm isto a oferecer, mas são pontes de madeira, algumas frágeis, apequenadas, estreitas, amarradas por cordas que mais parecem cipós, ou ainda que robustas, feitas de tábuas e mourões, a travessia exige coragem, confiança ampliada, consulta a terceiros: “É segura? e ainda assim, atravessa-se ansioso. Especialmente se for de carro. Uma ou outra, ela se torna uma inevitabilidade, uma opção graciosa para quem necessita atravessar, continuar, ir em frente.
            Fomos postos como pontes sobre águas turvas, nós os crentes que seguimos as pegadas da fé que teve nosso pai Abraão.  A grande maioria de nós, quer ser o passageiro da ponte, o transeunte, que dela se serve, nem mesmo agradecido. Mas todos nós fomos chamados para sermos pontes. E pontes que se deitam sobre águas turvas alheias, às vezes sobre as vidas de nossos próprios familiares.
            Fortes ou fracas, e desta forma inspirando ou não confiança, atraentes ou temidas, somos a oferta de travessia segura sobre águas sem luz, turbulentas e perigosas; destruidoras e fatais, muitas vezes. Nem sempre nos podemos oferecer como as robustas pontes de concreto, obras premiadas da engenharia moderna. Mas às vezes não passamos de uma pinguela despretenciosa e insegura, que também serve para favorecer a travessia. Outras tantas, somos pontes de madeira ruidosa, que range quando dela se servem os que precisam passar, como que ressentidas pelo peso de seus usuários. Estas assustam mais, mas ainda assim, indispensáveis, como opção única entre continuar ou enfrentar águas escuras.
            No plano divino, fomos postos como pontes. E devemos ocupar o lugar que cabe às pontes: posicionadas sobre as águas, longe ou próximas a elas, mas como via de escape para quantos precisam delas estar livres.
            As pontes, bem posicionadas e de que se servem gerações de usuários, tornam-se referências históricas, memoriais, pontos de encontro.  Mas nada pode ser pior que uma ponte que desaparece no ponto de travessia, e interrompe o curso de tudo. As pontes que faltam, que se fecham, que se deixam levar pelas águas. Estas existem também. E seu memorial é funesto, é trágico, é decepcionante.
            As águas correm, turbulentas ou não; turvas ou claras. E todos precisam passar sobre elas. Mas somente o crente foi chamado e capacitado a ser ponte sobre águas para quem precisa chegar lá, atravessar,  opção de escape e continuidade da rota que ameaça ser interrompida. Ou somos a ponte, ou alguém será levado pelas águas.
            Creio que a canção-oferta, é oração que não pode faltar na vida de todo crente fiel Àquele que o chamou à fé em Cristo Jesus: ...como ponte sobre as águas...quero ser usado da maneira que Te agrada...

            Pr. Cleber Alho