Cada homem será como um esconderijo contra o vento e um abrigo
contra a tempestade... Isaías 32:2
Quando eu era menino, uma canção
muito famosa encheu os lares do mundo todo, ora na voz de Elvis Presley, ora na
voz de Paul Simon, cujo tema dizia: ponte sobre águas
turbulentas. E a canção,
de uma beleza magistral, ocupava mentes e corações,
anunciando sua mensagem. Há alguns anos, a
moderna hinologia evangélica nos brindou com
uma canção de apelo
devocional intenso, onde o adorador se oferece a Deus, dizendo:... como um farol que brilha à noite, como ponte
sobre as águas, como abrigo no deserto, como seta que acerta o alvo, quero
ser usado, da maneira que Te agrada... Belíssimo!
Mas todo o lirismo encerra uma mensagem divina, um apelo do céu
ao crente, que atravessa os milênios desde os dias
de Abraão até
o crente de nossos dias, sobre o qual o céu
se debruça na esperança
de uma resposta à altura de um sonho
divino.
Nem sempre as águas
são turbulentas. Maioria das vezes, são
águas turvas que rolam, incessantemente.
E como são turvas, não
apenas águas- que por si só
assustam- apavoram, porque em lhes faltando luz, transparência,
intensificam sua imagem funesta, seus segredos de horror. Águas
turvas nos lembram os rios turbulentos em épocas
de cheia, águas negras como do
Rio Negro no Amazonas, barrentas como as dos rios caudalosos, ou sujas, como as
do Tietê nas cercanias e
centros de São Paulo, ou as águas
da Baía da Guanabara, entre outras. Nada queremos com elas, mas temos que atravessa-las,
e por isso desejamos e procuramos pontes, que nos acessem de sobre elas, ao
outro lado, a uma continuidade de nosso trânsito
e destino.
Águas
turvas não são
aquelas que nos atraem, em canções que dizem:”Leva-me
para águas de descanso...”
ou: “águas que fluem do trono de Deus...”
Não. As águas
turvas encerram histórias de desafetos,
desatinos, angústias, aflição
de espírito, perdas,
pecados, traições, ruínas,
mortes, doenças, flagelos
pessoais: domésticos,
profissionais; sonhos desfeitos, desilusões,
amarguras e tantas outras tempestades da vida humana, quanto seja o tempo da
história humana na terra.
Funcionam
como ameaça, vorazes. São
águas de impedimento a uma continuidade
altaneira e sadia, bem sucedida e desejada, sonho almejado e acarinhado em oração.
Águas turvas não
são opção
de navegação ou nada oferecem
que significa prazer, quando a navegação
é inevitável.
Buscam-se pontes.
As pontes, por sua vez, são
escape, possibilidades, vias de acesso, livramento, segurança,
garantia e coisas que tais, quando as águas
interrompem o caminho. E se as águas são
turvas, mais procuradas as pontes serão.
Entre um barco sobre as águas, e o desvio via
uma ponte, esta é preferida. Mas algumas vezes a ponte não
traz um estilo faraônico, como a ponte
de Chicago ou a ponte Rio-Niterói, esta sobre águas
turvas. Nem são possantes como as
que oferecem travessia, ao longo das marginais do Tietê
em São Paulo. E por estas, tão
maciças e garantidas, atravessamos sem
pensar e sem sentir. E quando as pontes não
têm isto a oferecer, mas são
pontes de madeira, algumas frágeis, apequenadas,
estreitas, amarradas por cordas que mais parecem cipós,
ou ainda que robustas, feitas de tábuas
e mourões, a travessia
exige coragem, confiança ampliada, consulta
a terceiros: “É segura?”
e ainda assim, atravessa-se ansioso. Especialmente se for de carro. Uma ou
outra, ela se torna uma inevitabilidade, uma opção
graciosa para quem necessita atravessar, continuar, ir em frente.
Fomos postos como pontes sobre águas
turvas, nós os crentes “que
seguimos as pegadas da fé que teve nosso pai
Abraão”. A grande maioria de nós,
quer ser o passageiro da ponte, o transeunte, que dela se serve, nem mesmo
agradecido. Mas todos nós fomos chamados
para sermos pontes. E pontes que se deitam sobre águas
turvas alheias, às vezes sobre as
vidas de nossos próprios familiares.
Fortes ou fracas, e desta forma
inspirando ou não confiança,
atraentes ou temidas, somos a oferta de travessia segura sobre águas
sem luz, turbulentas e perigosas; destruidoras e fatais, muitas vezes. Nem
sempre nos podemos oferecer como as robustas pontes de concreto, obras
premiadas da engenharia moderna. Mas às
vezes não passamos de uma
pinguela despretenciosa e insegura, que também
serve para favorecer a travessia. Outras tantas, somos pontes de madeira
ruidosa, que range quando dela se servem os que precisam passar, como que
ressentidas pelo peso de seus usuários.
Estas assustam mais, mas ainda assim, indispensáveis,
como opção única
entre continuar ou enfrentar águas escuras.
No plano divino, fomos postos como
pontes. E devemos ocupar o lugar que cabe às
pontes: posicionadas sobre as águas, longe ou próximas
a elas, mas como via de escape para quantos precisam delas estar livres.
As pontes, bem posicionadas e de que
se servem gerações de usuários,
tornam-se referências históricas,
memoriais, pontos de encontro. Mas nada
pode ser pior que uma ponte que desaparece no ponto de travessia, e interrompe
o curso de tudo. As pontes que faltam, que se fecham, que se deixam levar pelas
águas. Estas existem também.
E seu memorial é funesto, é
trágico, é
decepcionante.
As águas
correm, turbulentas ou não; turvas ou claras.
E todos precisam passar sobre elas. Mas somente o crente foi chamado e
capacitado a ser ponte sobre águas para quem precisa
chegar lá, atravessar, opção
de escape e continuidade da rota que ameaça
ser interrompida. Ou somos a ponte, ou alguém
será levado pelas águas.
Creio que a canção-oferta,
é oração
que não pode faltar na vida de todo crente
fiel Àquele que o chamou à
fé em Cristo Jesus: ...como ponte sobre as águas...quero ser usado da maneira que
Te agrada...
Pr. Cleber Alho