quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Verdade Libertadora



Jesus dizia, pois, aos judeus que criam nele: Se vocês permanecerem na minha palavra, verdadeiramente serão meus discípulos; E conhecerão a verdade, e a verdade os libertará.
Responderam-lhe: Somos descendência de Abraão, e nunca servimos a ninguém; como dizes tu: Serão livres? Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade lhes digo que todo aquele que comete pecado é servo do pecado. Ora o servo não fica para sempre em casa; o Filho fica para sempre. Se, pois, o Filho os libertar, verdadeiramente serão livres - João 8: 31-36.

Este é um dos textos centrais da mensagem evangélica: "Conhecerão a verdade e ela os libertará".

Ela tem pontos relevantes, de significação marcante: foi declarada pelo próprio Senhor Jesus; aponta para uma realidade e não para uma filosofia - a verdade que produz, realiza, que faz algo acontecer; identifica esse algo: libertação; dá pertinência a essa libertação: do pecado (v.34).

E assim, esta mensagem evangélica recebe particularidades contra generalizações.

Temos então estes três pontos relevantes a destacar nesta palavra:

1- De que verdade ela fala?

Todas as palavras do mundo têm a pretensão de serem a verdade ou a súmula dela. Desde os discursos políticos aos dogmas religiosos, passando pelas máximas dos filósofos e teses científicas. Isto estabelece uma questão: por que o ser humano tem tamanha necessidade de assumir uma verdade? O que esse construto significa?

Talvez porque essa necessidade fale de um norte a ser seguido. Aponta uma angústia psíquica e espiritual quanto a achar o que é certo, encontrar o rumo, ter posse de certezas. O ser humano tem necessidade de se encontrar, de achar seu próprio caminho. Dá-se conta disso desde muito cedo. No início da vida assumimos como verdade a verdade que o outro segue e dita, e não questionamos porque nos falta meios para isso. É a verdade dos pais, professores, amigos. Depois nos descobrimos perdidos, maioria das vezes.

Jesus põe fim a essa angústia quando comunica que Ele próprio é a Verdade. Ele não é uma verdade, mas a própria. Ele assume isso quando comunica que o Filho, como a Verdade, opera a libertação. Sim, Ele é o Logos, séculos antes proclamado. Por isso assumiu-Se como essa Verdade que liberta. E por ser verdade, estabelece esse rumo buscado, libertando dos labirintos existenciais, como a palavra divina que manifestou-se como princípio criador, em Gênesis, ditando fatos, criando realidades.

2- De que libertação ela fala?

É uma libertação ativa, personalizada. Os ouvintes dEle ficaram confusos porque entendiam-se livres. Personificavam a experiência humana geral: escravos sem o saber. Jesus disse: "Vocês são escravos". Escravos do que não sabem: do pecado.

Escravidão silenciosa e oculta. A pior delas: prisioneiros de SPA ou num SPA, como quem usufrui o que lhe permitem mas não o que deve e pode ser. Semelhante a José, filho de Jacó, nas cadeias de Faraó. Movia-se como um bem sucedido administrador dos presos, mas o fazia sob cadeias. Seu lugar era no palácio do rei.

Como evangélicos adquirimos o mau hábito de florear e condicionar essa libertação. Não é libertação de doenças, da pobreza ou de opressões políticas. Nem é um compromisso com questionáveis operações demoníacas, mas com o germe de tudo: o pecado.

E então nos deparamos com o alvo da libertação: o pecado.

3- De que pecado ela fala?

Ouçamos Jesus: O pecado que dita nossa maneira de viver (vv.34 e 35), ou seja, fora da casa do Pai e dos Seus critérios, como não sendo filhos.

É como nos ilustra o moço da parábola de Lucas 15:11, o filho jovem que saiu de casa. Sai de casa e perde seu lugar de filho, porque presumia-se apto para gerir a própria vida e supunha que seria livre fora da casa do pai. Em casa não se sabia livre e julgou por liberdade o viver por sua própria conta, longe da presença do Pai, fora dos limites. Afastou-se da fonte dos recursos existenciais. Só lá fora é que se deu conta de que mesmo os que não eram filhos da casa estavam vivendo melhor do que ele só por estarem próximos do seu pai.

O pecado como princípio regente da vida, o princípio que a natureza humana rebelde cumpre, longe da obediência à Verdade que nos ensina o lugar sob o teto e dependência do Pai.

Interessante perceber que o homem se acha livre por viver sua própria verdade, e Jesus lhe faz saber que ele está escravo dentro dela. O compromisso da Verdade Jesus é nos livrar do engano do pecado.


Voltemos ao texto, no seu início (v.31). Há como que um método para usufruir-se a libertação pela Verdade. É preciso conhecê-la e o ponto de partida não é um dogma, pensamento religioso ou atos de culto. Antes é estar firme na Palavra que nos transforma em Seus aprendizes, discípulos. Os movimentos apontados por Jesus são significativos e servem para bloquear dogmatizações: primeiro, ficar firme na Palavra para sermos Seus discípulos, o que é por si só um segundo movimento. Esses dois estabelecem um binômio: firmados na Palavra e ser discípulos. Então daí resulta conhecer a Verdade. Este terceiro movimento fala de uma experiência que ultrapassa em muito a idéia de saber a respeito de, ou tomar conhecimento sobre, o que seria palmilhar em teorias religiosas. Mas intimismo, proximidade: conhecer. Então daí resulta libertação, que é o fruto do arrependimento de ser pecador: perdão.

Deus abençoe sua vida de filho da liberdade.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Empedramento dos Sonhos




E a mulher de Ló  olhou para trás e ficou convertida numa estátua de sal - Gênesis 19:26.

Lembrem-se da mulher de Ló -  Lucas 17:32


Não há ninguém que possa avançar com os olhos voltados para trás.

Olhos que se prendem ao passado produzem visões retrógradas, engessantes. Falo do passado não didático, mas eivado de más memórias, ou cuja memória é um padrão estagnador contra a coragem de avançar e crescer, do tipo tradição de família, religiosa e semelhantes.

Olhar para trás assume sentidos bem diversificados, ora significando saudosismo, ora significando mágoas, ou mesmo traumas. Estes então servem mais que qualquer outro ao processo de empedramento dos sonhos. A traumatização tem o poder de confundir passado com presente, burlando a vigilância consciente. Eles são de várias ordens, e o mais engessante deles é o trauma afetivo .

Mas não devemos desconsiderar o olhar para trás como a experiência de não conseguir soltar laços vencidos, ultrapassados, já há muito requerendo substituição para modernizarem-se. Outras vezes atende ao movimento de toda a estrutura intrapsíquica, que detém o germe da vontade, voltando-se ao passado por apegos mórbidos, encarquilhados. É próprio da realidade daqueles que, mesmo vivenciando uma nova caminhada na vida de fé, sentem-se atraídos por saudosismo a um caminhar que não mais pertence à estrada da nova vida em Cristo. E isso aponta para ambientes e práticas mundanas que passam por cima da barreira da renúncia pretendida e requerida pelo Senhor Jesus, aos que se dispõem a segui-Lo. E o avançar se revela comprometido.

É próprio de tal movimento a imagem criada por Jesus quando disse: "Ninguém, que lança mão do arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus"- Lucas 9:62.

É também de que nos fala o surpreendente e incomum relato bíblico sobre a mulher de Ló. Mulher sem nome, cujo único nome que a imortalizou foi um título: Estátua de Sal. E revestida a imagem da linguagem neotestamentária, transforma-se numa interessante metáfora: de sal, mas estátua. E uma vez estátua, é sal empedrado, e como tal, mortífero, porque cheio de ácidos corrosivos, sem condições de temperar a vida. E essa triste metáfora atende bem ao sentido de uma vivência que se deixou cativar pelo passado arruinado ou que deveria ter sido deixado em ruínas, porque ponto de um juízo divino.

O que levou aquela mulher a desobedecer temerariamente à ordem angélica e parar sua corrida de escape para contemplar o sítio da destruição? Curiosidade apenas? Ou seria o impulso de voltar os olhos com pesar a uma vida que julgada por Deus e condenada à destruição, movia nela um lamento profundo, de perda forçada sem a motivação da renúncia? Penso que é por aí. Ficou empedrada, presa na derradeira contemplação. Em seu coração, ainda que fisicamente este não fosse seu movimento, ela se voltou para o sítio condenado, e sofreu o mesmo juízo. Ela sabia o que havia ficado lá: uma civilização condenada por seus excessos e luxúria. Mas era também tudo quanto a identificava.

Na lida cristã, do ponto de observação pastoral, vejo muitos filhos de Deus se empedrando, inviabilizando seu avanço por voltar os olhos e o coração a uma vivência que, pertencendo ao velho homem, deveria ter ficado para trás. A fé se move ou nos move na direção contrária. Para a frente e para o alto, porque nutre a esperança e a esperança inspira, engendra sonhos.

O contexto em que Jesus fez Seu pronunciamento revela o significado de sua advertência ao dizer: "Lembrem-se da mulher de Ló". Ele falava da necessidade de uma corrida e de um posicionamento para longe do sítio do juízo divino, corrida que para ser eficaz não pode admitir procrastinação ou recuos. Do nível da ultramilenar mensagem que disse: " O justo por sua fé viverá, mas se ele recuar, minha alma não terá prazer nele" (Hc. 2:4). E esse recuo não aponta necessariamente desvio, desistência da vida cristã, antes, desistência de um viver pela fé, a favor de um viver pela vista, segundo modelismos humanos, vias carnais de se perpetrar o devir existencial.

O apóstolo Paulo, do alto de sua paixão por Cristo declarou aquilo que devemos tomar como método para uma  vida que pode e deve avançar: "Mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus" (Filipenses 3: 13 e 14). Porque a proposta que nos é apresentada é correr, e correr para o que está adiante, e não lá atrás, como foi dito: "Corramos com perseverança a carreira que nos foi proposta, olhando firmemente para Jesus, Autor e Consumador da fé" (Hebreus 12: 1 e 2). O contrário disso, é se empedrar, estagnar-se como quem se engessa, e daí perder os sonhos e suas realizações.