Mas quando você orar, vá
para seu quarto, feche a porta e ore a seu Pai, que está em secreto. Então seu
Pai, que vê em secreto, o recompensará. E quando orarem, não fiquem sempre
repetindo a mesma coisa, como fazem os pagãos. Eles pensam que por muito
falarem serão ouvidos. Não sejam iguais a eles, porque o seu Pai sabe do que
vocês precisam, antes mesmo de o pedirem. Vocês orem assim:
Pai
nosso, que estás nos céus! Santificado seja o teu nome. Venha o teu Reino; seja
feita a tua vontade, assim na terra como nos céus. Dá-nos hoje o nosso pão de
cada dia. Perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores.
E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal, porque teu é o Reino,
o poder e a glória para sempre. Amem. Mateus
6: 6-11.
A
oração é um mistério. Por isso é mística. Mas não deve ser mítica. Ela se torna
mítica quando vira reza, um mantra escrito, onde as palavras adquirem poder
para o recitador, ou mesmo o ambiente do seu registro, como a folha em que o
texto está.
Talvez
por conta do seu misterioso caráter a oração seja vivida ou praticada com
tantas distorções e tão pobremente.
Ela
não é patrimônio do cristianismo e nem foi inventada pelo judaísmo. Todos os
povos da antiguidade praticavam a oração a seus deuses e maioria das vezes
através de rituais sacrificiais.
O
Cristianismo bíblico foi quem posicionou a oração com objetividade e
intensificou sua transcendência, porque o judaísmo, através de seus rituais e
sacrifícios, dava visibilidade à oração ao mesmo tempo em que punha um alto
senso de distanciamento entre quem orava e Deus, mas o Cristianismo isolou a
oração de tudo isso, elevando-a e colocando-a num terreno onde somente os olhos
da fé podem enxergar, criando aproximação entre o adorador e seu Deus.
Mas
prevalece o seu caráter misterioso.
Quero
destacar alguns pontos que sustentam isso:
1- Jesus,
na oração modelo, a circunscreve à
Pessoa de Deus, na qualidade de Pai: Pai
nosso que estás nos céus...
-
Ficam de fora outros agentes, como anjos, santos, etc, e outras categoriais
relacionais: mãe, irmão, espíritos, etc. É o suplicante como filho diante do
seu Deus, como Pai, sem intermediários.
2-
Jesus a coloca sob condicionamento e
dependência: Tudo o que pedirem ao
Pai em Meu Nome,
Ele atenderá... Jo. 16: 23 e 15:16.
3-
E o mistério começa:
-
O que pedir?
O
pão nosso, de hoje, para hoje (provisão);
O perdão ( canais abertos, paz );
O livramento (proteção) do Mal.
-
Mas, sob critérios:
Mt.
6:6 - Mas quando você orar, vá para seu quarto, feche a porta e ore a seu
Pai, que está em
secreto. Então seu Pai, que vê em secreto, o recompensará
(intimismo pessoal);
Mt. 6:7 - E quando orarem, não fiquem sempre
repetindo a mesma coisa, como fazem os pagãos. Eles pensam que por muito
falarem serão ouvidos (sem repetições);
Mt. 6:8 - Não sejam iguais a eles, porque o seu Pai sabe
do que vocês precisam, antes mesmo de o pedirem (consciente
de que o Pai que ouve sabe da razão
da petição, antes que ela seja verbalizada).
Ora,
se associamos esta informação a outras paralelas como:
- Isaías 65:24 – Antes de clamarem, eu responderei; ainda não estarão falando, e eu os
ouvirei.
- Romanos 8:26 – Da mesma forma o Espírito nos ajuda em
nossa fraqueza, pois não sabemos como orar, mas o próprio Espírito intercede
por nós com gemidos inexprimíveis.
- Efésios 3:20 - Àquele
que é capaz de fazer infinitamente mais do que tudo o que pedimos ou
pensamos...
Resta
uma lógica: Por que orar, ou para quê orar, diante de tais afirmações?
No
entanto, somos instados a orar.
Primeiro
por Jesus: Vocês orarão assim... Depois,
temos o apóstolo Paulo nos exortando em I Ts. 5:17 a orar sem cessar e ainda há todo um contexto de narrativa bíblica de
homens e mulheres com intensa vida de oração, fora os muitos relatos de atos
divinos ocorrendo em resposta direta à oração do crente, ora operando
fenômenos, ora alterando decisões por Ele previamente anunciadas como nas
histórias de Josué e do rei Ezequias. Ainda temos, dentre tantas, a exortação
de Tiago a orarmos uns pelos outros.
Não
podemos deixar de considerar o fato de que a Bíblia registra várias
intervenções divinas na história pessoal de alguns personagens, onde situações
ocorreram sem exercício de petição alguma, como a reversão da esterilidade da
mulher de Manoá, a mãe de Sansão. Também incontáveis vezes Deus interveio a
favor de alguém em resposta à intercessão de outrem: A Igreja a favor de Pedro; A
Sulamita, por Eliseu; a viúva de Sarepta, por Elias, etc. O próprio Senhor
Jesus orava ao Pai para que algumas coisas ocorressem, ora de forma explícita,
como na ressurreição de Lázaro, ou na interferência a favor de Pedro num
momento de tentação, ou dando graças, como na última ceia; ora de forma
implícita, apenas elevando os olhos aos céus... ou no Getsêmani, com
perseverança!
E
então ficamos entre duas frentes que parecem contraditórias: Deus ouvindo
orações que Ele bem pode dispensar, e Deus exigindo orações que Ele pode tanto
atender, quanto não atender.
E
eis aí o mistério!
O
que estaria por detrás de tudo isso para que a oração possa ser uma realidade
experiencial na vida cristã, sem resvalarmos para os tropeços, os laços de uma
racionalidade desdenhosa?
Bem,
entendo que há algum ensinamento que, se não esclarece o mistério, torna-o
inteligível para a fé: Somos informados em Romanos
8:26,27 e 34 e em Hebreus 7:25
que nossas orações são como que filtradas pelo que as Escrituras chamam de intercessão pessoal do Espírito Santo e
do próprio Senhor Jesus.
À
luz disso, entendemos que o tudo o que
pedirem ao Pai em Meu Nome... deixa de ser uma fórmula, para, associada à verdade de que o Espírito
Santo habita no interior do crente em Jesus, passa a ser um estado, uma essência. Também entendemos porque nem tudo o que dizemos em oração
é atendido e isso está atrelado ao Seja feita a Tua vontade na terra assim
como é feita nos Céus...
Mas
ainda fica a questão: Por que o crente deve orar sem cessar?
Por
sem cessar é bom que entendamos algo
que extrapola tempo, lugar e forma, como Jesus ensinou em João 4, sobre a
adoração. E então, à luz de João 4: 23 e
24, podemos entender que o que Deus deseja e pretende através de nosso
exercício espiritual de oração, é nossa
presença, aproximação pessoal como adoradores, e isso tanto explica Mateus 6:6, quanto Hebreus 10: 19-22, que diz: Portanto,
irmãos, temos plena confiança para entrar no Santo dos Santos pelo sangue de
Jesus, por um novo e vivo caminho que ele nos abriu por meio do véu, isto é, do
seu corpo. Temos, pois, um grande sacerdote sobre a casa de Deus. Sendo assim, aproximemo-nos de Deus com um coração sincero e com plena convicção de fé, tendo os
corações aspergidos para nos purificar de uma consciência culpada, e tendo os
nossos corpos lavados com água pura.
Entendo,
por fim, que o mistério da oração se resume em nossa confissão de dependência divina, como fica tão patente na
experiência do Senhor em oração no Getsêmani, conforme Marcos 14:36: ...Aba, Pai, tudo te é possível. Afasta de mim
este cálice; contudo, não seja o que eu quero, mas sim o que tu queres.
Também
é nosso exercício de aproximação
adoradora, como ouvimos no ensino de Jesus à Samaritana.
E
então penso naqueles que pouco oram e se enfadam rápido dos momentos de oração,
porque para a grande e esmagadora maioria a oração é um exercício petitório, que por maior que
seja sua ambição, se resume nisso, e fica pobre e vazia. Por mais que se tenha
o que pedir, nem os mendigos de rua o fazem sem
cessar. Mas ela se torna ampla e sem
cessar se for vista como veículo de
aproximação entre partes, canal aberto de comunhão, vivência de filhos com
seu Pai, como um respirar.
Pr. Cleber Alho