Muito antes da
confissão evangélica ser invadida pelos pressupostos da teologia da
prosperidade, uma tendência à distorção, na esteira da qual a heresia se
imiscuiu, já se fazia perceber a partir do condicionamento imposto aos crentes
por muitos púlpitos que insistiam em reduzir o senso de adoração e busca de
Deus aos possíveis favores divinos. Descer da posição de adorador para
negociador foi fácil.
Hoje, num
cenário em que nossa confissão bastante desprovida de sua genuinidade permitiu-se
receber as lentes que reduzem a adoração a atos
petitórios e de barganhas com Deus, que O destronam para ficar atrás dos
balcões dos desejos e exigência confessionais,
é fácil perceber a distinção entre o religioso e o adorador. Como a profecia, por
seu próprio caráter, se antecipa a todo cenário, é nela que podemos
(re)-aprender o discernimento dessa distinção. Nela destacam-se dois perfis.
Vamos avaliá-los e convido você a fazer as conclusões concernentes.
Refiro-me à
história de duas mulheres importantes na economia divina quanto à gênese da
encarnação do Messias: Noemi e Rute. Lendo o curto e objetivo livro histórico,
vemos o desenrolar dos padrões característicos da confissão que estabelece
nítida distinção entre as duas, ao mesmo tempo em que as assemelha aos
descendentes espirituais dessa história.
Houve uma
tragédia vitimando aquela família. Elimeleque, acompanhado de seus dois filhos
viaja para a região gentílica, Moabe, com sua esposa Noemi, porque um flagelo
havia vitimado sua terra e povo. Em busca da sobrevivência tornam-se os
retirantes em terra alheia. Ele morreu ali, pouco tempo depois. Seus dois
filhos se casaram com mulheres da terra: Órfa e Rute, mas também vieram a
morrer dez anos depois que ali se instalaram e isso antes de darem netos a
Noemi. Ao rever sua triste sina, Noemi conclui: ...a mão do Senhor voltou-se contra mim! E disse mais: Não me chamem Noemi (agradável), melhor que me chamem de Mara(amarga), pois o Todo-poderoso tornou minha vida
muito amarga! De mãos cheias eu parti, mas de mãos vazias o Senhor me trouxe de
volta. Por que me chamam Noemi? O Senhor colocou-se contra mim! O Todo-poderoso
me trouxe desgraça!
E aí foi
inaugurada, via a teologia desagradável de uma mulher amarga, a confissão que
estabeleceu a premissa distorcida: Se
Deus não é por mim, é contra mim. Não só. Aí também foi estabelecida a
confissão que determinava: “Ele só é Deus quando me favorece”. Ou pior: “Só
entendo dEle quanto a benesses e favores”.
Essa confissão é
transmitida a duas discípulas em potencial: Órfa e Rute. O texto de Rute 1:
11-15 revela que Noemi sugeriu o deus da terra como opção viável para as duas
discípulas. Ainda insistiu com Rute que atendesse à decisão da concunhada que
optou por voltar para o seu deus.
Estaria Noemi fazendo uma confissão velada dessa mesma troca? Seria seu plano B caso o retorno para Efrata não desse
em coisa boa? Muitos séculos depois ouvimos do seu santo e divino descendente: A boca fala do que está cheio o coração.
Apesar desse
testemunho equivocado a respeito de um Deus que parecia caprichoso,
temperamental e pouco acessível, Rute desponta com uma confissão que não apenas
contraria o conselho de sua discipuladora, mas o ultrapassa em grandeza. Ao
dizer à sua sogra: O teu povo será o meu
povo e o teu Deus será o meu Deus, Rute nos faz pensar: O que a teria
levado a insistir, contrariando o conselho de sua sogra, em buscar um Deus
apresentado sem nenhum atrativo, pelo contrário, perigoso e injustificadamente
punitivo segundo aquela confissão? Ou seu marido a discipulou com um credo que
contrariava a ótica confessional de sua própria mãe, e ela teria aprendido a
conhecer esse Deus por intermédio dele, ou ela conseguiu vê-Lo acima e melhor
que o retrato que dele o “púlpito” doméstico fez. A verdade é que Rute
decide-se por buscar esse Deus de Israel apesar das prerrogativas negativas
sobre Ele apresentadas. Algo do tipo: “Ruim com Ele, pior sem Ele”. Ou ainda:
“Ele, e só Ele, quer faça ou deixe de fazer”. Nesse momento, a confissão de
Rute, a gentia, nos aponta o embrião confessional de uma igreja seguidora, do
padrão confessional de uma Marta, um Pedro e um Jó, que afirmaram sua confiança
e o querer seu Deus num contexto de tragédia e frustrações pessoais de grande
monta ( Cf. João 11; 6:68 e Jó 2:10). Mais para a frente, vemos num jogo de
palavras entre Boaz e Rute a reafirmação de que ela optou decididamente por
viver dentro das fronteiras do Deus do povo de seu falecido marido ( Cf. 2: 11
e 12).
Mas, o que
devemos aprender em tudo isso? Eis a oportunidade que continuamente se repete
na história dos crentes em Jesus, para assumirem a posição de adoradores! Todo
aquele que não ultrapassa o limiar de uma visão que, em meio às fatalidades da
vida, faculta-lhe a opção de adorar seu Deus, se aniquila numa confissão
reduzida que despreza a soberania divina a favor de favoritismo temporal.
Reduz-se a um confessor que se entende com “direitos” justificados sobre Deus e
os atos de Sua vontade.
Ou cresce,
ultrapassa o limiar para, em meio às vicissitudes assumir: “Eu O quero; Eu O
adoro”. Porque assume que o compromisso do Deus revelado em Jesus não O reduz a
facilitador existencial por vias temporais ou interrupções de crises
existenciais que transitam as vias da provação.
Podem crer que o Senhor está comigo e por isso é Deus
num mundo em que terei aflições.
Ficar aquém da oportunidade de confessá-Lo como Deus a despeito das dores e
mágoas é comprometer-se a sucumbir ao desamparo e desespero dos que, longe de
crescer na graça por aprender que enquanto
sou fraco é que sou forte, exigem a retirada do espinho, e se Deus insiste
em permitir o espinho, O amaldiçoam com sentimentos, palavras e atitudes.
O crente Noemi
sempre verá em Deus uma dicotomia, uma cisão entre o bom e o mau. Psicotiza.
O crente Rute
cresce quando em meio a dor, em lugar de se aniquilar e se ver perseguido,
desamparado e maltratado, vai querê-Lo e confessá-Lo como o fez Jó: Sem dúvida, ó Deus, Tu me esgotaste as
forças; deste fim a toda a minha família. Tu me deixaste deprimido... Eu estava
tranqüilo, mas Ele me arrebentou; agarrou-me pelo pescoço e esmagou-me. Fez de
mim o Seu alvo... Apesar disso, concluiu e confessou: Saibam que agora mesmo a minha testemunha está nos céus; nas alturas
está o meu advogado. O meu intercessor é meu amigo, quando diante de Deus
correm lágrimas dos meus olhos; ele defende a causa do homem perante Deus, como
quem defende a causa de um amigo – Jó 16: 7-9; 19-21. Assombra que, em meio
a tudo isso, esse servo de Deus teria declarado: Embora Ele me mate, ainda assim
esperarei nEle- Jó 13:15.
No temor
dEle,
Pr.
Cleber Alho