quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

CASA DISPONÍVEL

Convido você a refletir comigo sobre a singeleza deste relato feito por Lucas (22:7-14): 

Finalmente, chegou o dia dos pães sem fermento, no qual devia ser sacrificado o cordeiro pascal. Jesus enviou Pedro e João, dizendo: 'Vão preparar a refeição da Páscoa. 
Onde queres que a preparemos?', perguntaram eles. Ele respondeu: ' Ao entrarem na cidade, vocês encontrarão um homem carregando um pote de água. Sigam-no até a casa em que ele entrar e digam ao dono da casa: O Mestre pergunta: Onde é o salão de hóspedes no qual poderei comer a Páscoa com os meus discípulos? Ele lhes mostrará uma ampla sala no andar superior, toda mobiliada. Façam ali os preparativos.'
Eles saíram e encontraram tudo como Jesus lhes tinha dito. Então, prepararam a Páscoa. Quando chegou a hora, Jesus e os seus apóstolos reclinaram-se à mesa."

Acredito que tanto quanto a mim, também a você causa admiração o poder profético e onisciente do Filho de Deus, nas minúcias com que detalha os meios para os preparativos da Páscoa.

Mas o que no momento me chama a atençãé o fato da disponibilidade da casa desse ilustre desconhecido. Nenhum dos quatro evangelistas nos dá seu nome ou sequer o coloca entre os familiares ao Senhor Jesus. Até onde depreendemos ele não conhece Jesus, mas não reluta em ceder sua casa como quem obedece a uma ordem irresistível. Por certo ele era judeu, e como tal também estava no limiar de celebrar a festa magna das observâncias da fé judaica que era feita na companhia dos familiares, tal como Moisés havia orientado. Mas aquele homem cede o espaço  de sua casa, previamente preparado, e em cada relato nós o procuramos depois, mas os textos todos mostram que somente Jesus e os doze participam dessa mesa onde foi instituído o célebre memorial cristão. O relato em João nos faz entender que Jesus estendeu-Se ali proferindo um longo discurso, lavando os pés aos discípulos, discorrendo sobre a promessa do Espírito Santo e fazendo a solene oração pela unidade da Igreja. Mateus e Marcos nos dizem que a longa reunião encerrou-se com o cântico de um hino. E foram-se. Ninguém arrumou nem limpou nada para deixar a casa na ordem encontrada. Marcos registra que ao enviar o recado ao dono da casa Jesus teria dito: "Onde é Meu salão de hóspedes, no qual poderei comer a Páscoa com os meus discípulos?" (14:14). E o proprietário fica de fora.

Essa disponibilidade desprendida desse homem quanto à sua casa para o Senhor, me surpreende. E outro tanto a leveza, certeza e segurança com que Jesus Se apropria da casa.

Em paralelo temos outros relatos semelhantes: "Zaqueu, desça depressa. Hoje me convém pousar em sua casa" (Lucas 19:6). Mateus também cita uma casa especial em Betânia, a casa de Lázaro e de suas irmãs Marta e Maria onde era frequente Jesus pernoitar e sempre levando consigo os doze outros homens (Mateus 21:17). Marcos nos faz pensar que isso era bastante corriqueiro (11:1,11 e 12). Lucas coloca Betânia como o último sítio no qual Jesus Se despede de Seus discípulos (24:50,51). E todos conhecemos a liberdade com que Ele usava aquela casa, relatada no evento em que Marta se vê assoberbada de tarefas para dar conta de servir tanta gente à mesa. Outro tanto João 12 nos brinda com a narrativa do extraordinário milagre que se opera naquela casa, por sinal, casa onde Ele fôra tão graciosamente honrado com a unção de nardo puro.

Lembro da casa que teve seu telhado desfeito por mãos de estranhos só porque queriam levar um aleijado ao Senhor que nela estava! E penso: uma casa pode sofrer tamanha desinstalação se Jesus estiver Se servindo dela!

Essas casas abnegadas, desprendidas!... A casa em Caná que lhe cedeu lugar de primazia e autoridade como se fosse chefe nela (João 2) e onde operou Seu primeiro milagre! 

Da primeira às tantas outras, algumas situações revelam-se marcantes: numa o proprietário perde espaço, vez e lugar; noutra, a estrutura é desfeita; ainda noutra, alvoroço, muito trabalho, agitação. Rotina alterada. Zaqueu se viu às voltas com um hóspede importante que chega sem aviso prévio. Em cada casa e em cada circunstância Ele recebe o lugar de autoridade máxima e quando a casa O recebe e não O honra, Ele aponta o erro (Lucas 7:44). 

Penso em nossas expectativas quanto a orar para que o Senhor ocupe lugar em nossas casas. Esquecemos que somos nós quem deve ceder espaço. À pergunta: Estamos prontos e disponíveis para Ele tanto quanto aqueles? A resposta imediata e precipitada por certo seria: "Sim! Eu quero!" Mas... Outros diriam: "Ora, se o Próprio Jesus viesse requisitar minha casa eu cederia sem pestanejar."

Ele o faz!

Ouça isto: "Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes" (Mateus 25:40). Complica um pouco, não?

Mas pode acontecer dEle estar à porta da casa, querendo entrar, encontrando-a cerrada: " Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo" (Apocalipse 3:20). Estremeço quando penso que Ele se viu posto do lado de fora da casa de toda uma igreja! Ao que parece, nenhum crente daquela localidade tinha as portas abertas para Ele.

É certo que Ele quer entrar, à Sua maneira; para agir como Lhe convém. Resta saber se ao abrirmos a porta, poderemos fazê-Lo assentar-Se à mesa conosco; ou diante do televisor na sala; nos quartos, área de serviço; escritório de trabalho...

Talvez nos caiba orar como o centurião: "Senhor, eu não sou digno de que entres em minha casa..."

Bem-aventurada a casa onde Jesus Se sente tãà vontade que nela entra mesmo quando está de portas fechadas (João 20:19).

Pela graça, Jesus Senhor, na graça e por causa dela, Te pedimos: "Fica conosco, pois a noite já vem; o dia já está quase findando" (Lucas 24:29).

Pr. Cleber Alho.

sábado, 12 de dezembro de 2015

De Águia e de Galinha

Como a águia desperta a sua ninhada, move-se sobre os seus filhos, estende as suas asas, toma-os, e os leva sobre as suas asas, assim só o SENHOR o guiou; e não havia com ele deus estranho. - Deuteronômio 32: 11 e 12.

Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha os seus pintos debaixo das asas, e não quiseste. - Lucas 13:34

Nunca cansaremos de nos surpreender com a linguagem didática, metafórica, de que Deus sempre Se serviu em diversos momentos na Revelação escrita para comunicar-nos Seus pensamentos. Duas figuras se destacam nessa dinâmica comunicativa e se emblemam em seus significados: a àguia e a galinha. A primeira no Velho Testamento e a segunda no Novo. A primeira tomada como referência dos atos de Deus a favor do Seu povo, investida de promessas. A segunda, tomada de igual maneira pelo Filho de Deus para escoar Seu lamento à indiferença desse povo, mas ainda retendo o peso de promessa subliminarmente.

A figura da águia no Velho Testamento percorre-o em quase toda a sua extensão, mas em caráter positivo somente em Deuteronômio, como sinal do cuidado divino e em Isaías como promessa para os que crêem e esperam em Deus. Nos demais casos ela aparece como ameaça e figura de juízo divino contra o povo rebelde ou seus inimigos, ou, mais excepcionalmente ainda em Ezequiel como uma das prováveis representações proféticas da glória de Deus em Cristo, o que é absorvido e repetido em Apocalipse.

Já a figura da galinha, citada num único episódio por Mateus e Lucas no momento em que Jesus faz Seu lamento sobre o povo de Jerusalém, é figura não comprovada, pois Jesus poderia ter dito apenas "a ave", mas o consenso aponta para galinha porque a palavra empregada pelos evangelistas indica ave doméstica, e a domesticação da galinha já estava presente no Oriente Médio desde o século VII a.C, e Jesus também faz referência ao uso do ovo, que se entende como sendo de galinha.

O que se destaca para nossa reflexãé o propósito do uso feito tanto por Deus Pai quanto por Deus Filho. É uma linguagem própria da graça, repleta de ternura, revelando-nos e atraindo-nos por oferta de cuidado e compromisso quanto à forma desse cuidado. A associação destes dois textos me remonta a um momento singular de ternura divina em que Ele Se expressa através do profeta Oséias, expondo a abertura de Seu coração para conosco: Como te deixaria, ó Efraim? Como te entregaria, ó Israel? Como te faria como Admá? Te poria como Zeboim? Está comovido em mim o meu coração, as minhas compaixões à uma se acendem. -  Oséias 11:8. É de tocante sensibilidade!

Mas nada menos que isso nos é oferecido nas metáforas criadas apelando à nossa fé sua entrega a esse amor divino. Examinemos as particularidades.

Há sensível diferença de formas na sutileza da escolha das figuras. A águia vem representar o agir do Deus Eterno, o Deus que Se manifestou a Israel nos dias de Moisés. E a figura da ave tem tudo a ver com a proposta de Deus à nossa fé. A começar pelo fato de que a águia é a ave das alturas. Ela tem vôos magistrais, pousa em lugares elevados, onde também faz seus ninhos, sejam árvores de grande porte, sejam elevadas escarpas de montanhas. Por ser ave das alturas, tem uma acuidade visual quase que exclusivamente sua, incomparavelmente superior à capacidade humana de abranger distâncias e detalhes somente com um olhar. Não só: a águia é rápida no desfecho pela busca da presa, atingindo velocidade no vôo de até 100 km/h, velocidade vertiginosa para os dias do Israel antigo, e hoje só ultrapassada pelo homem quando investido de maquinária adequada. Duas razões específicas explicam o porquê de seu ninho ser posto em pontos tão elevados. A primeiraé o instinto de proteçãà prole e segunda, o treinamento dessa prole para poder voar com a mesma maestria de que ela usa. Há um outro aspecto singular quanto ao cuidado da águia. Tanto o texto de Deuteronômio faz menção dele, o que reforça a intenção da oferta divina quanto é exatamente o que a vida no mundo animal prova: a águia treina seu filhote no vôo inaugural, forçando-o a saltar do ninho, mas colocando-se estratégicamente a postos para levá-lo sobre as asas em caso de perigo. E uma vez nessa posição, ela o desaba para que ele continue treinando. E em termos comparativos, uma acentuada diferença entre a águia e a galinha, é que a águia para suprir seus filhotes, afasta-se do ninho por quantas vezes e por quanto tempo se fizer necessário. Há um ir e vir. E no que respeita aos filhotes, presumo que eles estão sempre seguros de que por mais que demore, ela voltará, e o fará trazendo deliciosa provisão.

Mas, à luz do texto, há movimentos apontados, que se somam a essas características aqui elencadas para falar e estimular nossa fé e devemos estar atentos a eles, porque neles residem a proposta da promessa, atada ao advérbio: como. Como a águia. E quais são eles? Podem ser alinhados nos verbos em destaque: despertar, mover-se sobre, estender asas, tomar os filhotes, levá-los sobre asas e guiar.

Aí estão atraentes propostas ao exercício de confiança pela fé. Até onde se sabe, as águias não perdem filhotes para nenhum predador. Elas dão conta deles. E se fosse possível a essa ave falhar, o Deus que de sua imagem Se serve, jamais! A ênfase no verbo guiar que encerra ou reúne em si todos os movimentos anteriores, fala da condução da vida do crente, por Seu amoroso Pai Celestial. Próprio daquele que mandou o salmista dizer: Entrega o teu caminho ao Senhor. Confia nEle, e o mais Ele fará.

Diferentemente aparece a figura da galinha como a ave do chão, aquela que fica junto, que mexe na terra, que anda no ambiente doméstico e que para cuidar de seus pintainhos, anda com eles e os chama para junto de si. Aí está a perfeita figura do Deus Encarnado. Que desceu de Seu vôo para participar da vida terrena dos que Lhe foram confiados. Enquanto a águia vai e volta, trazendo alimento para seus filhotes, a galinha os ensina a ciscar em busca do seu, e o faz junto, participando, mostrando onde está o petisco e como dele podem servir-se. É a ave que se aproxima e aproxima de si. Daí seu movimento apontado no texto de Lucas serajuntar debaixo das asas. E de que isso fala, além de proximidade? Fala de proteção, esconderijo, segurança, descanso. Lembram: Venham a Mim, todos vocês que estão cansados e sobrecarregados...E encontrarão descanso para suas almas.Aleluia! Ele é o Deus que quer estar junto sempre: Estarei com vocês todos os dias... E em termos de proteção, é tocante ver a galinha em dias de chuva exposta a ela enquanto agasalha os pintainhos escondidinhos sob si. E no quesito perigo, Sua Palavra diz: Aquele que é nascido de Deus (Jesus) o guarda(ao crente) e o malígno não o toca. Vocês já tiveram a oportunidade de ver uma galinha defendendo sua ninhada do perigo? Ela usa valentemente seu bico e arremete furiosa. Jesus é Aquele que Apocalipse aponta como tendo em Sua boca uma espada afiada pela qual ferirá as nações: o poder de Sua Palavra de juízo.

Mas, seja na metáfora da águia ou seja na da galinha, vale atentar ao lamento divino, vertido por Jesus, o Deus que Se aproximou, que veio para perto: E não quiseste?

Deixem sua fé revestir-se da abençoada e cativante visão dessas sublimes promessas, porque tudo isso e ainda mais é o que temos nEle.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Verdade Libertadora



Jesus dizia, pois, aos judeus que criam nele: Se vocês permanecerem na minha palavra, verdadeiramente serão meus discípulos; E conhecerão a verdade, e a verdade os libertará.
Responderam-lhe: Somos descendência de Abraão, e nunca servimos a ninguém; como dizes tu: Serão livres? Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade lhes digo que todo aquele que comete pecado é servo do pecado. Ora o servo não fica para sempre em casa; o Filho fica para sempre. Se, pois, o Filho os libertar, verdadeiramente serão livres - João 8: 31-36.

Este é um dos textos centrais da mensagem evangélica: "Conhecerão a verdade e ela os libertará".

Ela tem pontos relevantes, de significação marcante: foi declarada pelo próprio Senhor Jesus; aponta para uma realidade e não para uma filosofia - a verdade que produz, realiza, que faz algo acontecer; identifica esse algo: libertação; dá pertinência a essa libertação: do pecado (v.34).

E assim, esta mensagem evangélica recebe particularidades contra generalizações.

Temos então estes três pontos relevantes a destacar nesta palavra:

1- De que verdade ela fala?

Todas as palavras do mundo têm a pretensão de serem a verdade ou a súmula dela. Desde os discursos políticos aos dogmas religiosos, passando pelas máximas dos filósofos e teses científicas. Isto estabelece uma questão: por que o ser humano tem tamanha necessidade de assumir uma verdade? O que esse construto significa?

Talvez porque essa necessidade fale de um norte a ser seguido. Aponta uma angústia psíquica e espiritual quanto a achar o que é certo, encontrar o rumo, ter posse de certezas. O ser humano tem necessidade de se encontrar, de achar seu próprio caminho. Dá-se conta disso desde muito cedo. No início da vida assumimos como verdade a verdade que o outro segue e dita, e não questionamos porque nos falta meios para isso. É a verdade dos pais, professores, amigos. Depois nos descobrimos perdidos, maioria das vezes.

Jesus põe fim a essa angústia quando comunica que Ele próprio é a Verdade. Ele não é uma verdade, mas a própria. Ele assume isso quando comunica que o Filho, como a Verdade, opera a libertação. Sim, Ele é o Logos, séculos antes proclamado. Por isso assumiu-Se como essa Verdade que liberta. E por ser verdade, estabelece esse rumo buscado, libertando dos labirintos existenciais, como a palavra divina que manifestou-se como princípio criador, em Gênesis, ditando fatos, criando realidades.

2- De que libertação ela fala?

É uma libertação ativa, personalizada. Os ouvintes dEle ficaram confusos porque entendiam-se livres. Personificavam a experiência humana geral: escravos sem o saber. Jesus disse: "Vocês são escravos". Escravos do que não sabem: do pecado.

Escravidão silenciosa e oculta. A pior delas: prisioneiros de SPA ou num SPA, como quem usufrui o que lhe permitem mas não o que deve e pode ser. Semelhante a José, filho de Jacó, nas cadeias de Faraó. Movia-se como um bem sucedido administrador dos presos, mas o fazia sob cadeias. Seu lugar era no palácio do rei.

Como evangélicos adquirimos o mau hábito de florear e condicionar essa libertação. Não é libertação de doenças, da pobreza ou de opressões políticas. Nem é um compromisso com questionáveis operações demoníacas, mas com o germe de tudo: o pecado.

E então nos deparamos com o alvo da libertação: o pecado.

3- De que pecado ela fala?

Ouçamos Jesus: O pecado que dita nossa maneira de viver (vv.34 e 35), ou seja, fora da casa do Pai e dos Seus critérios, como não sendo filhos.

É como nos ilustra o moço da parábola de Lucas 15:11, o filho jovem que saiu de casa. Sai de casa e perde seu lugar de filho, porque presumia-se apto para gerir a própria vida e supunha que seria livre fora da casa do pai. Em casa não se sabia livre e julgou por liberdade o viver por sua própria conta, longe da presença do Pai, fora dos limites. Afastou-se da fonte dos recursos existenciais. Só lá fora é que se deu conta de que mesmo os que não eram filhos da casa estavam vivendo melhor do que ele só por estarem próximos do seu pai.

O pecado como princípio regente da vida, o princípio que a natureza humana rebelde cumpre, longe da obediência à Verdade que nos ensina o lugar sob o teto e dependência do Pai.

Interessante perceber que o homem se acha livre por viver sua própria verdade, e Jesus lhe faz saber que ele está escravo dentro dela. O compromisso da Verdade Jesus é nos livrar do engano do pecado.


Voltemos ao texto, no seu início (v.31). Há como que um método para usufruir-se a libertação pela Verdade. É preciso conhecê-la e o ponto de partida não é um dogma, pensamento religioso ou atos de culto. Antes é estar firme na Palavra que nos transforma em Seus aprendizes, discípulos. Os movimentos apontados por Jesus são significativos e servem para bloquear dogmatizações: primeiro, ficar firme na Palavra para sermos Seus discípulos, o que é por si só um segundo movimento. Esses dois estabelecem um binômio: firmados na Palavra e ser discípulos. Então daí resulta conhecer a Verdade. Este terceiro movimento fala de uma experiência que ultrapassa em muito a idéia de saber a respeito de, ou tomar conhecimento sobre, o que seria palmilhar em teorias religiosas. Mas intimismo, proximidade: conhecer. Então daí resulta libertação, que é o fruto do arrependimento de ser pecador: perdão.

Deus abençoe sua vida de filho da liberdade.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Empedramento dos Sonhos




E a mulher de Ló  olhou para trás e ficou convertida numa estátua de sal - Gênesis 19:26.

Lembrem-se da mulher de Ló -  Lucas 17:32


Não há ninguém que possa avançar com os olhos voltados para trás.

Olhos que se prendem ao passado produzem visões retrógradas, engessantes. Falo do passado não didático, mas eivado de más memórias, ou cuja memória é um padrão estagnador contra a coragem de avançar e crescer, do tipo tradição de família, religiosa e semelhantes.

Olhar para trás assume sentidos bem diversificados, ora significando saudosismo, ora significando mágoas, ou mesmo traumas. Estes então servem mais que qualquer outro ao processo de empedramento dos sonhos. A traumatização tem o poder de confundir passado com presente, burlando a vigilância consciente. Eles são de várias ordens, e o mais engessante deles é o trauma afetivo .

Mas não devemos desconsiderar o olhar para trás como a experiência de não conseguir soltar laços vencidos, ultrapassados, já há muito requerendo substituição para modernizarem-se. Outras vezes atende ao movimento de toda a estrutura intrapsíquica, que detém o germe da vontade, voltando-se ao passado por apegos mórbidos, encarquilhados. É próprio da realidade daqueles que, mesmo vivenciando uma nova caminhada na vida de fé, sentem-se atraídos por saudosismo a um caminhar que não mais pertence à estrada da nova vida em Cristo. E isso aponta para ambientes e práticas mundanas que passam por cima da barreira da renúncia pretendida e requerida pelo Senhor Jesus, aos que se dispõem a segui-Lo. E o avançar se revela comprometido.

É próprio de tal movimento a imagem criada por Jesus quando disse: "Ninguém, que lança mão do arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus"- Lucas 9:62.

É também de que nos fala o surpreendente e incomum relato bíblico sobre a mulher de Ló. Mulher sem nome, cujo único nome que a imortalizou foi um título: Estátua de Sal. E revestida a imagem da linguagem neotestamentária, transforma-se numa interessante metáfora: de sal, mas estátua. E uma vez estátua, é sal empedrado, e como tal, mortífero, porque cheio de ácidos corrosivos, sem condições de temperar a vida. E essa triste metáfora atende bem ao sentido de uma vivência que se deixou cativar pelo passado arruinado ou que deveria ter sido deixado em ruínas, porque ponto de um juízo divino.

O que levou aquela mulher a desobedecer temerariamente à ordem angélica e parar sua corrida de escape para contemplar o sítio da destruição? Curiosidade apenas? Ou seria o impulso de voltar os olhos com pesar a uma vida que julgada por Deus e condenada à destruição, movia nela um lamento profundo, de perda forçada sem a motivação da renúncia? Penso que é por aí. Ficou empedrada, presa na derradeira contemplação. Em seu coração, ainda que fisicamente este não fosse seu movimento, ela se voltou para o sítio condenado, e sofreu o mesmo juízo. Ela sabia o que havia ficado lá: uma civilização condenada por seus excessos e luxúria. Mas era também tudo quanto a identificava.

Na lida cristã, do ponto de observação pastoral, vejo muitos filhos de Deus se empedrando, inviabilizando seu avanço por voltar os olhos e o coração a uma vivência que, pertencendo ao velho homem, deveria ter ficado para trás. A fé se move ou nos move na direção contrária. Para a frente e para o alto, porque nutre a esperança e a esperança inspira, engendra sonhos.

O contexto em que Jesus fez Seu pronunciamento revela o significado de sua advertência ao dizer: "Lembrem-se da mulher de Ló". Ele falava da necessidade de uma corrida e de um posicionamento para longe do sítio do juízo divino, corrida que para ser eficaz não pode admitir procrastinação ou recuos. Do nível da ultramilenar mensagem que disse: " O justo por sua fé viverá, mas se ele recuar, minha alma não terá prazer nele" (Hc. 2:4). E esse recuo não aponta necessariamente desvio, desistência da vida cristã, antes, desistência de um viver pela fé, a favor de um viver pela vista, segundo modelismos humanos, vias carnais de se perpetrar o devir existencial.

O apóstolo Paulo, do alto de sua paixão por Cristo declarou aquilo que devemos tomar como método para uma  vida que pode e deve avançar: "Mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus" (Filipenses 3: 13 e 14). Porque a proposta que nos é apresentada é correr, e correr para o que está adiante, e não lá atrás, como foi dito: "Corramos com perseverança a carreira que nos foi proposta, olhando firmemente para Jesus, Autor e Consumador da fé" (Hebreus 12: 1 e 2). O contrário disso, é se empedrar, estagnar-se como quem se engessa, e daí perder os sonhos e suas realizações.