E a
mulher de Ló
olhou para trás e
ficou convertida numa estátua de sal - Gênesis 19:26.
Lembrem-se
da mulher de Ló - Lucas 17:32
Não há ninguém que possa avançar com os olhos voltados para trás.
Olhos que se prendem ao passado produzem visões retrógradas,
engessantes. Falo do passado não didático, mas eivado de más memórias, ou cuja
memória é um padrão estagnador contra a coragem de avançar e crescer, do tipo
tradição de família, religiosa e semelhantes.
Olhar para trás assume sentidos bem diversificados, ora significando
saudosismo, ora significando mágoas, ou mesmo traumas. Estes então servem mais
que qualquer outro ao processo de empedramento dos sonhos. A traumatização tem
o poder de confundir passado com presente, burlando a vigilância consciente.
Eles são de várias ordens, e o mais engessante deles é o trauma afetivo .
Mas não devemos desconsiderar o olhar para trás como a experiência de
não conseguir soltar laços vencidos, ultrapassados, já há muito requerendo substituição
para modernizarem-se. Outras vezes atende ao movimento de toda a estrutura
intrapsíquica, que detém o germe da vontade, voltando-se ao passado por apegos
mórbidos, encarquilhados. É próprio da realidade daqueles que, mesmo
vivenciando uma nova caminhada na vida de fé, sentem-se atraídos por saudosismo
a um caminhar que não mais pertence à estrada da nova vida em Cristo. E isso
aponta para ambientes e práticas mundanas que passam por cima da barreira da
renúncia pretendida e requerida pelo Senhor Jesus, aos que se dispõem a
segui-Lo. E o avançar se revela comprometido.
É próprio de tal movimento a imagem criada por Jesus quando disse:
"Ninguém, que
lança mão do arado e olha para trás, é apto para o reino de
Deus"- Lucas 9:62.
É também de que nos fala o surpreendente e incomum relato bíblico sobre
a mulher de Ló. Mulher sem nome, cujo único nome que a imortalizou foi um
título: Estátua de Sal. E revestida a imagem da linguagem neotestamentária,
transforma-se numa interessante metáfora: de sal, mas estátua. E uma vez
estátua, é sal empedrado, e como tal, mortífero, porque cheio de ácidos
corrosivos, sem condições de temperar a vida. E essa triste metáfora atende bem
ao sentido de uma vivência que se deixou cativar pelo passado arruinado ou que
deveria ter sido deixado em ruínas, porque ponto de um juízo divino.
O que levou aquela mulher a desobedecer temerariamente à ordem angélica
e parar sua corrida de escape para contemplar o sítio da destruição?
Curiosidade apenas? Ou seria o impulso de voltar os olhos com pesar a uma vida
que julgada por Deus e condenada à destruição, movia nela um lamento profundo,
de perda forçada sem a motivação da renúncia? Penso que é por aí. Ficou
empedrada, presa na derradeira contemplação. Em seu coração, ainda que fisicamente
este não fosse seu movimento, ela se voltou para o sítio condenado, e sofreu o
mesmo juízo. Ela sabia o que havia ficado lá: uma civilização condenada por
seus excessos e luxúria. Mas era também tudo quanto a identificava.
Na lida cristã, do ponto de observação pastoral, vejo muitos filhos de
Deus se empedrando, inviabilizando seu avanço por voltar os olhos e o coração a
uma vivência que, pertencendo ao velho homem, deveria ter ficado para trás. A
fé se move ou nos move na direção contrária. Para a frente e para o alto,
porque nutre a esperança e a esperança inspira, engendra sonhos.
O contexto em que Jesus fez Seu pronunciamento revela o significado de
sua advertência ao dizer: "Lembrem-se da mulher de Ló". Ele falava da
necessidade de uma corrida e de um posicionamento para longe do sítio do juízo
divino, corrida que para ser eficaz não pode admitir procrastinação ou recuos.
Do nível da ultramilenar mensagem que disse: " O justo por sua fé viverá,
mas se ele recuar, minha alma não terá prazer nele" (Hc. 2:4). E esse
recuo não aponta necessariamente desvio, desistência da vida cristã, antes,
desistência de um viver pela fé, a favor de um viver pela vista, segundo
modelismos humanos, vias carnais de se perpetrar o devir existencial.
O apóstolo Paulo, do alto de sua paixão por Cristo declarou aquilo que
devemos tomar como método para uma vida
que pode e deve avançar: "Mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das
coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo
para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação
de Deus em Cristo Jesus" (Filipenses 3: 13 e 14). Porque a proposta que
nos é apresentada é correr, e correr para o que está adiante, e não lá atrás,
como foi dito: "Corramos com perseverança a carreira que nos foi proposta,
olhando firmemente para Jesus, Autor e Consumador da fé" (Hebreus 12: 1 e
2). O contrário disso, é se empedrar, estagnar-se como quem se engessa, e daí
perder os sonhos e suas realizações.
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