quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Empedramento dos Sonhos




E a mulher de Ló  olhou para trás e ficou convertida numa estátua de sal - Gênesis 19:26.

Lembrem-se da mulher de Ló -  Lucas 17:32


Não há ninguém que possa avançar com os olhos voltados para trás.

Olhos que se prendem ao passado produzem visões retrógradas, engessantes. Falo do passado não didático, mas eivado de más memórias, ou cuja memória é um padrão estagnador contra a coragem de avançar e crescer, do tipo tradição de família, religiosa e semelhantes.

Olhar para trás assume sentidos bem diversificados, ora significando saudosismo, ora significando mágoas, ou mesmo traumas. Estes então servem mais que qualquer outro ao processo de empedramento dos sonhos. A traumatização tem o poder de confundir passado com presente, burlando a vigilância consciente. Eles são de várias ordens, e o mais engessante deles é o trauma afetivo .

Mas não devemos desconsiderar o olhar para trás como a experiência de não conseguir soltar laços vencidos, ultrapassados, já há muito requerendo substituição para modernizarem-se. Outras vezes atende ao movimento de toda a estrutura intrapsíquica, que detém o germe da vontade, voltando-se ao passado por apegos mórbidos, encarquilhados. É próprio da realidade daqueles que, mesmo vivenciando uma nova caminhada na vida de fé, sentem-se atraídos por saudosismo a um caminhar que não mais pertence à estrada da nova vida em Cristo. E isso aponta para ambientes e práticas mundanas que passam por cima da barreira da renúncia pretendida e requerida pelo Senhor Jesus, aos que se dispõem a segui-Lo. E o avançar se revela comprometido.

É próprio de tal movimento a imagem criada por Jesus quando disse: "Ninguém, que lança mão do arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus"- Lucas 9:62.

É também de que nos fala o surpreendente e incomum relato bíblico sobre a mulher de Ló. Mulher sem nome, cujo único nome que a imortalizou foi um título: Estátua de Sal. E revestida a imagem da linguagem neotestamentária, transforma-se numa interessante metáfora: de sal, mas estátua. E uma vez estátua, é sal empedrado, e como tal, mortífero, porque cheio de ácidos corrosivos, sem condições de temperar a vida. E essa triste metáfora atende bem ao sentido de uma vivência que se deixou cativar pelo passado arruinado ou que deveria ter sido deixado em ruínas, porque ponto de um juízo divino.

O que levou aquela mulher a desobedecer temerariamente à ordem angélica e parar sua corrida de escape para contemplar o sítio da destruição? Curiosidade apenas? Ou seria o impulso de voltar os olhos com pesar a uma vida que julgada por Deus e condenada à destruição, movia nela um lamento profundo, de perda forçada sem a motivação da renúncia? Penso que é por aí. Ficou empedrada, presa na derradeira contemplação. Em seu coração, ainda que fisicamente este não fosse seu movimento, ela se voltou para o sítio condenado, e sofreu o mesmo juízo. Ela sabia o que havia ficado lá: uma civilização condenada por seus excessos e luxúria. Mas era também tudo quanto a identificava.

Na lida cristã, do ponto de observação pastoral, vejo muitos filhos de Deus se empedrando, inviabilizando seu avanço por voltar os olhos e o coração a uma vivência que, pertencendo ao velho homem, deveria ter ficado para trás. A fé se move ou nos move na direção contrária. Para a frente e para o alto, porque nutre a esperança e a esperança inspira, engendra sonhos.

O contexto em que Jesus fez Seu pronunciamento revela o significado de sua advertência ao dizer: "Lembrem-se da mulher de Ló". Ele falava da necessidade de uma corrida e de um posicionamento para longe do sítio do juízo divino, corrida que para ser eficaz não pode admitir procrastinação ou recuos. Do nível da ultramilenar mensagem que disse: " O justo por sua fé viverá, mas se ele recuar, minha alma não terá prazer nele" (Hc. 2:4). E esse recuo não aponta necessariamente desvio, desistência da vida cristã, antes, desistência de um viver pela fé, a favor de um viver pela vista, segundo modelismos humanos, vias carnais de se perpetrar o devir existencial.

O apóstolo Paulo, do alto de sua paixão por Cristo declarou aquilo que devemos tomar como método para uma  vida que pode e deve avançar: "Mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus" (Filipenses 3: 13 e 14). Porque a proposta que nos é apresentada é correr, e correr para o que está adiante, e não lá atrás, como foi dito: "Corramos com perseverança a carreira que nos foi proposta, olhando firmemente para Jesus, Autor e Consumador da fé" (Hebreus 12: 1 e 2). O contrário disso, é se empedrar, estagnar-se como quem se engessa, e daí perder os sonhos e suas realizações.

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