Ora, Eliseu estava sofrendo da doença da qual morreria. Então Jeoás, rei de Israel, foi visitá-lo e, curvado sobre ele, chorou gritando. “Meu pai! Meu pai! Tu és como os carros e os cavaleiros de Israel!”
E Eliseu lhe disse: “Traga um arco e algumas flechas”, e ele assim fez. “Pegue o arco em suas mãos”, disse ao rei de Israel. Quando pegou, Eliseu pôs suas mãos sobre as mãos do rei e lhe disse: “Abra a janela que dá para o leste e atire”. O rei o fez, e Eliseu declarou: “Esta é a flecha da vitória do Senhor, a flecha da vitória sobre a Síria! Você destruirá totalmente os arameus, em Afeque.”
Em seguida Eliseu mandou o rei pegar as flechas e golpear o chão. Ele golpeou o chão três vezes e parou. O homem de Deus ficou irado com ele e disse: “Você deveria ter golpeado o chão cinco ou seis vezes: assim iria derrotar a Síria e a destruiria completamente. Mas agora você a vencerá somente três vezes”. II Reis 13: 14-19.
Este é um episódio profético que chega a ter algo de intrigante para nossa mente inquiridora. Alguns, quando o lêem, partem em defesa do rei alegando o que parece óbvio: como poderia ele saber o que ia na cabeça do profeta? O erro se deu pela contabilidade ou havia algo mais que seria maior que números?
Vejamos sob esta ótica: o profeta manifestou uma palavra de vitória garantida ao rei se cumprisse a ordem profética ao abrir a janela e atirar a flecha. A orientação prosseguiu e segundo o mesmo profeta, o rei deveria ferir a terra. Ele não quantificou dizendo, pelo menos, “várias vezes”. Apenas que o rei ferisse a terra com suas flechas, e assim ele o fez três vezes. Também não foi dito ao rei que esse movimento-resposta à orientação profética era simbólico e comprometeria sua ação na guerra. Então como explicar a reação iracunda do homem de Deus ao constatar que o rei foi tão cauteloso ou sem persistência? Eu diria: o rei foi lento ou curto na fé. E mais: se o movimento do rei implicava na quantidade de vezes em que venceria seus inimigos, e para tanto era necessário persistir e insistir em ferir várias vezes a terra para garantir vitória completa, por que o profeta não deu as orientações cabíveis que norteariam decisivamente a ação do guerreiro? Outro tanto, da parte do rei podemos supor também como óbvio que em sua aljava havia mais que três flechas e Eliseu parecia saber disso, daí ter dito: “Pegue as flechas”, o que facilmente aponta para a totalidade delas. E então levanta-se uma hipótese: o conteúdo era maior que o propósito. Jeoás tinha mais a oferecer sobre a palavra profética, mas preferiu não o fazer.
Essas questões, fazemo-las nós, no trato que damos à Profecia. Queremos e buscamos sempre um agir de Deus que nos seja mágico, pacote completo, onde fiquem de fora nossas respostas de fé e a visão que por detrás dela está, no tocante à perseverança que autentica a esperança de que se nutre a fé que nos foi dada.
Ouvimos a Profecia, e relutamos em esperar nela porque está ela comprometida com valores morais que acompanham a fé e nos quais Deus investe sempre: esperança e perseverança que eu diria serem o infravermelho de Deus para a fé possibilitando-nos ver o que ninguém consegue. Por outro lado, muitos dentre nós preferem profecias que estão comprometidas com a gratificação pessoal; profecias que sejam imediatas e dêem visibilidade à fé, em detrimento dos outros valores que estamos pontuando aqui.
A Profecia está comprometida com o tempo de Deus que não é cronológico, antes atende ao que Pedro chamou de “tempo oportuno”( I Pe. 5:6). Mas as profecias, como praticadas e pretendidas hoje, estão comprometidas com o cronológico, antecipando os espaços, dando visibilidade e um tremendo pontapé na fé, não para que avance, mas para alimentar a inércia espiritual e tirar o crente de dentro dos compromissos de Deus para o seu crescimento espiritual. É um hábito em uso contínuo entre um contingente enorme de crentes, hoje, que estão confundindo as profecias, manifestações espirituais segundo a teologia de Paulo, com adivinhação divina, que não pertence à Profecia por excelência. As profecias verdadeiras estão antes comprometidas com o exortar, consolar e edificar, e isso está longe do “adivinhar”, conquanto alguns criem facilitadores ou atalhos para esse viés, usando de outras terminologias bíblicas como “revelações” ou “palavra do conhecimento”. Um exame acurado das profecias individuais na experiência da Igreja Primitiva, vai mostrar que elas ocorriam sempre comprometidas com esse trinômio citado aqui: exortar, consolar e edificar. Ainda que mantendo um caráter preditivo, esse não era em primeira instância seu compromisso. Quando anunciavam fatos futuros (preditivas) ainda que diretamente afeitos ao indivíduo a quem se dirigiam, como Paulo, que soube de suas futuras prisões em Jerusalém, elas estavam diretamente compromissadas com a vida da Igreja e a história do Reino. Por isso Paulo mesmo disse que as profecias ocorriam para a edificação da Igreja como um corpo, e quando reunidos os crentes, a palavra profética manifestando-se revelaria o segredo do coração do incrédulo para que temesse a Deus. As profecias têm o mesmo caráter da Profecia, se são legítimas: Para edificar, desconstroem primeiro. Para consolar, encontram um coração penitente ou sofrido. Para exortar, encontram um coração descuidado ou repreensível. Mas não descortinam segredos gratificatórios, esvaziando a esperança da perseverança que a notoria. Lamentavelmente as profecias, na prática de hoje, não têm este compromisso, e maioria das vezes revelam-se falsas em sua proposta. Por razões que agridem a inteligência, credita-se aos profetas cujas profecias falham uma indulgência que fere a máxima de Moisés: “com soberba falou o tal profeta”. Seria um complexo do tipo: “Me engana que eu gosto”?
Jeoás é o tipo do crente que, de posse de uma promessa almejada, abre mão dos seus compromissos de fé para ver acontecer. Não insistir em mais que três vezes ao ferir a terra, implicava em indolência, até mesmo indiferença, veiculando conteúdos que apontavam a personalidade do rei: lento nas coisas espirituais. Para ele, bastava saber que Deus lhe daria vitória. Não havia por que investir na esperança, uma vez dada a promessa. O nome disso é preguiça espiritual, indolência. E foi isso o que irou o profeta.
Quando sobre a Palavra revelada nas Escrituras (a Profecia), depositamos nossa fé, não caímos em indolência, letargia espiritual. Temos o exemplo disto em Elias que sabia que viria chuva sobre Israel segundo a Palavra do Senhor por sua boca, mas perseverou e insistiu em obter os sinais de sua aproximação, tantas vezes quantas se fizeram necessárias. Se o sinal não tivesse surgido na sétima vez, por certo ele faria seu moço subir ao alto do Carmelo outras tantas vezes até que houvesse resposta ( I Re. 18:41-46).
A indolência de Jeoás aponta ainda um crente moroso, que busca encontrar tudo pronto na fé, para não ter que construir nada, nem correr atrás e investir no vácuo da fé que opera esperança enquanto a resposta não vem. Contraria a via apontada por Jesus: “Se creres verás a glória de Deus”. O exercício de crer não dispensa a esperança, e quando o crente busca a antecipação de uma resposta, o que está por detrás disso não é fé, mas um comodismo carnal com nome de espiritualidade. É visibilidade da fé, o que contraria sua própria natureza: A fé... é a prova das coisas que não vemos (He. 11:1).
A sofreguidão com que se busca a profecia preditiva para anular ansiedades ou por curiosidade espiritual atesta mais depressa um caráter quiromante no crente, do que sede de conhecer seu Senhor.
Mas Deus insiste em nos tratar segundo a Revelação e não conforme nossos investimentos supersticiosos sobre ela.
agosto/setembro 2011
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