quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

O SOM MAVIOSO DAS TARDES DE SOL

    Uma bênção pouco comum de se viver numa cidadela interiorana consiste na possibilidade de ouvir o som das tardes ensolaradas. A distância do mundo conturbado de fáceis acessibilidades é compensada pela proximidade do som que os ruídos mecânicos,  indefinidos e ríspidos sufocam. E esse som invariavelmente é resultado da mescla de miríades de pipilos, gorjeios, sibilos das aves e do passar do vento pela copa das árvores de onde procedem.
    Ouvir o som das tardes é uma experiência única para a qual é preciso também ter ouvidos. Não para captar uma mensagem que se decodifica em símbolos e se traduz inteligivelmente. Não. Apenas para ouvir, como quem absorve os acordes de uma orquestra afinada.
    Para quem passa às vezes o dia inteiro ouvindo a voz dos homens, num discorrer interminável, codificado e cheio de significativos sobre problemas, intenções e afetações interrelacionais, ouvir o som sem palavras das canções aladas é como um bálsamo que refrigera cada partícula física do cérebro e as entranhas da alma. Lava a mente e o coração.
    Penso no que disse o apóstolo: “Há muitas vozes no mundo...” e isso me leva outro tanto a pensar no fato das muitas vozes que pretendem falar a Deus. De que falam? Problemas, intenções, afetações, petições, queixas, blasfêmias e até louvores. Estes, em geral metódicos, ditados por letra e música que o louvador terceiriza. Também as vozes que falam entre os homens os sons das ofensas e das fúrias da vida, chegam aos ouvidos divinos. Sobre esses sons com palavras paira a mensagem que diz: “Por tuas palavras serás julgado e por elas serás condenado”.
    Penso que os ouvidos de Deus Se abençoam quando lhes chega o som da adoração. Algo que Lhe deve soar como os trinados dos pássaros nas tardes de sol. Nada pedem; nada dizem. Apenas emitem beleza. A adoração deve ser assim: sem letra para pedir ou dizer; apenas um som da alma que se refastela de vida e regurgita em beleza sua gratidão admirada.
    Creio ser esse o som de que Deus Se agrada, ou de que mais Se agrada. É mais que louvor que sempre dita alguma coisa, por vezes inconvenientemente.
    Quando ouço o som das tardes, ruídos que disputam as notas mais elevadas, onde vários muito soam e ninguém faz mais que comunicar  beleza inerente e espontânea, sinto-me devedor de adoração Àquele que é o Único Digno a Quem cabe o cântico sem letra, expressão da alma que sem nada dizer, canta, e transmite o ruído que encanta porque fruto de sua admiração.
    Por que canta o som da tarde? Porque a tarde é bela, eivada de promessas. É profecia que proclama mais um dia que entra na plenitude; anuncia uma noite de repouso conquistado e aprovisiona a esperança de um novo amanhecer. Isso não se diz em palavras, mas com o doce barulho da gratidão adoradora. E quem o produz? Seres que não entendem, nem pensam. Apenas percebem e usufruem.
    São bem recebidos assim. “... o Pai cuida dos passarinhos...”
    Mas nós, homens que mais valemos, e tanto queremos entender e achamos que entendemos conforme nossas pretensões, o que cantamos? Por que cantamos? E como adoramos? Que sons emitimos a Deus?

                    Pr. Cleber Alho

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