segunda-feira, 15 de outubro de 2012

CRESCER OU ANIQUILAR-SE



Muito antes da confissão evangélica ser invadida pelos pressupostos da teologia da prosperidade, uma tendência à distorção, na esteira da qual a heresia se imiscuiu, já se fazia perceber a partir do condicionamento imposto aos crentes por muitos púlpitos que insistiam em reduzir o senso de adoração e busca de Deus aos possíveis favores divinos. Descer da posição de adorador para negociador foi fácil.

Hoje, num cenário em que nossa confissão bastante desprovida de sua genuinidade permitiu-se receber as lentes que reduzem a adoração a atos petitórios e de barganhas com Deus, que O destronam para ficar atrás dos balcões dos desejos e exigência confessionais, é fácil perceber a distinção entre o religioso e o adorador. Como a profecia, por seu próprio caráter, se antecipa a todo cenário, é nela que podemos (re)-aprender o discernimento dessa distinção. Nela destacam-se dois perfis. Vamos avaliá-los e convido você a fazer as conclusões concernentes.

Refiro-me à história de duas mulheres importantes na economia divina quanto à gênese da encarnação do Messias: Noemi e Rute. Lendo o curto e objetivo livro histórico, vemos o desenrolar dos padrões característicos da confissão que estabelece nítida distinção entre as duas, ao mesmo tempo em que as assemelha aos descendentes espirituais dessa história.

Houve uma tragédia vitimando aquela família. Elimeleque, acompanhado de seus dois filhos viaja para a região gentílica, Moabe, com sua esposa Noemi, porque um flagelo havia vitimado sua terra e povo. Em busca da sobrevivência tornam-se os retirantes em terra alheia. Ele morreu ali, pouco tempo depois. Seus dois filhos se casaram com mulheres da terra: Órfa e Rute, mas também vieram a morrer dez anos depois que ali se instalaram e isso antes de darem netos a Noemi. Ao rever sua triste sina, Noemi conclui: ...a mão do Senhor voltou-se contra mim! E disse mais: Não me chamem Noemi (agradável), melhor que me chamem de Mara(amarga), pois o Todo-poderoso tornou minha vida muito amarga! De mãos cheias eu parti, mas de mãos vazias o Senhor me trouxe de volta. Por que me chamam Noemi? O Senhor colocou-se contra mim! O Todo-poderoso me trouxe desgraça!

E aí foi inaugurada, via a teologia desagradável de uma mulher amarga, a confissão que estabeleceu a premissa distorcida: Se Deus não é por mim, é contra mim. Não só. Aí também foi estabelecida a confissão que determinava: “Ele só é Deus quando me favorece”. Ou pior: “Só entendo dEle quanto a benesses e favores”.

Essa confissão é transmitida a duas discípulas em potencial: Órfa e Rute. O texto de Rute 1: 11-15 revela que Noemi sugeriu o deus da terra como opção viável para as duas discípulas. Ainda insistiu com Rute que atendesse à decisão da concunhada que optou por voltar para o seu deus. Estaria Noemi fazendo uma confissão velada dessa mesma troca? Seria seu plano B caso o retorno para Efrata não desse em coisa boa? Muitos séculos depois ouvimos do seu santo e divino descendente: A boca fala do que está cheio o coração.

Apesar desse testemunho equivocado a respeito de um Deus que parecia caprichoso, temperamental e pouco acessível, Rute desponta com uma confissão que não apenas contraria o conselho de sua discipuladora, mas o ultrapassa em grandeza. Ao dizer à sua sogra: O teu povo será o meu povo e o teu Deus será o meu Deus, Rute nos faz pensar: O que a teria levado a insistir, contrariando o conselho de sua sogra, em buscar um Deus apresentado sem nenhum atrativo, pelo contrário, perigoso e injustificadamente punitivo segundo aquela confissão? Ou seu marido a discipulou com um credo que contrariava a ótica confessional de sua própria mãe, e ela teria aprendido a conhecer esse Deus por intermédio dele, ou ela conseguiu vê-Lo acima e melhor que o retrato que dele o “púlpito” doméstico fez. A verdade é que Rute decide-se por buscar esse Deus de Israel apesar das prerrogativas negativas sobre Ele apresentadas. Algo do tipo: “Ruim com Ele, pior sem Ele”. Ou ainda: “Ele, e só Ele, quer faça ou deixe de fazer”. Nesse momento, a confissão de Rute, a gentia, nos aponta o embrião confessional de uma igreja seguidora, do padrão confessional de uma Marta, um Pedro e um Jó, que afirmaram sua confiança e o querer seu Deus num contexto de tragédia e frustrações pessoais de grande monta ( Cf. João 11; 6:68 e Jó 2:10). Mais para a frente, vemos num jogo de palavras entre Boaz e Rute a reafirmação de que ela optou decididamente por viver dentro das fronteiras do Deus do povo de seu falecido marido ( Cf. 2: 11 e 12).

Mas, o que devemos aprender em tudo isso? Eis a oportunidade que continuamente se repete na história dos crentes em Jesus, para assumirem a posição de adoradores! Todo aquele que não ultrapassa o limiar de uma visão que, em meio às fatalidades da vida, faculta-lhe a opção de adorar seu Deus, se aniquila numa confissão reduzida que despreza a soberania divina a favor de favoritismo temporal. Reduz-se a um confessor que se entende com “direitos” justificados sobre Deus e os atos de Sua vontade.

Ou cresce, ultrapassa o limiar para, em meio às vicissitudes assumir: “Eu O quero; Eu O adoro”. Porque assume que o compromisso do Deus revelado em Jesus não O reduz a facilitador existencial por vias temporais ou interrupções de crises existenciais que transitam as vias da provação.

Podem crer que o Senhor está comigo e por isso é Deus num mundo em que terei aflições. Ficar aquém da oportunidade de confessá-Lo como Deus a despeito das dores e mágoas é comprometer-se a sucumbir ao desamparo e desespero dos que, longe de crescer na graça por aprender que enquanto sou fraco é que sou forte, exigem a retirada do espinho, e se Deus insiste em permitir o espinho, O amaldiçoam com sentimentos, palavras e atitudes.

O crente Noemi sempre verá em Deus uma dicotomia, uma cisão entre o bom e o mau. Psicotiza.

O crente Rute cresce quando em meio a dor, em lugar de se aniquilar e se ver perseguido, desamparado e maltratado, vai querê-Lo e confessá-Lo como o fez Jó: Sem dúvida, ó Deus, Tu me esgotaste as forças; deste fim a toda a minha família. Tu me deixaste deprimido... Eu estava tranqüilo, mas Ele me arrebentou; agarrou-me pelo pescoço e esmagou-me. Fez de mim o Seu alvo... Apesar disso, concluiu e confessou: Saibam que agora mesmo a minha testemunha está nos céus; nas alturas está o meu advogado. O meu intercessor é meu amigo, quando diante de Deus correm lágrimas dos meus olhos; ele defende a causa do homem perante Deus, como quem defende a causa de um amigo – Jó 16: 7-9; 19-21. Assombra que, em meio a tudo isso, esse servo de Deus teria declarado:  Embora Ele me mate, ainda assim esperarei nEle- Jó 13:15.

                                   No temor dEle,
                                                           Pr. Cleber Alho   

Nenhum comentário:

Postar um comentário