"...ó, Deus, tem misericórdia de mim, pecador! - Lucas 18:13
Aí está uma oração sui-gêneris, citada
por Jesus como evidência de
um coração
pobre em espírito,
diante do Deus a quem recorre sob consciência de seu ser miserável. Desponta
nela a beleza do apelo: "Tem misericórdia!" Parece que este é um brado que ribomba diante
do trono de Deus. Ele entende disso: misericórdia. A maior expressão da misericórdia de Deus está na encarnação do Verbo Divino que culminou com a morte na Cruz.
Ali Ele era cada um de nós, e a
favor de todos nós.
Mas não é a oração do publicano por si só que nos chama a atenção, e sim também o contraste de conteúdos entre esta oração e a do fariseu que perto dele se jactava diante do
Deus Santo acerca de sua justiça religiosa. Os dois oravam, e Jesus chama a atenção para a disparidade de
significados nos conteúdos
dessas orações,
deixando claro que somente o publicano encontrou resposta ao seu clamor.
Isso nos leva a pensar no grande mistério que a oração encerra. Penso nela como o
portal do mistério,
porque ela é ponto
de partida no contato entre o homem e Deus, seja na súplica por socorro, numa
confissão,
adoração,
independentemente da forma. E nas formas variadas damos conteúdo às nossas orações.
É um mistério por si mesma porque,
dentre as celebrações
espirituais, a oração é aquela que já vem subscrita. A seu
respeito ouvimos máximas
revelacionais desta monta:
"Antes de clamarem, eu responderei; ainda estarão falando, e eu os
ouvirei" - Isaías 65:
24;
"Antes
mesmo que a palavra me chegue à língua, tu já a conheces
inteiramente, Senhor". - Salmos 139:4;
"E quando orarem, não fiquem sempre repetindo a mesma coisa, como fazem os
pagãos.
Eles pensam que por muito falarem serão ouvidos. Não sejam iguais a eles, porque o seu Pai sabe do que
vocês
precisam, antes mesmo de o pedirem". - Mateus 6: 7 e 8;
"...pois não sabemos como orar, mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis". - Romanos 8:26;
"Àquele que é capaz de fazer infinitamente mais do que tudo o que
pedimos ou pensamos, de acordo com o seu poder que atua em nós..." - Efésios 3:20.
E é por conta de tais revelações que se estabelece o mistério. Há quem leia estes textos e
decida que não é necessário orar nem dizer coisa
alguma, muito menos pedir. Acresça-se a isso o fato de que a Bíblia afirma ainda que é Deus Quem opera em nós tanto o querer quanto o
realizar, e faz isso segundo o Seu poder que em nós opera. Mas, prefiro entender, à luz do que disse Paulo:
"Orem sem cessar" (I Tessalonicenses 5:17) e também Jesus: "Vocês, orem assim..."
(Mateus 6:9), e à luz
dos fatos históricos
na Bíblia
que narram a igreja fazendo contínua oração por Pedro enquanto este se encontrava preso, Josué orando e Deus parando a rotação da terra à voz de sua oração, que este mistério impenetrável mas perfeitamente observável deve ser o contínuo exercício de nossa confissão de dependência ao Deus que Se revela
como nossa suficiência em
Cristo Jesus. Ademais, é exortação apostólica que "façamos orações por todos os
homens", onde valem: "súplicas", "intercessões" e "ações de graças" (I Timóteo 2:1).
Mas também é fato para observação que nossa oração, à luz do que disse Jesus em Mateus 6 e Paulo em Romanos
8, não pode
ter a pretensão de
dizer a Deus o que fazer e como fazer.
Creio ter sido essa a situação daquele publicano apontado
por Jesus. Não
ousava sequer levantar seus olhos, quanto mais dizer a Deus o que fazer.
Parece-me que ele havia chegado ao bico da encruzilhada de sua trajetória na vida, e então optou pelo conteúdo mais sábio de uma oração: "Ó, Deus, tem misericórdia de mim!"
Com efeito, na missão de interceder por outros, muitas vezes sou levado a
uma situação incógnita: o que dizer a Deus,
quando devo orar por alguém
recalcitrante, obsessivo ou cujos motivos são sombrios? Então decido por investir no conteúdo da sábia oração do publicano e apenas
rogar por misericórdia.
Exatamente porque mais que em qualquer outra circunstância, nesta cumpre-se mais
depressa a verdade apontada pelo apóstolo: "Não sabemos orar como convém".
E para favorecer o conteúdo, a súplica por misericórdia investe na direção da sabedoria, porque a Palavra afirma: "...a
misericórdia
triunfa sobre o juízo"
(Tiago 2:13); "As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; novas são cada manhã..." (Lamentações 3: 22 e 23).
Pois foi o próprio Senhor, que estando atento às orações, afirmou: "...eu
quero misericórdia, e
não o
sacrifício"
(Oséias
6:6).
Na própria palavra "misericórdia" está a síntese de toda a necessidade e
realidade da pessoa humana diante de Deus. Então cabe rogar: "Ó, Deus, tem misericórdia de mim, pecador!
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