Olhai os lírios
do campo...nem Salomão, em todo seu
esplendor, vestiu-se como qualquer deles –
Mt. 6:28 e
29.
Para nós, aqui no interior, lírios do campo são as flores perfumadas, de um
branco impecável e brilhante, que despontam
dentre o verdor da folhagem, invariavelmente na beira dos riachos, emergindo de
charcos, lodos ou lama, que escondem com seu perfume e alvura.
Os lírios, encontrados com abundância nesses sítios, atraem de longe pelo
perfume que exalam. E atraem! Vistos de perto, podem ser admirados no branco
leitoso que reveste suas pétalas de desenho perfeito, tez
suave, tão leve que quase dissolve-se
ao toque da mão, que se os toca, perfuma-se,
inevitavelmente.
Brancura e aroma são sua oferta irresistível. Não lhes falta beleza, que Cristo Jesus elevou acima da
majestade de Salomão em suas vestes reais.
E os lírios são o objeto para o qual o
Senhor nos desperta a atenção, e apela: “Olhai para eles!”
Não resisto a um lírio às margens do riachinho perto de minha casa. Mas quando os
olho, vejo além do branco e percebo mais que
o aroma. Sensibiliza-me a mensagem silente que tanta nitidez me passa quando
neles vejo a metáfora viva da sublimação do pérfido, do fétido e do disforme, transformados numa beleza irretocável e atraente. Porque os lírios desabrocham da lama, por si só repulsiva e disforme. Mas quando os contemplamos, não olhamos para baixo, não lhes vemos o solo malsão. Sua beleza e perfume são tais que eclipsam o terreno em sua fealdade.
Volto-me ao apelo do Mestre e
O ouço dizendo: “Deus veste os lírios...muito mais vestirá vocês...” e nessa metáfora Ele nos eleva acima dos lírios, para falar na ótica com que somos
contemplados.
E penso mesmo se não somos, alguns de nós, como os lírios: vistos em sua beleza, a despeito ou apesar dos chãos que pisamos, nos quais subsistimos.
Ou penso que como lírios, podemos sublimar nossas raízes, os baixios da vida, até alturas admiráveis e compensatórias no trilho da existência.
Também penso noutros lírios, e na mensagem que
transmitem:
Presentemente, por força do fechamento de nosso curso, eu e a Lília estamos estagiando numa clínica cuja proposta é ser casa-dia para crianças, filhas de pais portadores do HIV, e algumas, elas
mesmas portadoras. São crianças cuja idade varia entre 4 e 16 anos, meninos e meninas,
oriundos dos charcos sociais de nossa cidade. Seus lares e a vivência neles é como lodaçal. Lares impregnados de violência, pais afundados em drogas, alguns traficantes, mães prostituídas. Vidas oriundas do lodo da
vida, onde essas crianças nasceram... e moram!
Chegam às segundas-feiras, fétidas e enraivecidas; famintas
e ansiosas, depois de um fim de semana nesse convívio de horror. À medida que as horas e os dias
passam num ambiente onde são tidas e vistas como crianças; banhadas, alimentadas e assistidas; onde podem brincar,
chorar, espernear e aprender sem espancamento, vão revelando suas carinhas amistosas, infantis, que brilham
ao menor toque de ternura. Vê-las no convívio de um ambiente que lhes dá suporte e acolhimento, e receber em troca seu sorriso e a
expontaneidade própria do seu ser pueril, ofusca
a lembrança do ambiente em que são formadas. Ao toque
humano e amigo, transformam-se; devolvem brilho nos olhos, aroma de sorrisos
sequiosos de atenção e carinho.
Quando as vejo, penso nos lírios. São lírios aos olhos de Deus.
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