Digo-lhes a verdade: Quem não
receber o Reino de Deus como uma criança,
nunca entrará nele - Marcos 10:15
Filhinhos, eu lhes escrevi
porque vocês conhecem o
Pai... – I João 2:14.
Vez em quando me pego debruçado sobre as fotos da família, revendo momentos de minhas filhas meninas; um tempo
passado tão rápido e a tão pouco passado! As fotos
acendem a memória no registro de momentos
que denunciavam a leveza de sua infância livre de sustos, fresca e
feliz. Seus rostinhos amados pareciam prometer jamais perderem a moldura da
primeira infância. Hoje, moças, reagem à vida sob o fardo do
desincumbirem-se das exigências da existência com maestria e coragem. Adultas, contemplo-as saudoso
das crianças pequenas, confiantes,
entregues, que faziam da vida uma diversão vasta e encaravam os rigores
com admirável desdém. Inevitável lembrar os folguedos nas águas frias de nosso riachinho analandense, entre gritos
divertidos de meninas alegres, para quem o pai companheiro era não mais que um brinquedo maior.
Às vezes saio sozinho para junto do riacho, e no ruído das águas que se agitam, penso
ouvir seus gritinhos, levado pela memória. Volto à casa e lá encontro as moças agitadas, sob a carga dos compromissos acadêmicos, afetivos, laborais.
Ainda ouço seu gargalhar e não me confundo. Ele denuncia as
meninas que sempre serão. Consigo vê-las, mesmo desfiguradas nas formas adultas, no discurso
severo e na desenvoltura dos afazares. Percebo a tez pueril: no brilho dos
olhos, na voz divertida ou solícita; em especial quando
querem se mostrar mais filhas. Percebo os laivos da menina escondida que se
revela num gestual qualquer, afrouxada a censura consciente.
Nas emoções, lá está o pranto infantil lavando a face adulta, sem
constrangimento.
Não se trata apenas de um olhar do pai. Essa criança que todos trazemos e levaremos para sempre conosco,
jamais deixará de estar nos recônditos de nosso ser. É ela que nos permite brincar,
afetar-nos pelas emoções, criar, buscar prazer e
dar-nos de forma espontânea, capazes de confiarmos e
nos confiar a terceiros. É essa criança que nos permite sentir, crer, investir, insistir e buscar
o que há de bom, ainda que no pior das
circunstâncias. A sede de aprender e
saber, pertence a ela, dentro de nós.
E o olhar de pai consegue
discerni-la, inconfundivelmente.
Foi como um pai que o apóstolo João dirigiu-se aos crentes,
encontrando neles as crianças do Pai Celestial. Tornou-se
o oráculo dAquele que nos envia a
Palavra como o pai dá o pão aos seus filhos, a quem sempre verá como suas crianças.
Foi como sábio mestre que Jesus nos exortou a nos posicionarmos como
crianças, pequeninos, diante da
manifestação do Reino de Deus. Não nos incitou a nos infantilizar-nos. Antes, exortou-nos ao
posicionamento da entrega, confiança e nulidade de prevenções, preconceitos e malícias, próprias da criança.
Queremos investir no adulto,
estimular o adulto que somos, entendendo que, quanto mais a criança que trazemos conosco estiver esquecida, melhores adultos
seremos; bem sucedidos. Qualquer vestígio da criança pode ser tropeço, vexame, infantilidade que
nos ridiculariza e desacredita ante os demais; pensamos. Ledo engano! É justamente na parte mais pueril de nossa estrutura psíquica que o adulto mental se apóia para ver melhor e melhor pensar a vida. A psicanálise já preconizou há muitas décadas, que é essa instância infantil a responsável pela capacidade criativa do adulto, e um grande mestre
nessa área, pediatra e psicanalista,
Dr. Winnicott, há mais de sessenta anos afirmou
que é a criança bem desenvolvida na formação de sua personalidade, que redundará num adulto com melhor trâmite nos relacionamentos sociais, e com isso ele insistiu
em dizer que a criança que muito brinca, será o adulto com maior capacidade elaborativa, profissional e
bem relacionado, do futuro.
Insistimos em sufocar nossa criança, com medo de sermos menos
responsáveis. Reservamos os espaços de alegria e entretenimento, características inconfundivelmente próprias da criança sadia, para o privativo, o
lado obscuro de nossas vivências. E nos tornamos péssimos adultos; cansativos e cansados, tendentes a viver
pouco e mal.
Certa ocasião perguntaram ao Senhor Jesus: Quem é o maior no
Reino dos Céus? Chamando uma
criança, colocou-a no
meio deles, e disse: Eu lhes asseguro que, a não
ser que vocês se convertam e
se tornem como crianças, jamais
entrarão no Reino dos céus.
Portanto, quem se faz humilde como esta criança,
este é o maior no
Reino dos céus – Mateus 18: 1-4.
E foi exatamente o que Ele
disse: Não é fazer-se de criança, mas ser como ela,
desprovida, e aí sim, fazer-se humilde como criança. E o significado dedutivo do
que disse o Senhor é que a conversão implica em prover-nos desses valores, que contrariamente
buscamos sufocar pela imposição do adulto que somos.
Quando a Bíblia, nas penas do apóstolo Paulo, nos exorta a não sermos crianças, está apontando o caráter irresponsável, infantil e indecoroso do adulto. Ser como criança ( no dizer de Jesus) é diferente de agir como criança ( no dizer de
Paulo).
Há uma criança em cada um de nós, que Ele consegue ver e compreender. Daí perdoar; vasculhar nossos sonhos e anseios; suportar as
queixas e pedidos tolos; daí guiar-nos, proteger-nos e
cuidar de nós.
A Seus olhos, a despeito do
que vemos em nós mesmos, seremos sempre Suas
crianças: disciplináveis, passíveis de reprimendas, mas também em fase de crescimento que avança, até
chegarmos à estatura de varão
perfeito – Efésios 4:13.
Pr. Cleber
Alho
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