terça-feira, 27 de agosto de 2013

O ADEUS A DEMAS - (Carta hipotética do apóstolo Paulo a seu discípulo Demas).

Procure vir logo ao meu encontro, pois Demas, amando este mundo, abandonou-me e foi para Tessalônica... (II Tm 4:10).

            Eu desejaria poder acrescentar ao seu nome os títulos de que comumente faço uso quando me dirijo a discípulos diletos, como Filemon, Epafras, Timóteo. Mas, quanto a você, a esta altura da jornada, permito-me apenas usar do diminutivo afetivo do seu nome, por conta dos muitos anos de convívio e luta no Senhor. Porém olho pela janela do tempo, e vejo no Demas que restou, aquele antigo Demétrio que chegou a mim inconverso, vacilante e inquiridor da nova doutrina que chegava à sua cidade. Demétrio converteu-se no Demas amigo, íntimo, companheiro. Lembra? Eu me referia a você como colaborador, ou seja, alguém que trabalha junto, um apóstolo. Foi assim que entenderam os irmãos de Colossos quando lhes escrevi, citando-o, e também Filemon. E reconheço que você foi companheiro, de fato, porque participou do grupo de conforto e apoio durante esta minha última etapa da prisão. Mas a situação foi ficando cada vez mais crítica por aqui, eu sei. Cada julgamento me condenava mais e começava a pôr em risco a integridade de cada um de vocês. Bem, devo informá-lo que há dois meses, três meses após sua desistência, fui efetivamente condenado. O tempo de minha partida está próximo. De todos os

companheiros, só Lucas está comigo, e aguardo a resposta de Timóteo à minha carta, na esperança de poder revê-lo e a Marcos, antes que me vá. Os demais também partiram: Crescente, Tíquico, Tito, porém estes partiram sob minha orientação, para levarem notícias minhas ao povo e prestar-lhes assistência na fé. Você, no entanto, me abandonou. Desertou.
            Quando me vi só com Lucas, descobri que ele não representava muito para as autoridades romanas durante o processo, como testemunha de defesa. Apontei o nome de Alexandre, o funileiro famoso que havia aberto sua casa à Igreja, mas Alexandre deu mau ou falso testemunho a meu respeito e isso pesou muito contra mim. Ele causou-me muitos males. O problema de Alexandre é com o Senhor. Mas o seu, é comigo. Não o acuso de nada, mas registro meu profundo pesar por sua frustrante derrocada. E escrevo apenas para salientar a você que sua queda não me pegou de surpresa.
            Embora seu intenso envolvimento no meu ministério, desde o início de sua experiência na fé, Demas, eu percebia que uma parte fundamental de sua alma permanecia com você, intocável pelo Espírito Santo: seu amor ao dinheiro. A renúncia não achou lugar para ele. Apesar de todo ensino e advertências, você se mostrava resistente. A preocupação com ganhar, e mais ainda: não perder, era em você uma obsessão, tão doentia que me fazia temer pela possibilidade de crescer e enguli-lo inteiro.
            Quantas vezes você procrastinou quanto a sair e envolver-se em paragens distantes, mesmo atraído pelos testemunhos dos que o precediam! Fazia planos e às vezes quase me convencia de que por fim iria desprender-se e ser de fato um homem do Reino e para o Reino, mas você conseguia sempre, na última hora, cercar-se de situações que lhe serviam de desculpas para não avançar.
            Doía-me vezes sem conta, perceber quanto você se demorava a liberar recursos diante de necessidades óbvias do povo à nossa volta, ainda quando outros dentre nós, menos aprovisionados, davam sacrificialmente e com alegria, do que tinham, a favor dos que necessitavam. Nessa área, o máximo onde você se aventurava era quanto a mim, provendo sustento e companhia. Mas fechava-se para os demais. Você estava sempre em guarda, protegendo-se do risco de ser avassalado pela necessidade alheia, sempre comedido, avaliando os riscos de perder e as possibilidades de ganhos. O que eu entendia? Investir no meu apostolado aliviava sua consciência da avareza e eu não representava risco de usurpação. Mas não havia espontaneidade. Longe de você estava a generosidade! E você sabia o que eu ensinava: a avareza é idolatria. Muitas vezes fiquei convencido de que seu pequeno empenho, era uma forma de negociar com nosso Senhor, místicamente, supersticiosamente, para garantir seus ganhos ou evitar perdas. Isto jamais lhe foi ensinado.
            Em suma, escrevo para dizer exatamente isso: as raízes do mal nunca foram arrancadas de dentro de você e por fim medraram e fizeram crescer a árvore do fascínio por este mundo, este século, com seus brilhos, brinquedos, diversões e cobiças. E o arrastaram para lá, de onde de fato você nunca saiu, mas apenas afastou-se por um tempo, onde sua crise religiosa quase convenceu. Mas seu lugar é no mundo, para onde você voltou.
            Sinto muito, Demas. Você chegou perto mas não conseguiu ver que o brilho, o aroma, as cores, o prazer e a honra do lado de cá, não apenas são maiores, mas eternas, porque são resíduos da majestade dEle e são vividas nEle e com Ele. Você não quis vê-las, porque seus olhos fitavam os brilhos de baixo. Era demais arriscar.
            Estou partindo, Demas, para minha cidadania real e eterna. Guardei a fé. Olho para a frente com entusiasmo e sem medo. Com honra. Você também partirá. Não estarei por perto para ver seu medo e vergonha; nem para poder dar-lhe suporte. E o pior: enquanto eu estiver me satisfazendo da presença do Senhor, você estará amargando as más memórias do que deixou para trás.
            Seu amor pelo mundo, provado no abandono da carreira apostólica, serve como prova de que você jamais saiu dele. Logo, não pode haver quanto a você, certeza de nada: faltam os sinais da graça. Temo que você esteja perdido, e por conta da dúvida a única forma que encontro para me despedir de você é: adeus!

                        Paulo, o velho.




Cada um de nós conhece um Demas em algum lugar, ou tem algo dele por dentro.


                                   Pastor Cleber. 

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