Do Seu santuário nas alturas o Senhor olhou; dos céus observou a terra para
ouvir os gemidos... – Salmos 102: 19 e 20.
Há algumas décadas, num pequeno
templo metodista no interior do estado do Rio, eu ouvia a missionária Dorcas
Barros Silva, de saudosa memória, pregar um dos seus inesquecíveis e ungidos
sermões, baseado no texto de Romanos 8, que ela intitulou como: “Os Gemidos que
Deus Ouve”. Dali em diante, tornou-se impossível ler o texto sem ouvir aquela voz, compungida, pontuando
os três agentes de possíveis gemidos ouvidos por Deus.
Lendo o texto do Salmo 102 dou-me
conta do quanto Deus é sensível a gemidos. O Deus que vive entre louvores de
serafins, no Seu exaltado trono tem Sua atenção baixada à terra onde os seres
criados gemem. O texto de Paulo nos informa que também há eco para alguns
gemidos, dentro do céu. O Espírito Santo geme quando intercede pelos filhos de
Deus.
Mas a questão do gemido é intrigante.
Há quem confunda gemido com queixa, mas a mim quer parecer que Deus não os confunde,
e portanto não Se ocupa com as queixas. A respeito de queixas diz Sua Palavra: De que se queixa o homem mortal? Queixe-se
cada um dos seus pecados... E essa expressão, longe de consentir, reprova.
Quanto ao pecado, o gemido de arrependimento, este sim tem ouvidos no Céu de
Deus.
Há acentuada diferença entre
queixa e gemido. Enquanto a queixa indica impertinência, contrariedade, crítica
sem forma e insatisfação; o gemido é uma súplica por ajuda, a fala da fraqueza,
insuficiência; o idioma do sofrimento que alguém necessita comunicar. E penso
que é dentro deste último aspecto que opera o Espírito Santo conforme nos
informa o apóstolo Paulo em Romanos 8:26, ao afirmar que o Espírito de Deus
geme quando intercede por nós, e ele diz que são gemidos que ninguém consegue
copiar: inexprimíveis. Dá o que pensar! E num desses pensamentos me ocorre que,
em se tratando do Espírito que é Deus, o Deus Eterno mais pronto está a ouvir.
Mas a questão inevitável é: Por que Ele geme quando ora por nós? Se já é uma informação
que ultrapassa nosso entendimento saber que o Espírito de Deus ora a Deus a
favor dos homens, onde fica o entender que Ele geme quando ora? Ou enquanto
ora? Resta à fé aceitar com gratidão revelação tamanha!
Mas, dentro do texto de Romanos
8: 19-25, parece que podemos desdobrar algumas informações que “justificam”os
gemidos do Espírito, pois nesse trecho o apóstolo Paulo nos diz que a natureza
criada, e aí fala do nosso quintal e demais corpos celestes, geme por conta da
queda que a fez perder seu lugar de exaltação e pureza, como no Eden adâmico.
Geme por causa da queda de seu único guardião: o homem, feito à imagem e
semelhança de Deus. Basta um olhar introspectivo para nosso cotidiano, e nos
damos conta do quanto somos vândalos e depredadores. Não só porque poluímos
nosso espaço do qual dependemos para viver bem, mas por conta de nosso tremendo
desperdício.
Você está atento(a) às últimas
pesquisas? Sabia que o brasileiro é um dos habitantes do planeta que não só
mais desperdiça alimento diariamente, mas o faz no maior índice entre os demais
povos? Enquanto temos uma significativa faixa de conterrâneos vivendo na zona
da miséria absoluta, nosso desperdício de alimento saudável oscila entre 30 a
40% do que consumimos. Isso fala da queda. E de uma cultura sem trato, sem
cuidado, sem zelo e sem consciência de valores reais. Mas há também tantas
outras áreas a observar! Elegemos a cada dois anos homens e mulheres para ditarem
e conduzirem as leis e a vida pública que regem nossa existência brasileira,
numa política eleitoreira que gasta milhões de recursos financeiros escoando em
campanhas políticas para e a fundos perdidos. Até o espírito dos santos geme
diante de tais fatos, quanto mais o Espírito Santo de Deus!
Ele, o Espírito Santo, geme
empaticamente. Geme, porque a natureza chora sua situação de queda, a nossa,
que a vitimou. Geme porque os crentes gemem por dentro (v.23) na expectativa de
galgar sua posição real e elevada de filhos de Deus, o que vive obscuramente
ainda, em esperança. Ou seja, uma vez feitos filhos, vivem como se não o
fossem; vivem como criaturas sobrecarregadas de ansiedades diversas, e a
posição de filhos é vivenciada em esperança, via a fé. Então, há tanto por que
gemer! Basta perceber como oramos; o núcleo, conteúdo de nossas orações, quase
que exclusivamente petitórias.
Em alguns momentos apenas,
celebramos. Quando louvamos, por exemplo, num ato cúltico. Quando agradecemos
tocados pela Presença do Pai que nos fala internamente Suas promessas pela
Palavra Eterna. São momentos. Não vivemos como filhos, a não ser em esperança.
Estamos sempre desejosos, insatisfeitos, pedindo, buscando, querendo...
insaciáveis. Como os demais. A diferença não vai muito além do fato de que
sabemos Quem é a fonte onde nos dessedentamos. A grande maioria dos filhos,
busca suprir-se nos mesmos canais e dos mesmos conteúdos dos que não O têem por
Pai. E pior: trazem em suas petições o desejo de se saciarem com a comida
daqueles: “os jornaleiros de meu pai que têm fartura de pão”. Não resta muito
mais ao Espírito Santo que gemidos, quando por nós suplica. Lembro da Dorcas
dizer, neste particular, que o Espírito, a Quem cabe a função de glorificar o
Filho de Deus (“Ele me glorificará”, disse Jesus), contrariamente a isso geme.
E geme, disse ela, porque ora a favor de vidas que pecam só em viver. Até o Dia da redenção, viveremos como filhos
mal posicionados. Ainda que filhos, desprovidos de privilégios.
É fato que entre os filhos, nos
últimos tempos surgiram enganadores nos impingindo como verdade bíblica a técnica
psicológica de negar o sofrimento, não vê-lo nem assumi-lo, mas festejar e
celebrar como se assim não fosse, com a pretensão supersticiosa (e vazia de
inteligência) de que o afugentariam de sua experiência real. Os ufanistas. Contra eles temos Paulo dizendo
que “nós, que temos as primícias do Espírito, gememos interiormente enquanto
esperamos ansiosos nossa adoção de filhos, a redenção do nosso corpo”(v.23),
pois vivemos em esperança(v.24). É quase como se dissesse: “Se não temos por
que gemer, não somos filhos”...
Mas, o que desponta para nós é
que o Deus Eterno, como Criador de todas as coisas e em particular como Pai dos
crentes em Cristo Jesus, está atento aos gemidos. É sensível a gemidos.
Deixa-Se tocar por eles; inclina Seus ouvidos. Desce para recolher lágrimas,
ficar junto, aliviar, socorrer. Por isso, diz Sua Palavra: “Ó, Tu, que escutas
as orações! A Ti virá toda a carne”.
Odiamos a idéia de gemer. Ela
fala da fraqueza em sua máxima expressão. Pede ajuda. Mas, quando gememos, mais
conformados à nossa realidade e estrutura humana estamos. E mais ouvidos no
Céu, nós somos.
Não tema os gemidos de sua alma.
Eles apenas dizem que você é humano(a).
Eles dizem que você reconhece como antinatural o que ocorre de opressivo
e injusto à sua volta. Eles falam de sublimações que você espera pela fé: de
ser exaltado dos baixios de sua existência humana, à gloriosa revelação de
filho e filha de Deus, no Dia da manifestação de Jesus o Senhor da História, e
redentor de nosso ser.
Ouvimos que não sabemos orar como
convém. Verdade absoluta. Então o gemer é a oração que resta. Os gemidos são
traduzidos pelo Espírito Santo, numa linguagem que fala ao Deus Eterno de sua
esperança no que Ele tem de maravilhoso e indizível para sua existência no novo
sistema que ainda vai manifestar-se, tido e dito como “novos céus e nova terra
nos quais habita a justiça”. Aleluia!
Pr. Cleber Alho
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