segunda-feira, 1 de junho de 2015

GEMIDOS OUVIDOS

Do Seu santuário nas alturas o Senhor olhou; dos céus observou a terra para ouvir os gemidos... – Salmos 102: 19 e 20.

Há algumas décadas, num pequeno templo metodista no interior do estado do Rio, eu ouvia a missionária Dorcas Barros Silva, de saudosa memória, pregar um dos seus inesquecíveis e ungidos sermões, baseado no texto de Romanos 8, que ela intitulou como: “Os Gemidos que Deus Ouve”. Dali em diante, tornou-se impossível ler o texto sem ouvir aquela voz, compungida, pontuando os três agentes de possíveis gemidos ouvidos por Deus.
Lendo o texto do Salmo 102 dou-me conta do quanto Deus é sensível a gemidos. O Deus que vive entre louvores de serafins, no Seu exaltado trono tem Sua atenção baixada à terra onde os seres criados gemem. O texto de Paulo nos informa que também há eco para alguns gemidos, dentro do céu. O Espírito Santo geme quando intercede pelos filhos de Deus.
Mas a questão do gemido é intrigante. Há quem confunda gemido com queixa, mas a mim quer parecer que Deus não os confunde, e portanto não Se ocupa com as queixas. A respeito de queixas diz Sua Palavra: De que se queixa o homem mortal? Queixe-se cada um dos seus pecados... E essa expressão, longe de consentir, reprova. Quanto ao pecado, o gemido de arrependimento, este sim tem ouvidos no Céu de Deus.

Há acentuada diferença entre queixa e gemido. Enquanto a queixa indica impertinência, contrariedade, crítica sem forma e insatisfação; o gemido é uma súplica por ajuda, a fala da fraqueza, insuficiência; o idioma do sofrimento que alguém necessita comunicar. E penso que é dentro deste último aspecto que opera o Espírito Santo conforme nos informa o apóstolo Paulo em Romanos 8:26, ao afirmar que o Espírito de Deus geme quando intercede por nós, e ele diz que são gemidos que ninguém consegue copiar: inexprimíveis. Dá o que pensar! E num desses pensamentos me ocorre que, em se tratando do Espírito que é Deus, o Deus Eterno mais pronto está a ouvir. Mas a questão inevitável é: Por que Ele geme quando ora por nós? Se já é uma informação que ultrapassa nosso entendimento saber que o Espírito de Deus ora a Deus a favor dos homens, onde fica o entender que Ele geme quando ora? Ou enquanto ora? Resta à fé aceitar com gratidão revelação tamanha!

Mas, dentro do texto de Romanos 8: 19-25, parece que podemos desdobrar algumas informações que “justificam”os gemidos do Espírito, pois nesse trecho o apóstolo Paulo nos diz que a natureza criada, e aí fala do nosso quintal e demais corpos celestes, geme por conta da queda que a fez perder seu lugar de exaltação e pureza, como no Eden adâmico. Geme por causa da queda de seu único guardião: o homem, feito à imagem e semelhança de Deus. Basta um olhar introspectivo para nosso cotidiano, e nos damos conta do quanto somos vândalos e depredadores. Não só porque poluímos nosso espaço do qual dependemos para viver bem, mas por conta de nosso tremendo desperdício.

Você está atento(a) às últimas pesquisas? Sabia que o brasileiro é um dos habitantes do planeta que não só mais desperdiça alimento diariamente, mas o faz no maior índice entre os demais povos? Enquanto temos uma significativa faixa de conterrâneos vivendo na zona da miséria absoluta, nosso desperdício de alimento saudável oscila entre 30 a 40% do que consumimos. Isso fala da queda. E de uma cultura sem trato, sem cuidado, sem zelo e sem consciência de valores reais. Mas há também tantas outras áreas a observar! Elegemos a cada dois anos homens e mulheres para ditarem e conduzirem as leis e a vida pública que regem nossa existência brasileira, numa política eleitoreira que gasta milhões de recursos financeiros escoando em campanhas políticas para e a fundos perdidos. Até o espírito dos santos geme diante de tais fatos, quanto mais o Espírito Santo de Deus!

Ele, o Espírito Santo, geme empaticamente. Geme, porque a natureza chora sua situação de queda, a nossa, que a vitimou. Geme porque os crentes gemem por dentro (v.23) na expectativa de galgar sua posição real e elevada de filhos de Deus, o que vive obscuramente ainda, em esperança. Ou seja, uma vez feitos filhos, vivem como se não o fossem; vivem como criaturas sobrecarregadas de ansiedades diversas, e a posição de filhos é vivenciada em esperança, via a fé. Então, há tanto por que gemer! Basta perceber como oramos; o núcleo, conteúdo de nossas orações, quase que exclusivamente petitórias.

Em alguns momentos apenas, celebramos. Quando louvamos, por exemplo, num ato cúltico. Quando agradecemos tocados pela Presença do Pai que nos fala internamente Suas promessas pela Palavra Eterna. São momentos. Não vivemos como filhos, a não ser em esperança. Estamos sempre desejosos, insatisfeitos, pedindo, buscando, querendo... insaciáveis. Como os demais. A diferença não vai muito além do fato de que sabemos Quem é a fonte onde nos dessedentamos. A grande maioria dos filhos, busca suprir-se nos mesmos canais e dos mesmos conteúdos dos que não O têem por Pai. E pior: trazem em suas petições o desejo de se saciarem com a comida daqueles: “os jornaleiros de meu pai que têm fartura de pão”. Não resta muito mais ao Espírito Santo que gemidos, quando por nós suplica. Lembro da Dorcas dizer, neste particular, que o Espírito, a Quem cabe a função de glorificar o Filho de Deus (“Ele me glorificará”, disse Jesus), contrariamente a isso geme. E geme, disse ela, porque ora a favor de vidas que pecam só em viver.  Até o Dia da redenção, viveremos como filhos mal posicionados. Ainda que filhos, desprovidos de privilégios.

É fato que entre os filhos, nos últimos tempos surgiram enganadores nos impingindo como verdade bíblica a técnica psicológica de negar o sofrimento, não vê-lo nem assumi-lo, mas festejar e celebrar como se assim não fosse, com a pretensão supersticiosa (e vazia de inteligência) de que o afugentariam de sua experiência real.  Os ufanistas. Contra eles temos Paulo dizendo que “nós, que temos as primícias do Espírito, gememos interiormente enquanto esperamos ansiosos nossa adoção de filhos, a redenção do nosso corpo”(v.23), pois vivemos em esperança(v.24). É quase como se dissesse: “Se não temos por que gemer, não somos filhos”...

Mas, o que desponta para nós é que o Deus Eterno, como Criador de todas as coisas e em particular como Pai dos crentes em Cristo Jesus, está atento aos gemidos. É sensível a gemidos. Deixa-Se tocar por eles; inclina Seus ouvidos. Desce para recolher lágrimas, ficar junto, aliviar, socorrer. Por isso, diz Sua Palavra: “Ó, Tu, que escutas as orações! A Ti virá toda a carne”.
Odiamos a idéia de gemer. Ela fala da fraqueza em sua máxima expressão. Pede ajuda. Mas, quando gememos, mais conformados à nossa realidade e estrutura humana estamos. E mais ouvidos no Céu, nós somos.

Não tema os gemidos de sua alma. Eles apenas dizem que você é humano(a).  Eles dizem que você reconhece como antinatural o que ocorre de opressivo e injusto à sua volta. Eles falam de sublimações que você espera pela fé: de ser exaltado dos baixios de sua existência humana, à gloriosa revelação de filho e filha de Deus, no Dia da manifestação de Jesus o Senhor da História, e redentor de nosso ser.

Ouvimos que não sabemos orar como convém. Verdade absoluta. Então o gemer é a oração que resta. Os gemidos são traduzidos pelo Espírito Santo, numa linguagem que fala ao Deus Eterno de sua esperança no que Ele tem de maravilhoso e indizível para sua existência no novo sistema que ainda vai manifestar-se, tido e dito como “novos céus e nova terra nos quais habita a justiça”. Aleluia!


Pr. Cleber Alho

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