As mãos
trêmulas denunciam o palpitar soturno do coração
materno que deita o filho no cesto e o confia às àguas da dúvida
em conflito com a esperança. Águas turvas de mistério
e que se entortam nas curvas da separação forçada pela vontade ímpia
e irracional do algoz. E a mãe de Moisés o
entrega àquele útero de palha, frágil,
mas sua única certeza da evitação da morte ou seu adiamento
silencioso ao sabor do tempo. Os olhos chorosos fitam a tíbia
nau que rouba dos seus ouvidos os sons doces dos ruídos
brincalhões, e a sensação da tez macia da mãozinha
que toca seu queixo enquanto busca vida em seus seios. Até
que a curva do rio lhe impede a visão.
A angústia
a faz correr pela margem do riacho. Não dá mais para tomar de volta a oferenda
feita à fé numa improvável
salvação. O coração salta a cada balanço
do cesto da preciosa carga, passageiro da sobrevivência
divertindo-se ao custo dos soluços de uma mãe
estremecida. E surge um remanso e o berço de vime cessa a jornada entre as
fraldas de jovens donzelas que riem a se banhar.
—
Olhe lá! É um cesto grande e fechado! Quem o
teria perdido nas águas?
—
Vá buscá-lo para mim! - Ordena a moça
de finos traços.
—
Senhora! Senhora! Há uma criança
aqui, balbuciando e feliz!
—
Traga-o a mim. Traga-o já para mim!
—
Senhora, é um menino hebreu!
—Alguém
o enviou a mim. Hebreu ou não, será meu.
E a mãe
ansiosa contempla tremente o desfecho. "As águas não tragaram meu filho", pensa.
"Mas a espada do rei o perseguirá!"
No
entanto, percebe que o menino gorducho é posto ao colo da dama adornada, e seu
olhar para ele acusa carinho, fascínio, atração.
—
Não morrerá o meu menino. Achou ali outra mãe.
E volta à
aldeia, alma dividida entre o alívio de sabê-lo
salvo e a dor da separação. Mal adentra à
choupana, e batem-lhe à porta. Sua filha, ainda pequena,
menina esperta, que lhe traz um recado da casa
do rei, em busca de uma ama de leite para um recém
nascido, adotado no palácio.
—
Sabes de alguém, mãe.
—
Eu, minha filha. Eu posso ser a ama do
meu filho, cheia de leite como estou.
Nesta
mesma tarde, tem-no de volta ao colo, e torna a cantar-lhe as canções
da esperança de escape, livramento, honradez. E diz-lhe: —
"Filhinho, confia sempre. Ele é teu Deus! É um
Grande Deus! Ele conduziu as àguas e delas te tirou para viver. As águas
do desterro tornaram-se tua estrada da vida. O berço do
abandono, o colo de tua vitória, porque Ele luta por ti! Cresce,
filho meu, e O encontre em Tua vida. Vive para Ele e te admires dEle sempre. Um
dia Tu descobrirás que o Deus de tua mãe
é a Rocha, cujas obras são perfeitas".
Penso
nessa mãe desesperada e revejo em sua aflição
tantos desesperos outros. Tanta luta por entrega ou retenção.
Reter é perder para sempre. Entregar, é
investir na esperança incerta, mas de incerteza menor.
Quem cuidará melhor? E a entrega? Sobre quais águas
se fará? Uma vez entregue, não há como conter as águas,
ditar-lhes o curso, espreitar seu desfecho. Mas há que entregar e confiar!
"
Lança teu pão sobre as águas",
grita a Palavra. É teu pão, mas entrega-o. É
certo que, tal qual Joquebede, depois o acharás.
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