quinta-feira, 9 de julho de 2015

JOQUEBEDE E O BERÇO


As mãos trêmulas denunciam o palpitar soturno do coração materno que deita o filho no cesto e o confia às àguas da dúvida em conflito com a esperança. Águas turvas de mistério e que se entortam nas curvas da separação forçada pela vontade ímpia e irracional do algoz. E a mãe de Moisés o entrega àquele útero de palha, frágil, mas sua única certeza da evitação da morte ou seu adiamento silencioso ao sabor do tempo. Os olhos chorosos fitam a tíbia nau que rouba dos seus ouvidos os sons doces dos ruídos brincalhões, e a sensação da tez macia da mãozinha que toca seu queixo enquanto busca vida em seus seios. Até que a curva do rio lhe impede a visão.

A angústia a faz correr pela margem do riacho. Não dá mais para tomar de volta a oferenda feita à fé numa improvável salvação. O coração salta a cada balanço do cesto da preciosa carga, passageiro da sobrevivência divertindo-se ao custo dos soluços de uma mãe estremecida. E surge um remanso e o berço de vime cessa a jornada entre as fraldas de jovens donzelas que riem a se banhar.
Olhe lá! É um cesto grande e fechado! Quem o teria perdido nas águas?
Vá buscá-lo para mim! - Ordena a moça de finos traços.
Senhora! Senhora! Há uma criança aqui, balbuciando e feliz!
Traga-o a mim. Traga-o já para mim!
Senhora, é um menino hebreu!
Alguém o enviou a mim. Hebreu ou não, será meu.

E a mãe ansiosa contempla tremente o desfecho. "As águas não tragaram meu filho", pensa. "Mas a espada do rei o perseguirá!"
No entanto, percebe que o menino gorducho é posto ao colo da dama adornada, e seu olhar para ele acusa carinho, fascínio, atração.
Não morrerá o meu menino. Achou ali outra mãe.
E volta à aldeia, alma dividida entre o alívio de sabê-lo salvo e a dor da separação. Mal adentra à choupana, e batem-lhe à porta. Sua filha, ainda pequena, menina esperta, que lhe traz um recado da casa  do rei, em busca de uma ama de leite para um recém nascido, adotado no palácio.
Sabes de alguém, mãe.
Eu, minha filha.  Eu posso ser a ama do meu filho, cheia de  leite como estou.

Nesta mesma tarde, tem-no de volta ao colo, e torna a cantar-lhe as canções da esperança de escape, livramento, honradez. E diz-lhe: "Filhinho, confia sempre. Ele é teu Deus! É um Grande Deus! Ele conduziu as àguas e delas te tirou para viver. As águas do desterro tornaram-se tua estrada da vida. O berço do abandono, o colo de tua vitória, porque Ele luta por ti! Cresce, filho meu, e O encontre em Tua vida. Vive para Ele e te admires dEle sempre. Um dia Tu descobrirás que o Deus de tua mãe é a Rocha, cujas obras são perfeitas".
 
Penso nessa mãe desesperada e revejo em sua aflição tantos desesperos outros. Tanta luta por entrega ou retenção. Reter é perder para sempre. Entregar, é investir na esperança incerta, mas de incerteza menor. Quem cuidará melhor? E a entrega? Sobre quais águas se fará? Uma vez entregue, não há como conter as águas, ditar-lhes o curso, espreitar seu desfecho. Mas há que entregar e confiar!

" Lança teu pão sobre as águas", grita a Palavra. É teu pão, mas entrega-o. É certo que, tal qual Joquebede, depois o acharás.

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