Juízes 14:14.
Examinando o enigma de Sansão pela ótica do sobrenatural, ou mais propriamente, do transcendental divino,
podemos decifrá-lo com um entendimento maior
que a proposta incoerente daquele herói a seus inimigos filisteus.
O enigma de Sansão em linguagem espiritualizada constitui-se exatamente
no teor da proposta de Deus ao homem decaído em seus pecados, pelo operar do Espírito Santo no seu ser. Mas também alcança vidas regeneradas cujo caráter requer quebrantamento e transformação.
Na verdade, não fôra o Espírito de Deus apossar-se de Sansão (v.6) sobremaneira, e não haveria motivação nem imagem alguma para seu célebre enigma.
Acreditava Sansão que jamais atinariam os seus inimigos com o fato por
detrás das palavras, porque, não diferentemente da perplexidade que gera o operar
divino na transformação de uma vida, é impossível ver o "comedor" provendo comida e o
"forte" passar de si doçura, a não ser por uma operação direta de um poder maior que sua natureza inerente.
Mas, o mesmo Espírito que agiu através de Sansão, hoje continua operando a mesma obra, que naquela ocasião Ele coreografou
através das mãos do herói. Ali pois, ficou em registro sobre a terra, a ilustração do mover irresistível do Espírito de Deus, transformador de
naturezas decaídas.
Jesus, conversando com o
principal dentre os mestres de Israel, Nicodemos, advertiu-o quanto à verdade fundamental do Evangelho: "Quem não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus" (João 3:5). Sem ser " rasgado" pelo poder do Espírito Santo, o " comedor" vai permanecer
imutavelmente comedor.
Conhecemos o caráter no mundo que se enquadra bem no perfil desta
analogia do leão novo de Sansão: aqueles que vivem exclusivamente em função de si mesmos, natural e anormalmente egoístas. São "comedores" como
pais, patrões, cidadãos comuns. São os que vivem em busca de ganhar sempre a qualquer custo, colocando-se
no centro da vida, aos quais devem os demais inclinar-se. Insensíveis para perceberem a necessidade alheia, só têm olhos
para ver a sua própria, e, ou depreciam o
sofrimento de terceiros, ou correm em busca de mitigar suas próprias dores antes de todos. Nem mesmo uma vez saciados
colocam-se à disposição de algum resquício de preocupação externa a si. Até mesmo a religião é usada em função de seus interesses. Fecham-se em torno de suas famílias e bens e priorizam unicamente aquilo que lhes
garanta benefício ou segurança pessoal. Asseguram-se todo o tempo do que podem
ganhar, do que virão receber, mesmo que apenas
atenção ou aplausos. E como perenes
receptores, os "comedores" do enigma só cogitam das coisas desta vida. Os "comedores" jamais passam
algo de si mesmos, de maneira que para que provejam comida, só pelo poder de Deus.
Mas se o
"comedor" for rasgado pelo Espírito Santo, de pronto ele morre para si mesmo e a
partir daí uma colmeia de vida encontra
espaço para crescer dentro
dele. É o exemplo que nos passa Zaqueu, o publicano, em Lucas 19:1-10. Quem era
Zaqueu? Antes de ser rasgado pelo espírito de vida que lhe transmitiu Jesus, Zaqueu era um "comedor"
nato, odiado por todo o seu povo. Era um "comedor" cruel e inútil contra o seu próprio povo a quem explorava a favor do governo opressor de Roma. Uma vez
rasgado pelo Espírito, desse
"comedor" saiu comida: "Senhor, resolvo dar aos pobres a metade
dos meus bens; e, se nalguma cousa tenho defraudado alguém, restituo quatro vezes mais." Foi tal a
transformação imediata que Jesus
alegrou-Se naquela salvação.
Só o Espírito de
Deus faz sair comida dos comedores. Só Ele abre o coração cerrado pelo egoísmo e leva alguém a ver para além de si mesmo e assim vir a
tornar-se um doador compassivo nas diversas áreas que as múltiplas necessidades apontam:
bens, socorro, afetos, tempo, etc.
A capacidade de transformar
naturezas é obra própria do Espírito de Deus. E se elas não mudam, isso é indicador claro de que não foram "rasgadas" por Ele. É Dele ainda o poder não menos extraordinário de tirar doçura do forte, conforme também o enigma assinala: " Doçura saiu do forte".
Forte, aqui entra pela
analogia do endurecido, do bruto, intempestivo e rancoroso. Também conta o cruel, truculento. O amargo idem, e ainda o
iracundo, esbravejador. Como prever doçura em tais caráteres? Impossível, a não ser por ação divina. É necessário que um poder maior que o forte o rasgue,
quebrante, para que ele venha a verter doçura.
No enigma, a doçura é a imagem
perfeita desse quebrantar de cerviz endurecida, pois contrasta com a
voracidade, com a luta, a resistência e o perigo. Contrasta com a ameaça e o risco; tudo o que um leão novo e feroz representava ao arremeter contra Sansão. A doçura é o total oposto desse quadro
de propostas daninhas que atentam contra a vida e a paz.
E então entra a doçura como sabor, alimento, vida, em contraste eloquente com a imagem de
ferocidade destrutiva.
Essa doçura saída do
forte só foi possível após a
destruição de suas bravatas quando
rasgado pelo poder de Deus. Essa doçura brotou desde as entranhas, como a dizer que há doçura
disponível sempre, em entranhas
laceradas pelo Espírito do Alto. É um poder invisível e irresistível que atua e abre o coração mais duro e forte. Sob o poder de Deus morre todo o
forte e em seu lugar nasce o fraco em cujas entranhas esse poder se aperfeiçoa. Temos a prova disso na vida de Saulo de Tarso.
Rasgado pelo poder de Deus aquele forte fariseu converteu-se no Paulo que
chorava pelos seus discípulos, apaixonado por seu
Cristo e Senhor.
Quê cena mais bela pode haver que rugidos transformados
em gemidos de quebrantamento e submissão? Quê milagre mais maravilhoso
supera a mudança inconteste da ferocidade em
saborosa brandura que brota do caráter rasgado? O bruto torna-se dócil, meigo, sob o poder de Deus, quando se deixa rasgar por Sua mão.
É ainda relevante considerar que o forte comedor foi
rasgado pelas mãos de um homem ungido. Sansão foi o instrumento dessa transformação e desfrutou da bênção dela decorrente. Enfrentou o
combate e oposição antes de vencer, mas obteve
a vitória sob o poder de Deus. Ele
ainda usa veículos humanos hoje como
instrumentos eficazes, dispostos ao combate, para derrubar o valente e dominar
o forte até que rasgado este se torne
doador e provedor de doçura. As mãos de Sansão representam os instrumentos de quebrantamento de vidas, como oração e a Palavra que esquadrinha mentes e corações até a divisão de juntas e medulas, capaz de dividir pensamentos e
intenção do coração como afirma Hebreus 4:12.
Ofereçamos a Deus nosso caráter indócil para que seja rasgado e
transformado pelo poder do Seu Espírito. Então possa dizer de nós o mundo: "Do comedor saiu comida e doçura do forte".
Que se rasgue o nosso coração debaixo da glória de Deus no agir do Seu Espírito Santo, usando vidas ungidas na Palavra e na oração, para que vida doce e saciadora brote de dentro de nós e abençoe a muitos.
Pr. Cleber Alho.
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