sexta-feira, 3 de julho de 2015

Do comedor saiu comida, e do forte saiu doçura


Juízes 14:14.

Examinando o enigma de Sansão pela ótica do sobrenatural, ou mais propriamente, do transcendental divino, podemos decifrá-lo com um entendimento maior que a proposta incoerente daquele herói a seus inimigos filisteus.

O enigma de Sansão em linguagem espiritualizada constitui-se exatamente no teor da proposta de Deus ao homem decaído em seus pecados, pelo operar do Espírito Santo no seu ser. Mas também alcança vidas regeneradas cujo caráter requer quebrantamento e transformação.

Na verdade, não fôra o Espírito de Deus apossar-se de Sansão (v.6) sobremaneira, e não haveria motivação nem imagem alguma para seu célebre enigma.

Acreditava Sansão que jamais atinariam os seus inimigos com o fato por detrás das palavras, porque, não diferentemente da perplexidade que gera o operar divino na transformação de uma vida, é impossível ver o "comedor" provendo comida e o "forte" passar de si doçura, a não ser por uma operação direta de um poder maior que sua natureza inerente. Mas, o mesmo Espírito que agiu através de Sansão, hoje continua operando a mesma obra, que naquela ocasião Ele coreografou  através das mãos do herói. Ali pois, ficou em registro sobre a terra, a ilustração do mover irresistível do Espírito de Deus, transformador de naturezas decaídas.

Jesus, conversando com o principal dentre os mestres de Israel, Nicodemos, advertiu-o quanto à verdade fundamental do Evangelho: "Quem não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus" (João 3:5). Sem ser " rasgado" pelo poder do Espírito Santo, o " comedor" vai permanecer imutavelmente comedor.

Conhecemos o caráter no mundo que se enquadra bem no perfil desta analogia do leão novo de Sansão: aqueles que vivem exclusivamente em função de si mesmos, natural e anormalmente egoístas. São "comedores"  como pais, patrões, cidadãos comuns. São os que vivem em busca de ganhar sempre a qualquer custo, colocando-se no centro da vida, aos quais devem os demais inclinar-se. Insensíveis para perceberem a necessidade alheia, só têm olhos para ver a sua própria, e, ou depreciam o sofrimento de terceiros, ou correm em busca de mitigar suas próprias dores antes de todos. Nem mesmo uma vez saciados colocam-se à disposição de algum resquício de preocupação externa a si. Até mesmo a religião é usada em função de seus interesses. Fecham-se em torno de suas famílias e bens e priorizam unicamente aquilo que lhes garanta benefício ou segurança pessoal. Asseguram-se todo o tempo do que podem ganhar, do que virão receber, mesmo que apenas atenção ou aplausos. E como perenes receptores, os "comedores" do enigma só cogitam das coisas desta vida. Os "comedores" jamais passam algo de si mesmos, de maneira que para que provejam comida, só pelo poder de Deus.

Mas se o "comedor"  for rasgado pelo Espírito Santo, de pronto ele morre para si mesmo e a partir daí uma colmeia de vida encontra espaço para crescer dentro dele.  É o exemplo que nos passa Zaqueu, o publicano, em Lucas 19:1-10. Quem era Zaqueu? Antes de ser rasgado pelo espírito de vida que lhe transmitiu Jesus, Zaqueu era um "comedor" nato, odiado por todo o seu povo. Era um "comedor" cruel e inútil contra o seu próprio povo a quem explorava a favor do governo opressor de Roma. Uma vez rasgado pelo Espírito, desse "comedor" saiu comida: "Senhor, resolvo dar aos pobres a metade dos meus bens; e, se nalguma cousa tenho defraudado alguém, restituo quatro vezes mais." Foi tal a transformação imediata que Jesus alegrou-Se naquela salvação.

Só o Espírito de Deus faz sair comida dos comedores. Só Ele abre o coração cerrado pelo egoísmo e leva alguém a ver para além de si mesmo e assim vir a tornar-se um doador compassivo nas diversas áreas que as múltiplas necessidades apontam: bens, socorro, afetos, tempo, etc.

A capacidade de transformar naturezas é obra própria do Espírito de Deus. E se elas não mudam, isso é indicador claro de que não foram "rasgadas" por Ele. É Dele ainda o poder não menos extraordinário de tirar doçura do forte, conforme também o enigma assinala: " Doçura saiu do forte".

Forte, aqui entra pela analogia do endurecido, do bruto, intempestivo e rancoroso. Também conta o cruel, truculento. O amargo idem, e ainda o iracundo, esbravejador.  Como prever doçura em tais caráteres? Impossível, a não ser por ação divina. É necessário que um poder maior que o forte o rasgue, quebrante, para que ele venha a verter doçura.

No enigma, a doçura é a imagem perfeita desse quebrantar de cerviz endurecida, pois contrasta com a voracidade, com a luta, a resistência e o perigo. Contrasta com a ameaça e o risco; tudo o que um leão novo e feroz representava ao arremeter contra Sansão. A doçura é o total oposto desse quadro de propostas daninhas que atentam contra a vida e a paz.
E então entra a doçura como sabor, alimento, vida, em contraste eloquente com a imagem de ferocidade destrutiva.

Essa doçura saída do forte só foi possível após a destruição de suas bravatas quando rasgado pelo poder de Deus. Essa doçura brotou desde as entranhas, como a dizer que há doçura disponível sempre, em entranhas laceradas pelo Espírito do Alto. É um poder invisível e irresistível que atua e abre o coração mais duro e forte. Sob o poder de Deus morre todo o forte e em seu lugar nasce o fraco em cujas entranhas esse poder se aperfeiçoa. Temos a prova disso na vida de Saulo de Tarso. Rasgado pelo poder de Deus aquele forte fariseu converteu-se no Paulo que chorava pelos seus discípulos, apaixonado por seu Cristo e Senhor.

Quê cena mais bela pode haver que rugidos transformados em gemidos de quebrantamento e submissão? Quê milagre mais maravilhoso supera a mudança inconteste da ferocidade em saborosa brandura que brota do caráter rasgado? O bruto torna-se dócil, meigo, sob o poder de Deus, quando se deixa rasgar por Sua mão.

É ainda relevante considerar que o forte comedor foi rasgado pelas mãos de um homem ungido. Sansão foi o instrumento dessa transformação e desfrutou da bênção dela decorrente. Enfrentou o combate e oposição antes de vencer, mas obteve a vitória sob o poder de Deus. Ele ainda usa veículos humanos hoje como instrumentos eficazes, dispostos ao combate, para derrubar o valente e dominar o forte até que rasgado este se torne doador e provedor de doçura. As mãos de Sansão representam os instrumentos de quebrantamento de vidas, como oração e a Palavra que esquadrinha mentes e corações até a divisão de juntas e medulas, capaz de dividir pensamentos e intenção do coração como afirma Hebreus 4:12.

Ofereçamos a Deus nosso caráter indócil para que seja rasgado e transformado pelo poder do Seu Espírito. Então possa dizer de nós o mundo: "Do comedor saiu comida e doçura do forte".  Que se rasgue o nosso coração debaixo da glória de Deus no agir do Seu Espírito Santo, usando vidas ungidas na Palavra e na oração, para que vida doce e saciadora brote de dentro de nós e abençoe a muitos.


Pr. Cleber Alho.

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